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A questão do conhecimento (terceira parte!)

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Hayek e os dois casos polares de organização social, política e econômica

Hayek observou que, para compreender o funcionamento da sociedade, devemos tentar definir a natureza geral e o grau de nossa ignorância ou imperfeição de conhecimento. Em muitos de seus trabalhos, o grande pensador austríaco criticou severamente a crença bastante generalizada, porém equivocada, no construtivismo, isto é, em que as instituições sociais e a própria civilização, uma vez que foram criadas pelo homem, podem ser alteradas por ele ao seu arbítrio, de modo a satisfazer seus desejos, vontades e aspirações.

À primeira vista, a crença construtivista parece correta: quantos milhões de pessoas não nasceram, viveram e morreram acreditando piamente na idéia de que o objetivo de se construir uma sociedade melhor pode ser alcançado mediante um planejamento que substitua as normas, instituições e valores existentes por outros previamente calculados? De fato, as aparências sugerem que, se as instituições, normas e valores foram criados pelo homem, por que não poderiam ser alterados – para melhor – por ele? No entanto, essa opinião, por estar baseada em um grande equívoco quanto às reais características da vida em sociedade e das instituições, não tem fundamento e equivale a defender a construção de castelos de areia.

O ponto central para a compreensão do enfoque hayekiano é a idéia de que a transformação, ao longo dos séculos, das sociedades tribais primitivas nas sociedades complexas modernas, foi um processo que se verificou de forma espontânea, isto é, que, embora seja uma consequência da ação humana, não foi produzido pela vontade humana, expressamente concebida. Em outras palavras, as sociedades não foram planejadas pelo homem; foram, simplesmente, evoluindo, evolvendo ao longo do tempo, desde as primeiras tribos até as formas mais modernas de vida social. Não foram, portanto, fruto exclusivo da razão, mas resultado de um processo de mutações permanentes, de um processo evolutivo, que se pode dizer darwiniano, mas cuja consideração em teoria social antecedeu o evolucionismo biológico de Darwin.

O conceito de evolução social é de importância fundamental para que se compreenda a idéia de ordem espontânea. Hayek aponta duas fontes de confusão a respeito do evolucionismo. A primeira é que não é correto que o evolucionismo em ciências sociais seja uma extensão do evolucionismo biológico darwiniano; na verdade, o que ocorreu foi o oposto: Charles Darwin foi quem aplicou à biologia o conceito de evolução, anteriormente usado no estudo das sociedades humanas e suas instituições, pelos filósofos-morais do século XVIII, especialmente os que estudaram as leis e a linguagem sob o ponto de vista histórico, que foram, a rigor, “darwinianos” antes de Darwin.

Essa precedência do evolucionismo social sobre o biológico não tem qualquer conotação com o chamado darwinismo social, que foi uma tentativa fracassada, ocorrida já no século XIX, no sentido oposto, isto é, de levar o evolucionismo biológico para as ciências sociais. Seu fracasso deveu-se a terem seus teóricos desprezado o fato de que existem diferenças entre os processos de seleção que ocorrem na transmissão cultural e que levam à formação e mutação das instituições sociais e os processos de seleção que se realizam pelas transformações das características biológicas e que se transmitem hereditariamente. Ao ignorar essas diferenças, o darwinismo social enfatizou processos de seleção de caráter biológico para tentar explicar a evolução social, o que, evidentemente, resultou em fracasso.

A segunda fonte de confusão que envolve o evolucionismo, principalmente a teoria da evolução social, é a crença errada de que esta teoria consiste de leis de evolução. Na verdade, não se pode falar em leis, no sentido que usualmente se entende, isto é, de sequências ou fases definidas, pelas quais deveriam passar os processos de evolução das instituições sociais, que permitiriam, caso fossem identificadas, estabelecer modelos de previsão das trajetórias futuras dos fenômenos sociais. É importante compreender que essa crença erra ao identificar a seleção biológica com as mutações sociais espontâneas (fruto da ação do homem, mas não de sua vontade). Ela fundamenta as concepções historicistas, bem como as abordagens holísticas de Comte, Hegel e Marx, cujo resultado é o chamado determinismo histórico, que nada mais é do que a atitude mística de se acreditar que a evolução das sociedades deve seguir um curso pré-determinado.

