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Uma alternativa aos caminhos populistas (parte 2)

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Para ler a primeira parte, clique aqui. 

Apesar de propor me ater a fatos além da corrupção, começo com o primeiro escândalo da gestão petista, não pela corrupção envolvida, por si só, mas também pelo que representou. O mensalão consistiu basicamente em um esquema de compra de votos de parlamentares, de modo que votassem de acordo com os interesses do governo federal. Foi um acinte à democracia – e um acinte muito pior do que as já questionáveis negociatas via emendas e distribuição de cargos. Nunca é demais lembrar que o delator do escândalo foi Roberto Jefferson, aquele mesmo condenado no processo e que hoje posta foto exibindo fuzil em apoio a Jair Bolsonaro e conclamando a um golpe militar. O “mensaleiro” que virou bolsonarista simboliza bem as equivalências antiliberais entre bolsonarismo e petismo.

Outro argumento frequente é que Bolsonaro teria sido eleito tão-somente em função das fake news e que o PT seria um partido defensor da verdade. É verdade que a rede de fake news bolsonarista, que prevalece até hoje, é uma coisa abjeta. O que não é verdade é que o PT, e a esquerda de uma forma geral, também não espalhem fake news.

Novamente, aqui o bolsonarismo aprimorou a tática petista. Quem não tem memória curta deve se lembrar bem da tentativa de destruição de reputação feita contra a presidenciável Marina Silva na disputa eleitoral de 2014. Para variar, o terrorismo eleitoral versava principalmente sobre economia, incluindo a afirmação de que, se eleita, ela retiraria R$1,3 trilhão da educação e que a autonomia do Banco Central, defendida em seu plano de governo, entregaria o Bacen aos bancos privados. O PT e partidos correlatos são campeões em disseminar esse tipo de mentira, dizendo que não há déficit previdenciário, que a MP do saneamento privatizaria as águas, que metade do que é arrecadado é destinado a juros da dívida, etc. Ironicamente, foi Dilma que causou uma recessão que tirou comida da mesa de milhões de brasileiros, como defendeu que seus opositores fariam se eleitos. Pelo menos oito anos antes da eleição de Bolsonaro, ainda na época do Orkut, há registros de que o PT já usava perfis falsos para fins de ataque a opositores e divulgação de fake news. Tanto no caso petista quanto no bolsonarista, as fake news têm o mesmo propósito: vencer pelo medo.

No que se refere à relação com a imprensa, há muito mais semelhanças entre PT e Bolsonaro do que supõe a vã militância. Falei no artigo anterior sobre a diferença de tratamento muitas vezes dado pela imprensa aos extremismos de esquerda e direita e não nego o viés progressista de grande parte da mídia. No entanto, não é verdade, como hoje dizem os bolsonaristas, que a imprensa se esquivou de divulgar os escândalos ou dar abrigo aos críticos das gestões petistas. Quem acha que a imprensa ignorou os malfeitos do PT deve ter vivido em um universo paralelo na época ou sofrer de amnésia. Primeiro, digo o óbvio: independente da linha editorial, qualquer veículo de comunicação precisa vender conteúdo ou publicidade para sobreviver – e acredito que poucas coisas vendem tão bem e rendem tantos acessos quanto escândalos envolvendo o governo de ocasião. É verdade que veículos altamente enviesados que atendem a um nicho específico podem escolher ignorar os fatos, mas não há possibilidade de a imprensa como um todo fazer isso – não em uma democracia, ao menos. É justamente por não ter se esquivado que o PT sempre fez atacar a imprensa. A truculência na questão começou com o PT, Bolsonaro a aprimorou.

Lula não só diz que se arrepende de não ter feito a “regulação da mídia” como – no âmbito da ficção de que era candidato em 2018 – já disse que planejava fazer isso se eleito. Se você questionar os defensores da tal “regulação”, bandeira histórica do PT, eles irão jurar de pés juntos que não se trata de censura e sim de uma regulação de caráter econômico, visando a combater um suposto oligopólio. “Conversa para boi dormir”, especialmente se considerarmos que o recrudescimento desse discurso se deu justamente após a queda do PT e as encrencas de Lula com a Justiça. O PT culpa a imprensa pelo impeachment e sempre a atacou por divulgar suas “maracutaias”.

