Um conselho para Bolsonaro: esqueça Geisel!

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Nos círculos do conservadorismo, do liberalismo, do antipetismo, do anticomunismo e tutti quanti, nos quais de algum modo tomo parte, faltando ainda mais de um ano para 2018, as discussões já se acirram entre dois nomes ungidos por esse ou aquele grupo para a presidência: Jair Bolsonaro, hoje no PSC, e João Dória, no PSDB.

Nomes como Ronaldo Caiado, do DEM, também surgem aqui e acolá, mas a maioria na direita – ou na “anti-esquerda radical” – que se manifesta a favor de um personagem da nossa política se coloca ao lado desses dois ou decididamente de um deles – e, neste último caso, reconhecer algum acerto do outro ou criticar algum mau passo do seu candidato favorito é visto como sinônimo de “xucrice”, “radicalismo”, “esquerdismo”, “socialismo fabiano” ou qualquer coisa semelhante, a depender de quem se trate.

Quando me retiro dessa discussão, é, garanto, com absoluta honestidade. Não me equiparo a certos analistas que se atribuem – se não efetivamente possuem – certo poder de antevisão dos fatos e prefiro aguardar o comportamento de todos os nomes, reagindo dentro do tempo aos seus movimentos, propostas, atitudes, times e alianças; mais ainda, reagindo aos atropelos e guinadas da Operação Lava Jato e da temperatura política perante as reformas nacionais que se fazem necessárias. É sem qualquer dissimulação ou sem qualquer comprometimento com pessoas ou partidos que escrevo o que escrevo, e afirmo que ainda não tenho a resposta para a pergunta sobre quem terá meu voto em 2018, e não acho que seja o momento para tê-la.

Tendo tudo isso em vista, quero falar hoje sobre Jair Bolsonaro e sobre uma das questões que mais me incomodam nele: a sua disposição a engrandecer, em bloco, todo o regime militar e suas diversas lideranças. Não tenho problemas – muito ao contrário – com uma tentativa legítima de colocar as coisas em seus devidos lugares e compreender o que aconteceu no Brasil dos anos 60 e 70 no seu contexto histórico; mas o regime militar também precisa ser evidenciado em suas mazelas; não precisamos cometer o excesso contrário. Até compreensivelmente pela sua origem na política muito ligada aos interesses dos militares, Bolsonaro está impregnado desse vício; para ele, todos, de Castelo Branco a Figueiredo, são como que heróis nacionais, e todos merecem ter suas fotos na parede de seu gabinete. Como lacerdista tardio, ciente de que os militares acabaram com a carreira de Carlos Lacerda e com o que a UDN poderia ter sido, eu jamais poderia admitir esse raciocínio.

Porém, um presidente militar, especificamente, me gera grande inquietação ao ser enaltecido por Bolsonaro: Ernesto Geisel, o penúltimo do regime.  Não gosto de posturas dogmaticamente maniqueístas que, na apreciação da política, sobretudo de um contexto diverso daquele da época em que vivemos, reduzem a dimensão complexa do humano e depreciam inteiramente alguém; não digo, portanto, que Geisel não tenha tido suas qualidades. Reconheço, por exemplo, as circunstâncias difíceis de sua presidência, em que conduziu uma abertura gradual do sistema político brasileiro sob petardos de alguns segmentos da chamada “linha dura” militar e de frações mais afobadas da oposição, mesmo do MDB.

No entanto, em geral, as ideias nutridas por Geisel são tudo que não queremos e não precisamos para o Brasil de hoje. Geisel não é um herói nacional e não merece ser visto como tal. Estamos falando de um presidente que, para além de ser um multiplicador exponencial de empresas estatais, indo totalmente na contramão da necessidade de desinchar nosso Estado paquidérmico, conferindo-lhe ainda a atribuição empresarial, era contra até mesmo a privatização das telecomunicações (!). Se Bolsonaro quiser falar ao público mais liberal e não apenas a um eleitorado de corte nacionalista-militarista, o que vinha parecendo ser a sua intenção e também de sua família, ele precisa esquecer os louvores a Geisel de uma vez por todas, o que não parece entrar em sua cabeça, já que ele até afirmou que o ex-presidente era um “empreendedor” em sua última entrevista para a Folha de São Paulo.

Há ainda um detalhe que poucas pessoas conhecem e que comentei há algum tempo, que eu teria enorme curiosidade de saber que impressão causa ao deputado. O ex-presidente Geisel concedeu a pesquisadores da FGV uma série de entrevistas reunidas, nos seus últimos anos, no livro chamado exatamente Ernesto Geisel. O detalhe curioso é que, vejam só, se Bolsonaro vez ou outra enaltece Geisel, o ex-presidente também deu sua opinião sobre o então iniciante deputado Bolsonaro. O que vocês acham que Geisel disse?

Na página 112 da primeira edição de 1997, Geisel diz: “Neste momento em que estamos conversando, há muitos dizendo: ‘Temos que dar um golpe! Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!’ E não é só o Bolsonaro, não!” Na página seguinte, respondendo a uma pergunta sobre a participação de militares na política, é que vem a pérola: “Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar.”

Pois é: para Geisel, seu ídolo, Bolsonaro era um mau político e um mau militar. Minha dúvida: o deputado Jair sabe disso? Se sabe, ainda assim admira Geisel? Embora eu discorde dessa admiração, até poderia ver alguma nobreza em Bolsonaro manifestar tamanha deferência em relação a Geisel, mesmo sabendo da péssima opinião que o ex-presidente tinha a seu respeito. Contudo, é estranho que ele não tenha feito nenhum comentário a respeito de que se tenha notícia. Fica proposta construtivamente a reflexão. Esqueça Geisel; ele não é o modelo para o Brasil de amanhã.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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