Devemos entender a evolução social como um processo de tentativas e erros dos bilhões de seres humanos que compõem a sociedade, cuja imensa maioria não se conhece uns aos outros, mas que, mediante uma série de ações voluntárias, porém, não planejadas, de aproximações graduais e sucessivas, evolui ao longo do tempo, em um ambiente necessariamente marcado por um conhecimento humano que, como vimos na seção anterior, além de escasso, encontra-se fragmentado e disperso, o que faz necessariamente com que toda a ação humana seja efetuada sob condições dinâmicas – o tempo não espera por nossas decisões – e de incerteza.

A insuficiência e a dispersão do conhecimento humano entre milhões de pessoas e a busca – que faz parte da própria condição humana – por parte de cada indivíduo, de seus interesses particulares, em regime de liberdade (ausência de coerção) é que desencadeiam um processo espontâneo, que vai se desenrolando ao longo do tempo, de maneira essencialmente imprevisível, subordinado a regras e normas gerais. Portanto, a atitude de acreditar, com base na pretensão fatal de que o homem – ou os que ocupam o poder – possui conhecimentos plenos e que, portanto, pode comandar o processo evolutivo, interferindo em sua espontaneidade em nome de um alegado determinismo histórico – o que leva sempre à supressão da liberdade de escolha e da função empresarial -, apesar de não deixar de ser um exercício intelectual interessante, constituiu-se no maior mal do século XX e, por incrível que pareça, ainda não foi eliminado nesta primeira parte do século XXI.

Dentro desse pano de fundo é que devemos examinar os dois casos polares de organização social, política e econômica, analisados por Hayek em sua famosa trilogia Law, Legislation and Liberty. No primeiro desses casos, temos as sociedades de homens livres, que se organizam de acordo com uma ordem geral espontânea; e no segundo, as sociedades totalitárias, organizadas deliberadamente, com base no racionalismo construtivista. É, mais uma vez, Hayek quem contribuiu para estabelecer de maneira clara as diferenças entre essas duas formas de organização social, encaixando cada uma delas em um aparato característico de regras de conduta.

Abastecendo-se na cultura clássica da Grécia antiga, Hayek denominou as duas formas de organização social de cosmos e taxis e as duas espécies de normas de conduta de nomos e thesis. Nomos refere-se a regras que regulam a conduta dos indivíduos, aplicáveis a um número desconhecido de situações futuras, que existem para garantir os direitos individuais e às quais todos os indivíduos, indistintamente, devem subordinar-se. É, em poucas palavras, a lei garantidora da liberdade, a autoridade da lei, que deve ser descoberta, no sentido de que suas fontes básicas são os usos, costumes e tradições. Já thesis refere-se às regras derivadas do conceito positivo de lei, ou seja, a comandos e ordens, aplicáveis de modo desigual sobre as pessoas e nem sempre de modo prospectivo. Se nomos significa a lei, thesis refere-se à legislação que, não tendo nascido para regular os usos e costumes consagrados, não foi e nem pode ser descoberta, mas sim inventada ou criada, geralmente para servir a propósitos deliberados, para atender a grupos específicos. Essas regras não se impõem por sua autoridade intrínseca (pois não são justas), mas por sua coerção extrínseca: não sendo a autoridade da lei, são as leis das autoridades.

No que se refere às duas formas de organização social, cosmos é aquela ordem espontânea, que é fruto de ação, mas não de desígnio deliberado do homem e que resulta de um permanente processo de seleção, de natureza evolutiva, como o que analisamos anteriormente. Por outro lado, taxis são as organizações produzidas pela ação e concebidas pelo planejamento do homem, produto artificial do racionalismo construtivista.