Porém, não só nos ataques à imprensa Bolsonaro e o PT se assemelham: o mesmo vale para os agrados, via publicidade oficial, a blogs e sites chapa-branca. Apenas em 2016, Dilma repassou R$11 milhões para as chamadas “mídias-alternativas”. Por sua vez o governo Bolsonaro, cujo mandatário sempre atacou tais repasses em se tratando do PT, não só perpetuou a estratégia de financiar via publicidade oficial os blogs amigos, como parece ter aprimorado promiscuamente a técnica. Há indicativos de que youtubers bolsonaristas, os quais chegavam a faturar até R$100 mil por mês, tenham ligação direta com o chamado “gabinete do ódio” e com o Planalto, usando informações privilegiadas para a criação de conteúdo em seus canais.

Além do financiamento dos “amigos” e ataque aos “inimigos”, o governo Bolsonaro adotou uma postura ainda mais ostensiva, monitorando a postura de influenciadores em termos de oposição, neutralidade ou apoio ao governo. O chamado “Mapa de Influenciadores”, foi elaborado pela empresa BR+ comunicação e monitorou postagens feitas em maio de 2020 sobre o Ministério da Economia e Paulo Guedes. Dos 77 influenciadores analisados, incluindo vários jornalistas, 50 se encaixavam na categoria de “detratores”. Entre as medidas sugeridas pelo relatório, consta o “monitoramento preventivo das publicações dos influenciadores”. Novamente, a tática de enumerar inimigos do governo emula algo já feito pelo PT em 2014, por meio da “lista negra” divulgada pelo então vice-presidente da legenda, Alberto Cantalice, atacando personalidades públicas críticas ao governo petista. No caso do governo Bolsonaro, o “monitoramento” descaradamente já se transformou em perseguição, com inúmeros casos de pedidos de investigação contra críticos do presidente, com base na Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura pela qual Bolsonaro tem tanto apreço.

De forma associada com os ataques à imprensa, outra semelhança entre o bolsonarismo e o petismo é o ataque às instituições. A presença do presidente em manifestações em que se pedia intervenção militar, a celebração por parte do governo e o retorno da celebração por parte das forças armadas do golpe de 64, além de incontáveis ataques desferidos contra às instituições de uma forma geral, qualificam o bolsonarismo como hostil às instituições. No entanto, Jair Bolsonaro ainda estava muito longe da cadeira presidencial quando o PT passou a atacá-las. Além das já citadas associações com ditaduras de esquerda, que por si sós são um acinte à nossa democracia, o PT radicalizou o discurso após o início da Operação Lava Jato e após à abertura do processo de impeachment de Dilma. O partido recordista em pedidos de impeachment, que pediu o impeachment de todos os presidentes não-petistas desde 1990, até hoje conclama que o impeachment legal, legítimo e justo de Dilma foi um golpe. A tese só pode ser vista como um ataque às instituições, uma vez que tenta colocar a pecha de golpista na Câmara, que abriu o processo, no STF, que estabeleceu o rito, no Senado que julgou e deu o veredito, bem como na legislação vigente – Lei do Impeachment, Lei de Reponsabilidade Fiscal e Constituição Federal.

Além do ataque com maior ênfase ao legislativo, o PT vem atacando o Judiciário desde que a Lava Jato lançou o golpe que colaborou para a queda – embora acredite que a recessão tenha sido o fator preponderante. Ora, é claro que, como qualquer outro réu, Lula tem o direito de se defender e é verdade que a atuação da operação não foi incólume – e, embora frequentemente respaldada por tribunais superiores, é certo que houve erros, a exemplo das conduções coercitivas feitas em claro desacordo com o CPP. No entanto, isso não serve para destruir o legado positivo da operação para o combate à corrupção, grave chaga de nosso país.

A narrativa petista vai muito além de apontar erros: é uma argumentação conspiracionista, que chega a dizer que a operação esteve a serviço do exterior e, pasmem, a culpa por impactos econômicos, como se o roubo devesse ser contemporizado. Não se trata de um mero ataque à 13ª Vara Federal; quando os petistas dizem que houve uma conspiração para encarcerar Lula e retirá-lo do pleito, ignora-se que, antes de Fachin anular as condenações, Lula foi condenado em três instâncias. Não há como sustentar esse argumento visando somente Moro e ignorando que o TRF-4 e o STJ mantiveram a condenação. Para quem tem em mente ataques mais enérgicos ao Judiciário, tais como quando Eduardo Bolsonaro disse que bastaria um soldado e um cabo para fechar o STF, o ex-deputado petista e advogado de Lula, Wadih Damous, também defendeu explicitamente em 2018: “Tem de fechar o Supremo Tribunal Federal”.

