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O estouro anunciado da economia brasileira

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“O povo arca com o prejuízo e os políticos enchem o ‘bouço’ (sic)”. Definição do “arcabouço fiscal”, vista em um para-choque de caminhão.

Dois meses após aquele anúncio espetaculoso do dito “arcabouço fiscal” e poucos dias depois de sua aprovação pelos denominados representantes do povo na Câmara, não há muito a acrescentar aos inúmeros comentários sobre o enorme retrocesso que representa essa tapeação. Por certo, muitos economistas de diversas tendências vêm afirmando que se trata de um logro do tipo “me engana que eu gosto”, inventado pelo ministro da Fazenda e seus assessores “progressistas”. Não há dúvida de que se trata de uma licença para o governo queimar o dinheiro dos pagadores de impostos e que, para completar, isenta de qualquer culpa os responsáveis por estouros orçamentários futuros, eventos antecipáveis como líquidos e certos, tendo em vista a natureza perdulária do atual Executivo.

Esse salvo-conduto legal para gastar o nosso dinheiro como se não houvesse amanhã joga por terra toda e qualquer esperança de responsabilidade fiscal por parte do governo. Ao contrário, abre um leque enorme de oportunidades de gastanças descontroladas e destemperanças desenfreadas. Em outras palavras, a política e o regime fiscais — ou seja, tanto a conjuntura quanto a estrutura das contas conhecidas como “públicas” — apontam para o desregramento, o descomedimento e a imoderação. O preço disso será muito alto.

A boa notícia é que, por enquanto, a política monetária vem sendo executada com prudência e sabedoria pelo Banco Central, apesar do bombardeio a que vem sendo submetido o seu presidente, cujo mandato vai até o final de 2024. As arremetidas contra a austeridade no combate à inflação partem de muitas frentes: de um ministro da Fazenda que — algo inédito! — confessou aos quatro ventos não saber de economia, de seus assessores gastadores, de políticos governistas, do consórcio da imprensa e até mesmo do presidente do Senado, cujos conhecimentos de teoria e política monetárias são, no mínimo, questionáveis e cujas opiniões sobre o assunto, certamente, são totalmente dispensáveis.

Pois não é que um jornal paulista decadente e conhecido por sua flagrante militância de esquerda chegou ao cúmulo de organizar um seminário para “discutir a independência do Banco Central”, em claro sinal de vassalagem ao governo e a políticos aliados, para desestabilizar o presidente da instituição e, com certeza, pressionar para que seja substituído por algum adepto do velho embuste conhecido como “Teoria Monetária Moderna”? Como assim? A hora de discutir essa questão já passou há muito tempo, a rigor, desde 2021, quando a Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, aprovada no Congresso, estabeleceu a sua autonomia e dispôs sobre a nomeação e a exoneração do presidente e dos diretores. Essa autonomia, diga-se, já estava prevista na Constituição e, portanto, teve 33 longuíssimos anos (de 1988 a 2021) para ser “discutida”. Ora, caros leitores, não há mais o que debater, o Banco Central é independente e ponto final.

As alegações contra os “juros altos”, vindas de um desafinadíssimo coro formado por economistas progressistas, políticos oportunistas, empresários egoístas e jornalistas esquerdistas, padecem de absoluta falta de robustez e de criatividade. São as mesmas de sempre, do tipo “essa política de juros altos favorece os banqueiros e provoca desemprego, por isso o Banco Central deve baixar a taxa de juros para estimular o crescimento da economia, eliminar o desemprego, gerar maior produção e, assim, combater a inflação”. O nhenhenhém tem pouquíssimas variações, como a cantilena minimalista de que “o país precisa voltar a crescer, mesmo que isso signifique aceitar uma inflação maior” ou a chorumela de que “existe uma escolha entre inflação e desemprego, e todos os progressistas e desenvolvimentistas têm a obrigação de optar pelo crescimento e pela geração de empregos, mesmo que isso signifique aceitar taxas maiores de inflação”.

Ora, é preciso lembrar às gerações mais jovens que, em matéria de inflação, o “prontuário” do Brasil é simplesmente vergonhoso. Em apenas 52 anos, a saber, de 1942, quando o mil-réis foi substituído pelo cruzeiro, até 1994, ano de criação do real, houve simplesmente oito reformas monetárias: a de 1942; a de 1967, que criou o cruzeiro novo e eliminou três zeros; a de 1970, que recriou o cruzeiro; a de 1986, que instituiu o cruzado, suprimindo mais três zeros; a de 1989, que inventou o cruzado novo e aboliu mais três zeros; a de 1990, que ressuscitou o cruzeiro; a de 1993, que criou o cruzeiro real, abocanhando mais três zeros; e, finalmente, a de 1994, em que a nova moeda, o real, passou a equivaler a 2.750 cruzeiros reais.

Em resumo, uma folha corrida nada recomendável, um verdadeiro atestado de péssimos antecedentes, em que mudaram o nome da moeda nacional oito vezes, engoliram-lhe 12 zeros e, para encerrar, devoraram-lhe 2.750 unidades monetárias do padrão então vigente. A título de comparação, isso significa que um simples almoço em que se paga, hoje, suponhamos, R$ 100,00 equivale à bagatela de 27.500.000.000.000.000 mil-réis de 1942. Nossos avós e bisavós jamais imaginariam que algum dia esse preço insólito seria atingido. Isso quer dizer que, se viajassem no túnel do tempo até os nossos dias e tentassem pagar pela refeição em espécie — como era comum em sua época — verificariam atônitos que precisariam contratar um enorme caminhão de mudanças para entrar no túnel, ir buscar os mil-réis em 1942, trazê-los até 2023, levá-los ao restaurante e descarregá-los. Diante disso, a alegação de que devemos aceitar taxas maiores de inflação é uma confissão tripla — de desprezo pela história, imprudência e irresponsabilidade.