Estamos agora preparados para reconhecer os dois casos polares de organização social, política e econômica. O primeiro, denominado de sociedades livres, ou sociedades de homens livres, tem o indivíduo como sujeito da liberdade e caracteriza-se pela combinação de cosmos com nomos. Daí resulta uma ordem liberal, caracterizada, entre outros atributos, pela economia de mercado, pela abertura, pelo sistema democrático representativo, pela espontaneidade, pelo respeito aos direitos individuais, sob o amparo do Estado de direito, definido como a autoridade da lei (nomos). A ocorrência simultânea de cosmos e nomos é, em última instância, o que se deve esperar das instituições, se o que se tem em vista é de fato o crescimento auto-sustentado; ambas harmonizam-se naturalmente e complementam-se espontaneamente, liberando assim as energias necessárias para que as forças geradoras do crescimento econômico entrem em permanente operação.

O segundo caso extremo de organização social, política e econômica resulta da combinação de taxis e thesis. São as sociedades totalitárias, semelhantes às dos insetos gregários, como as formigas, abelhas e cupins. Quando se acredita que o Estado é que deve ser livre e não os cidadãos ou membros individuais, tudo se passa como se estes se subordinassem a um comportamento altruísta, imposto pelas autoridades ou por uma programação genética. Todos por um (o Estado) e um por todos (novamente o Estado ou a colméia). No caso dos insetos gregários, o altruísmo é natural, trata-se de algo transmitido biologicamente. A fatalidade desse altruísmo faz parte da natureza dos cupins, das formigas e das abelhas. Mas, evidentemente, impor pela força o altruísmo é violar a condição humana naquilo que ela tem de mais representativo – o livre arbítrio, a busca de si mesmo, a liberdade de escolha pessoal, é, enfim, violar a própria dignidade da pessoa humana. A ocorrência conjunta de taxis-thesis produz o totalitarismo: a substituição da lei pela legislação agride o Estado de direito; a democracia enquanto simples forma de governo cede o seu lugar ao “democratismo”, que a vê como um fim, os direitos das minorias são atingidos e o poder concentrado; a economia de mercado é substituída pela economia controlada pelo Estado, o sistema de preços é imobilizado e a geração de riqueza desestimulada; o indivíduo é substituído pelo Estado e este, usurpando daquele o papel de sujeito da liberdade, agride a condição humana, pois, ao pretender impor o “altruísmo” (busca desenfreada pela igualdade de resultados) pela força, nada mais faz do que forçar seres humanos a se comportarem como insetos. É o caminho mais seguro para a estagnação econômica, para a opressão e para a infelicidade individual – e, paradoxalmente, a coletiva.

Uma vez estabelecidos os traços distintivos das duas formas polares de organização, resta-nos mostrar ao leitor que não existe, depois de certo tempo, possibilidade de uma terceira via, que combine cosmos com thesis, ou taxis com nomos.

A inviabilidade dos sistemas intervencionistas brandos no longo prazo

O resultado da aplicação dos comandos do tipo thesis ao conceito de cosmos resultaria, em termos objetivos, na tentativa de se implantar uma ordem espontânea, caracterizada principalmente por uma economia de livre mercado, mas que fosse regida por comandos ou instruções do Estado. O resultado seria semelhante ao que alguns chamam de economia de mercado socialmente controlada e, outros, de liberalismo social. Além do fato dessas duas expressões serem redundantes, uma vez que toda economia de mercado e todo liberalismo são “socialmente controlados”, tal sistema, como é fácil perceber, apresenta um claro conflito interno, que o condena de antemão ao fracasso, uma vez que o funcionamento de uma economia de mercado tem como característica marcante a função empresarial, que se caracteriza essencialmente pela descoberta. Em um processo de mercado, que deve caracterizar uma economia livre e competitiva, a ética dos lucros empresariais é justificada pelo êxito de cada empresário, que, necessariamente, deve assumir todos os riscos inerentes ao processo de descoberta de oportunidades inexploradas: aquele que tiver êxito nesse processo satisfará melhor os desejos dos consumidores e receberá destes um prêmio, que se refletirá em lucros; aquele que falhar em atender à demanda dos consumidores, será punido com prejuízos.