Por fim, em seu casamento recente com o Centrão e com o fisiologismo que este grupo incorpora, o governo Bolsonaro também emula o petismo. Desnecessário citar novamente os escândalos de corrupção petistas, produtos diretos do fisiologismo, mas destaco que o grupo que agora está com Bolsonaro esteve por mais de uma década com o PT. Claro que isso revela um problema que não é exclusivo às duas gestões citadas, sendo um mal de raízes muito mais profundas, mas que serviu muito bem aos propósitos petistas, ao menos até a hora mais escura, e também nesta quadra veio resgatar Bolsonaro da sombra do impeachment. É importante não confundir Centrão com centro, com a “guinada ao centro” – a exemplo da vice presidência de José Alencar e da continuidade, até a primeira metade do segundo mandato de Lula, da política econômica herdada de FHC – que logrou amortecer, até certo momento, o radicalismo histórico do partido.

O fisiologismo é produto direto do nosso patrimonialismo, do uso privado da coisa pública, o que casa bem com a cleptocracia petista, servindo esta à perpetuação no poder, e com a “filhocracia” pretendida por Bolsonaro, que já quis fazer um filho embaixador e já falou da possibilidade de fazer outro ministro. Assinala-se aqui uma diferença e uma semelhança entre Bolsonaro e o PT. A diferença é que o capital político de Bolsonaro, que já passou por nove partidos e tenta agora fundar outro, independe da máquina partidária. Junto com sua eleição em 2018, o PSL, até então um partido nanico, elegeu a segunda maior bancada da Câmara. A semelhança é justamente o capital político atrelado a um nome – no caso do PT, o nome de Lula. Pode-se dizer que Lula não depende do partido e que é maior do que ele, mas ninguém imagina um sem o outro. A consequência é que no primeiro caso o patrimonialismo se manifesta de forma mais claramente individual/familiar, enquanto no segundo o esquema partidário e coletivo é predominante. Na prática, se igualam na luta pelo poder e em se servir do que é público, ao invés de servir ao público.

(Continua…)

Fontes:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/novo-aliado-jefferson-posta-foto-com-arma-e-pede-que-bolsonaro-demita-ministros-do-stf.shtml

https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2014/09/11/na-tv-dilma-agora-faz-comercial-atacando-marina-sobre-o-pre-sal/

https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/julgamento-do-mensalao/jefferson-contradiz-proprio-advogado-e-afirma-que-lula-nao-sabia-do-mensalao,64caf06ac049e310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

https://www.poder360.com.br/eleicoes/lula-ameaca-se-eu-voltar-vai-haver-regulacao-dos-meios-de-comunicacao/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43118825

https://www.oantagonista.com/brasil/exclusivo-dilma-repassou-r-11-milhoes-a-blogueiros-em-2016/

https://oglobo.globo.com/brasil/temer-suspende-patrocinio-de-11-milhoes-para-blogs-politicos-19533547

https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/quanto-voce-paga-para-os-blogs-sujos-do-pt/

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/05/26/internas_economia,858537/mpf-abre-inquerito-para-investigar-repasse-de-verbas-para-sites-ideolo.shtml

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,como-youtubers-bolsonaristas-ganham-r-100-mil-mensais-com-informacoes-privilegiadas-do-planalto,70003539302

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/19/jair-bolsoanaro-nao-queremos-negociar-nada-manifestacao-anti-congresso.htm

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/05/31/interna_politica,1152423/bolsonaro-vai-a-manifestacao-a-cavalo-e-cumprimenta-apoiadores.shtml

https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-03-31/ala-mais-moderada-do-governo-militares-celebram-golpe-de-64-em-silencio.html

https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-03-31/em-meio-a-polemica-planalto-divulga-video-exaltando-a-ditadura-militar.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/18/politica/1460937256_657828.html

https://imirante.com/oestadoma/noticias/2020/02/28/pt-pediu-impeachment-de-todos-presidentes-nao-petistas-desde-1990/

https://pt.org.br/a-servico-do-exterior-lava-jato-derrubou-producao-e-empregos/

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/03/lula-diz-que-operacao-lava-jato-causa-prejuizos-economia.html

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/12/10/com-agenda-politica-3-caravana-de-lula-coloca-culpa-da-crise-do-rj-na-lava-jato.htm

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/21/politica/1540142442_181625.html

https://www.poder360.com.br/eleicoes/deputado-do-pt-advogado-de-lula-propos-fechar-o-stf-em-abril-de-2018/

https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/12/01/governo-bolsonaro-jornalistas-redes-sociais.htm

https://pt.org.br/alberto-cantalice-a-desmoralizacao-dos-pitbulls-da-grande-midia/

https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/11/bolsonaro-diz-que-cogita-nomear-o-filho-eduardo-embaixador-do-brasil-nos-eua.ghtml

https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-diz-que-o-filho-carlos-deveria-ser-ministro-ele-que-me-botou-aqui/

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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