Não significa que, nas circunstâncias atuais, a aceitação de taxas maiores de inflação de preços implicaria hiperinflação, mas simplesmente que, com o passaporte para gastar implícito no arcabouço, as opções necessariamente serão entre inflação maior, dívida pública maior e carga tributária maior, ou, o que é mais provável, entre uma combinação dessas três alternativas. Em todos os casos, com desemprego também maior.

É óbvio que, contrariamente ao que propaga a esquerda, todo ser pensante é desenvolvimentista e progressista, ou será que o leitor conhece alguma alma com preferências tão estranhas a ponto de ser contra o desenvolvimento e o progresso? O problema é que a condição primeira para sermos a favor ou contra qualquer fenômeno é conhecê-lo, e essa gente não tem a menor ideia do que vêm a ser desenvolvimento e progresso. Já seria mais do que tempo de ter aprendido com a história que não podem ocorrer na presença de inflação persistente; que gastos públicos não garantem nenhum dos dois — pois, se garantissem, não existiria mais desemprego, pobreza e fome em nenhum país desde, pelo menos, a década de 30 do século passado —; que impostos secam as energias produtivas; e que dívida pública elevada asfixia a economia.

Na verdade, não há escolha entre inflação e desemprego, pela mesma razão que não se pode escolher entre andar descalço na chuva e molhar os pés. Nenhuma economia cresce o que simplesmente se deseja que ela cresça, e sim o que ela pode crescer. Não é uma questão de desejo ou de discursos, mas de traquejo e de recursos. A inflação é provocada por investimentos malfeitos, geralmente lastreados em crédito artificialmente barato, e, à medida que o tempo desnuda a ineficiência desses investimentos, surge o desemprego. Ou seja, a inflação ocorre quando os governos, achando que estão optando pelo “crescimento”, geram empregos artificiais, e o desemprego é a consequência inevitável dessas más políticas inflacionárias. É o porre da inflação, a ressaca do dia seguinte.

Os juros não são altos porque o presidente do Banco Central é uma pessoa de má índole, que gosta de provocar recessões; eles são o que são porque o déficit das contas do governo é o que é: grande e com péssimas expectativas quanto à sua evolução futura. Ademais, como se sabe que déficits só podem ser financiados com mais impostos, mais inflação e mais dívida interna, se o Copom baixar a taxa básica de juros apenas pelo desejo de que ela seja menor, ou para agradar ao presidente do país e aos políticos, isso significa que estará aumentando as reservas dos bancos e, portanto, promovendo uma expansão artificial do crédito, cujo efeito inicial, dependendo das expectativas, poderá ser o de estimular a atividade econômica, mas cujo resultado final, certamente — e décadas de evidências nos garantem essa ênfase —, será uma combinação de inflação com recessão.

Nunca houve experiência bem-sucedida por parte de qualquer governo de combater a inflação e de gerar crescimento mediante políticas de juros artificialmente baixos.

E ainda, como as expectativas quanto às contas do atual governo excluem qualquer possibilidade de austeridade, se a taxa de juros básica for puxada para baixo “na marra” (artificialmente), surgirá uma tendência para a fuga de capitais do país (em busca de melhores remunerações), o que conduzirá a uma desvalorização do real perante o dólar. As taxas de juros só vão cair no Brasil quando o Estado, em todas as suas dimensões, for reformatado, quer dizer, quando o regime fiscal mudar definitivamente. Existe alguém que acredite nessa possibilidade durante este governo?

Nunca houve experiência bem-sucedida por parte de qualquer governo de combater a inflação e de gerar crescimento mediante políticas de juros artificialmente baixos. O erro está na miopia keynesiana de só enxergar o curto prazo e em supor que essas políticas estimularão a oferta, o que pode ocorrer em um primeiro momento, pois, com a queda da taxa de juros, os valores presentes de projetos de longo prazo aumentam, viabilizando investimentos nesses setores. Mas ocorre que, em um segundo momento, a queda da taxa de juros estimulará a demanda. Ora, como a velocidade da demanda está para a da oferta assim como a de um coelho está para a de uma tartaruga, haverá uma disputa pelo crédito, um cabo de guerra entre demanda e oferta, cujos efeitos serão: primeiro, elevar a taxa de juros; segundo, inviabilizar muitos daqueles investimentos que se haviam tornado lucrativos artificialmente; e, terceiro, provocar desemprego.

Basta olhar para o que aconteceu no governo Dilma, quando o desemprego explodiu, o PIB implodiu e a dívida pública como proporção do PIB subiu cerca de 18 pontos percentuais, e atentar para o aviso de diversos estudiosos de contas públicas de que, com o “arcabouço” do Haddad, esse endividamento, que foi de 72,9% do PIB em 2022, pode aumentar dez pontos percentuais até 2026. Um aviso que desconfio ser otimista, aliás.

Cumpre frisar que, contrariamente ao que acredita a desastrosa equipe econômica atual, os três mecanismos de financiamento de déficits têm limites: a relação entre a dívida e o PIB pode atingir um nível crítico (que ninguém pode saber de antemão qual é), em que a falta de confiança dos detentores dos títulos públicos em seu resgate impedirá que a dívida continue a aumentar; subir impostos é um contrassenso sem tamanho, além de haver pouco espaço para isso; e aceitar taxas de inflação maiores é, em bom português, uma perigosa burrice.

Infelizmente, a boa teoria econômica e a velha experiência estão sugerindo que o estouro está mais do que anunciado, é líquido, certo e será amplo. É apenas uma questão de tempo.

 

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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