O crescimento econômico é finito? – O pessimismo entrópico de Georgescu-Roegen

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A teoria do decrescimento, defendida por partidários do ecologismo radical da Deep Ecology, apresenta uma crítica contundente às teses da economia tradicional de crescimento econômico ilimitado e linear, uma crítica que reverbera na sociedade em geral. Teriam eles razão sobre a natureza finita do crescimento? Caminharemos, no futuro, para um esgotamento catastrófico das capacidades produtivas? A lei físico-termodinâmica da entropia, com seu paradigma do declínio energético gradual da natureza, constitui um sério desafio ao otimismo econômico liberal e ao seu ideal de prosperidade material humana. Essa ideia seria incorporada pela primeira vez à ciência econômica na década de 1970, com o advento da bioeconomia do economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, o principal inspirador do movimento do decrescimento.

Tiago Barreira

Artigo publicado originalmente na Revista Ágora Perene

Introdução

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche descreveu o homem com a imagem metafórica de um ser criador e destruidor, semelhante a uma chama:

“Sim! Sei de onde venho,
Nunca saciado, como um fogo, resplandecente, eu mesmo consumo.
Tudo o que agarro e toco faz luz,
Tudo o que deixo para trás são cinzas,
Certamente, chama é o que sou.”

Essa imagem do homem como produtor de luz e morte pelo toque reflete claramente a ideia prometeica de um ser explorador e dominador da natureza. Em contraposição a essa imagem prometeica, um filósofo alemão posterior, Martin Heidegger, chamou o homem a ser o “pastor da terra”, a aceitar seu humilde papel como parte do mundo, evitando a tecnologia, a dominação e o papel de explorador (Bramwell, 1989).

As metáforas do Homem Prometeico e do Homem Pastor, presentes em Nietzsche e Heidegger, respectivamente, refletem duas concepções antagônicas do homem e sua relação com o mundo, com importantes manifestações no pensamento humano, literário e científico ao longo da história.

A ideia do Homem Pastor compartilha muitas semelhanças com o ideal estético e ético da vida tradicional defendida por muitos poetas e escritores ligados a um romantismo nostálgico, aristocrático e conservador. Essa visão, ao contrário do que frequentemente se afirma no senso comum, de nenhuma maneira contradiz o liberalismo econômico, sendo facilmente aceita por economistas de linha ordoliberal, como o alemão Wilhelm Röpke.

Essa visão orgânica de economia, que une as necessidades do homem e da natureza, põe em relevo um importante tema que não deve ser condenado ou negado per se sob o risco de incorrermos em uma epistemologia autista e alienante da realidade.

Entretanto, deve-se notar que essa visão bucólica e nostálgica do Homem Pastor, de base cultural, se tornaria alvo de fortes manipulações e apropriações políticas nas últimas décadas por certos grupos com ideologias marcadas pelo extremo zelotismo ambiental e sectário.

Um exemplo claro desse tipo de ideologia é a tese do decrescimento econômico, que vem ganhando terreno entre os partidários do ecologismo radical nas últimas décadas, sobretudo na corrente conhecida como Deep Ecology, especialmente em países desenvolvidos. Essa tese advoga o decrescimento e políticas ativas de desindustrialização, desinvestimentos e redução drástica do consumo. Argumenta com base na finitude dos recursos energéticos e põe em questão importantes avanços civilizacionais proporcionados pela Revolução Industrial, bem como as melhorias no padrão de vida material das massas nos últimos séculos.

A teoria do decrescimento apresenta uma crítica contundente às teses da economia tradicional de crescimento econômico ilimitado e linear, uma crítica que não se limita ao seu círculo imediato de defensores, mas reverbera na sociedade em geral, fazendo-se muito presente nos discursos de importantes lideranças ambientalistas globais, como Greta Thunberg.

Toda ideologia, por mais caricatural que seja ao representar a realidade, precisa estar ancorada, ainda que parcialmente, em alguma verdade para existir socialmente. Por trás da tese do decrescimento, há uma verdade profundamente incômoda, cuja negação pelos críticos pode levar à apologia de um extremo oposto igualmente distorcido e parcial.

Essa verdade diz respeito à crença no crescimento infinito e na disponibilidade ilimitada de recursos para sustentar o processo econômico. Surge, então, uma reflexão inevitável: a produção humana terá realmente um limite? Caminharemos, no futuro, para um esgotamento catastrófico das capacidades produtivas? Ou a tecnologia será capaz de superar a escassez de recursos energéticos e físicos?

As limitações epistemológicas da economia neoclássica

É justamente aí que se encontra a maior fraqueza argumentativa dos críticos à tese do decrescimento. Há de se reconhecer que a economia mainstream, com todo o seu ferramental positivista e jargão técnico especializado, ainda não conseguiu apresentar uma resposta teórica satisfatória ao problema da finitude dos recursos. Desde 1870, com o surgimento da ciência econômica neoclássica, os economistas (com algumas exceções notáveis) pareciam acreditar que o crescimento econômico era sustentável indefinidamente e que os recursos naturais eram inesgotáveis, sustentados por uma epistemologia newtoniana e mecanicista da realidade natural, que não condiz com os avanços teóricos posteriores da Física.

Nesse sentido, a maior limitação da ciência econômica neoclássica foi sua incapacidade de conciliar seu otimismo com as novas descobertas ocorridas no campo das ciências biológicas e físicas no século XIX, como a lei da entropia da termodinâmica, crescentemente pessimistas quanto à possibilidade de geração infinita de energia e à continuidade da vida natural no futuro.

Esse descompasso entre o otimismo econômico e o pessimismo das ciências biofísicas se manifestaria de maneira mais clara ao longo do século XX. Desde a década de 1970, e visando a preencher essa lacuna, uma série de novos paradigmas vinculados ao meio ambiente começaria a se estabelecer na economia mainstream, contestando a ideia de crescimento indefinido e linear e utilizando-se do ferramental teórico das ciências naturais.

Esses novos paradigmas, impulsionados pelo avanço das ideias ecologistas entre as décadas de 1960 e 1970, variavam desde posições moderadas a favor da conservação e do crescimento gerenciado dos recursos — como os defensores da tese do “desenvolvimento sustentável” — até posições radicais do Deep Ecology, que rejeitam explicitamente o crescimento econômico e se mostram avessos à possibilidade de qualquer sistema econômico autossustentável (Pearce e Turner, 1989).

A teoria da bioeconomia, formulada pelo economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, foi claramente uma fonte de inspiração para a maioria dos partidários do decrescimento, ainda que o autor não tenha sido, ele próprio, um defensor direto do movimento (Missemer, 2017). Sua principal obra, exposta em The Entropy Law and the Economic Process (1971), apresenta a economia como um subsistema integrado a um sistema bioeconômico global.

Isso leva à ideia de que a economia é regida por um processo dinâmico de produção, circulação e distribuição de bens e resíduos, semelhante ao existente no subsistema biológico evolutivo — um sistema limitado em termos energéticos e materiais e em contínuo decaimento no longo prazo, regido pela Lei da Entropia.

A bioeconomia entrópica de Nicolas Georgescu-Roegen

O modelo entrópico do economista romeno Georgescu-Roegen foi influenciado profundamente pelas teorias alemãs da energética social do século XIX, que integrariam a biofísica na explicação de processos econômicos de produção, trabalho e consumo. Foi também fortemente influenciado pelo institucionalismo e pela economia evolucionista do austríaco Schumpeter, através da visão de mudanças dinâmicas qualitativas nos métodos de produção econômica. Suas ideias de uma economia evolutiva, sem equilíbrio estático e antimecanicista, encontram paralelos com a concepção dinâmica de processo econômico da Escola Austríaca de Economia de Carl Menger, Bohm-Bawerk e Ludwig von Mises.

As ideias fundamentais de sua teoria foram apresentadas entre as décadas de 1930 e 1940, a partir de seus trabalhos na economia agrária e na crítica à teoria do consumidor e à função de produção neoclássica (Heinzel, 2013). Georgescu, durante os anos 1930, teve contato com economistas de Harvard, onde se tornou discípulo de Schumpeter, e desenvolveu estudos sobre a temática da economia neoclássica. Sua teoria da bioeconomia teve suas primeiras ideias formuladas nesse período, influenciada por suas experiências com a vida econômica camponesa ao retornar à Romênia, nos anos 1940 (Goudy e Mesner, 1998).

Em The Entropy Law and the Economic Process (1971), Georgescu-Roegen contribuiu com a incorporação do modelo teórico da termodinâmica física na análise econômica, sendo mais conhecido pelo uso da Lei da Entropia, a Segunda Lei da Termodinâmica. Esta lei é descrita por Georgescu como “a mais econômica de todas as leis naturais” e “a raiz principal da escassez econômica”.

Georgescu, com base na lei termodinâmica da entropia e crítico ao modelo econômico neoclássico herdado do mecanicismo da Física clássica, estabeleceu o modelo da bioeconomia. Este modelo consiste em um quadro teórico dinâmico para a economia, que propõe que a energia física contém um estoque natural finito, o que impõe restrições ao crescimento econômico.

A bioeconomia de Georgescu-Roegen, ao enfatizar a finitude física não só da matéria, mas também da energia, marca uma ruptura categórica com o modelo padrão e mecânico da economia de autorreprodução (Miernyk, 1990). O modelo tradicional de fluxo circular, preconizado desde o século XVIII pelos fisiocratas franceses e nos séculos XIX e XX pelos modelos teóricos neoclássicos de Leon Walras e Gustav Cassel, é caracterizado por um movimento perpétuo, no qual o consumo vai em uma direção e a produção na outra, atingindo um ponto de equilíbrio.

Segundo a teoria bioeconômica, as atividades econômicas degradam acumulativamente o meio ambiente no tempo (aumentando a entropia, de acordo com as leis da termodinâmica), e as mudanças ambientais alteram, por sua vez, o processo econômico. A economia da biosfera é um sistema fechado no qual a entropia aumenta continuamente (e irrevogavelmente) até um máximo: a energia disponível é continuamente transformada em energia não disponível até que desapareça por completo.

O processo econômico é a produção de entropia e se opõe ao movimento perpétuo da teoria padrão. A matéria está sujeita à mesma degradação que a energia, por meio de um fenômeno acumulativo. A conclusão inescapável desses postulados é que o sistema econômico global tem um ciclo de vida semelhante ao de um organismo vivo (Bobulescu, 2012).

Corpos endossomáticos versus exossomáticos

A bioeconomia também estabelece que o sistema econômico é regido por uma dinâmica evolucionista semelhante à existente no sistema biológico. Georgescu-Roegen postulou que o processo econômico é uma extensão da evolução biológica ao distinguir corpos endossomáticos e exossomáticos. O corpo somático de todo ser biológico é dotado de órgãos endossomáticos naturais. A espécie humana adiciona e complementa os corpos endossomáticos da biologia ao criar ferramentas, máquinas e instrumentos externos, que se tornam órgãos exossomáticos.

As mudanças evolutivas, incluindo as exossomáticas, são de natureza qualitativa, e todas as entidades afetadas por uma mudança qualitativa são necessariamente dialéticas.

Conceitos aritmórficos versus dialéticos

Georgescu distinguiu conceitos matemáticos (aritmórficos) de linguísticos (dialéticos), o que lhe permitiu abordar importantes construções teóricas. Os conceitos aritmórficos são definidos pela sua distinção discreta entre números individuais em um contínuo aritmético, que, portanto, nunca se sobrepõem. Em contraste, nos conceitos dialéticos, não há separação discreta entre eles. Eles estão separados de seus opostos por uma “penumbra dialética”. Por exemplo, velho e jovem são conceitos dialéticos. Uma criança será um idoso quando tiver 90 anos, mas ninguém pode dizer com certeza quando ela envelhecerá (Bobulescu, 2012).

Ao enfatizar a natureza dialética dos conceitos econômicos, Georgescu considerou que o processo econômico é caracterizado por uma descontinuidade lógica, por mudanças e desequilíbrios históricos que exigem uma abordagem diferente ao cálculo marginal quantitativo neoclássico (Heinzel, 2013).

Crítica à matematização da economia

As críticas de Georgescu ao pressuposto de integrabilidade matemática na economia levaram-no a estabelecer objeções à teoria de decisão racional microeconômica, apontando uma limitação intrínseca da teoria do consumidor (Zamagni, 1999). Ele demonstrou que as curvas integrais da equação diferencial que representam a condição de equilíbrio do consumidor não correspondem necessariamente ao mapa de indiferença do consumidor. Portanto, a realidade observável das escolhas e preferências dos consumidores não segue obrigatoriamente os axiomas do comportamento do consumidor, como a utilidade marginal decrescente.

A partir de suas experiências com a economia agrícola na Romênia, Georgescu concluiu que o modelo econômico padrão, no qual o consumidor ou produtor funciona como no equilíbrio walrasiano, não pode coincidir com a economia agrária. A inércia social e o princípio de subsistência nas zonas rurais superpovoadas se opõem ao modelo hedonista de consumo nas cidades. As instituições agrícolas não se ajustavam ao princípio quantitativo de maximização de benefícios (Heinzel, 2013).

Seu ataque contundente contra as funções de produção neoclássicas (como a de Cobb-Douglas) afirma que essas funções são construções matemáticas que contradizem as leis físicas. Georgescu-Roegen se afastou radicalmente da análise convencional e construiu um modelo de fluxo de fundos do processo de produção baseado nos recursos naturais, no qual a “produção” corresponde a um processo de transformação. Os recursos (fluxos) são transformados em produtos e resíduos. O trabalho e o capital são agentes de transformação (fundos) que permitem essa transformação. Durante esse processo de produção-transformação, a entropia aumenta (Georgescu-Roegen, 1971).

Conclusão

Em resumo, Georgescu-Roegen preencheu lacunas importantes deixadas pela economia neoclássica ao incorporar as ciências biológicas na análise da dinâmica econômica. Georgescu considera que a economia segue um processo evolutivo regido pelas leis da termodinâmica. Esse processo possui uma importante dimensão qualitativa, que não pode ser capturada pelo instrumental econômico tradicional, centrado em variações “marginais” numéricas.

Especialmente ao demonstrar a necessária inter-relação entre a atividade econômica e o meio ambiente natural, Georgescu destacou a onipresença e inevitabilidade dos problemas e limitações ambientais associados a qualquer atividade econômica. Em vários trabalhos importantes, percebe-se uma continuidade com a teoria institucionalista e evolucionista de Schumpeter, seguindo particularmente a preocupação central de seu mestre com o tema da evolução e com a metodologia (Heinzel, 2013).

Muito embora Georgescu-Roegen não o tenha defendido, a introdução da lei da entropia na análise econômica influenciaria o surgimento do movimento de decrescimento econômico a partir dos anos 1970. Esse movimento ecológico adotaria uma postura radical em relação ao processo produtivo atual, indo além das teses usuais de estacionariedade econômica e limitação de consumo, ao advogar uma política de contínua desindustrialização, desinvestimentos e redução do PIB com o objetivo de retardar o processo de decaimento energético natural provocado pelo crescimento entrópico.

Alguns autores consideram que o próprio movimento de decrescimento distorceu a teoria bioeconômica de Georgescu ao assumir uma epistemologia que não a representa exatamente. Isso ocorre ao defender uma postura de redução quantitativista do nível de atividade e de controle “mecanístico” da economia, uma posição incompatível com o modelo evolucionista e qualitativo da bioeconomia (Missemer, 2017). Mais correto seria falar em uma postura de “acrescimento” da bioeconomia do que propriamente de um “decrescimento” induzido por planos de controle estatal sobre a atividade. Essa visão de acrescimento seria mais coerente com uma teoria que guarda similitudes com a epistemologia antimecanicista da Escola Austríaca de Economia, que influenciaria Schumpeter e Georgescu.

Ainda assim, deve-se considerar, por fim, que a bioeconomia entrópica de Georgescu e seu paradigma do declínio energético gradual da natureza constitui um grande embaraço à teoria econômica neoclássica convencional e seu modelo estático mecanicista, além de expor sérios desafios ao otimismo econômico liberal e seu ideal de prosperidade material humana.

Referências bibliográficas

Bobulescu, R. (2012). The making of a schumpeterian economist: Nicholas georgescu-roegen. The European Journal of the History of Economic Thought, 19(4), 625-651.

Bramwell, A. (1990). Ecology in the twentieth century: A history. Journal of the History of Biology, 23(3)

Georgescu-Roegen, N. (1971). The entropy law and the economic process Harvard university press.

Gowdy, J., & Mesner, S. (1998). The evolution of Georgescu-Roegen’s bioeconomics. Review of Social Economy, 56(2), 136-156.

Heinzel, C. (2013). Schumpeter and georgescu-roegen on the foundations of an evolutionary analysis. Cambridge Journal of Economics, 37(2), 251-271.

Miernyk, W.H. (1990). A mind ahead of its time. Libertas Mathematica, 10: 5–20. Reprinted in Georgescu-Roegen (1996: 183–93).

Missemer, A. (2017). Nicholas Georgescu-Roegen and degrowth. The European Journal of the History of Economic Thought24(3), 493-506.

Pearce, D. W., & Turner, R. K. (1989). Economics of natural resources and the environment Johns Hopkins University Press.

Zamagni, S. (1999). Georgescu-roegen on consumer theory: An assessment. Bioeconomics and Sustainability: Essays in Honor of Nicholas Georgescu-Roegen, 103-124.

*Tiago Barreira é doutorando em Filosofia pela Universidade Santiago de Compostela, pós-graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro (FSB-RJ) e formado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio). Já atuou como analista de conjuntura econômica da FGV, tendo participado em projetos acadêmicos e de consultoria estratégica junto a órgãos públicos e multilaterais. É também diretor fundador do Instituto Ágora Perene, um think tank interdisciplinar de Filosofia, Economia e Humanidades.

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