O conflito se dá na medida em que o processo de mercado que caracteriza uma economia livre e competitiva deve necessariamente ser suportado por um aparato jurídico-institucional baseado em normas de conduta do tipo nomos, isto é, em regras de justo comportamento que sejam gerais, impessoais e prospectivas (common law), cujo objetivo maior seja a garantia dos direitos individuais, entre os quais o direito de cada empreendedor de participar competitivamente, em igualdade de condições com os demais, do processo de descoberta. Como o paradigma thesis expressa comandos e ordens dirigidas, pessoais, desiguais e inibidoras por definição da competição que caracteriza a economia de mercado, o conflito torna-se inevitável. Mais cedo ou mais tarde, se houver insistência na manutenção da ordem geral thesis-cosmos, o que se verificará será sua destruição, com a substituição de Cosmos por Taxis: com efeito, as normas jurídicas centralizadoras envenenarão a competição, interferirão no processo de mercado e comprometerão a liberdade econômica. Assim, um sistema thesis-cosmos convergirá, ao longo do tempo, para um sistema thesis-taxis, isto é, para o intervencionismo pleno ou totalitarismo. Conforme demonstrou sobejamente Hayek, ao interferir-se, mediante a aplicação de comandos específicos, em uma economia de mercado, cria-se desordem e agride-se a justiça. O resultado é que a economia de mercado deixa de ter os atributos que se exigem dela. Os consumidores deixam de dirigir o processo de alocação de recursos.

Por outro lado, a tentativa de aplicar às normas do tipo nomos o paradigma taxis resultaria objetivamente na implantação de uma economia socialmente controlada, mas que fosse regida por normas de justa conduta. Ou, em outras palavras, na tentativa de se impor a coexistência do liberalismo político com o intervencionismo econômico, o que corresponde, em suas linhas gerais, às propostas da denominada social democracia.

Tal sistema intermediário também é internamente contraditório, uma vez que o intervencionismo econômico que o caracteriza não tem condições de ser sustentado permanentemente por regras de justa conduta, porque o seu funcionamento exige comandos, o que levará paulatinamente a uma substituição compulsória daquelas por estes. Em outras palavras, um sistema social democrático do tipo nomos-taxis converge necessariamente para um sistema thesis-taxis, isto é, converge também para a supressão da liberdade política.

Para Mises, três razões explicam essa convergência (Ação Humana, IL, 1990, p. 846):

“Primeira: as medidas restritivas sempre diminuem a produção e a quantidade de bens disponível para consumo. Quaisquer que sejam os argumentos apresentados em favor de determinadas restrições ou proibições, tais medidas em si não podem jamais constituir um sistema social de produção.

Segunda: todas as variedades de interferência nos fenômenos de mercado não só deixam de alcançar os objetivos desejados como também provocam um estado de coisas que o próprio autor da intervenção, do ponto de vista do seu próprio julgamento de valor, considera pior do que pretendia alterar. Se, para corrigir os indesejados efeitos de uma intervenção, recorre-se a intervenções cada vez maiores, acaba-se destruindo a economia de mercado, substituindo-a pelo socialismo.

Terceira: o intervencionismo pretende confiscar o que uma parte da população tem de “excelente” e distribuí-lo a uma outra parte. Uma vez que esse excedente já tenha sido confiscado, torna-se impossível prosseguir com essa política”(8)

Existe, então, uma inconsistência lógica fatal nos dois sistemas híbridos que acabamos de comentar. Tal deficiência pode ser entendida de modo claro a partir da famosa demonstração, estabelecida por Mises em 1922 (Socialism), de que, no regime socialista de produção, é impossível realizar-se o cálculo econômico. As linhas gerais da demonstração são as seguintes: se a liberdade econômica (propriedade privada) é condição necessária para a existência da economia de mercado, se a economia de mercado é condição necessária para a formação de preços, se a formação de preços é condição necessária para o cálculo econômico, então, se não existe liberdade econômica, não se pode realizar o cálculo econômico, isto é, não é possível averiguar, entre os múltiplos métodos de produção colocados para opção, o que apresenta menores custos. Isto inviabiliza o sistema socialista enquanto sistema econômico, porque nesse sistema não há como existir preços, o que há são pseudo preços, que nada mais são do que números estabelecidos pelas autoridades planejadoras, sem qualquer significado econômico. Em outras palavras, como não existem preços econômicos, apenas e necessariamente “preços” políticos, o socialismo é um sistema que se guia às cegas.

Sob o ponto de vista estrito da lógica, a possibilidade de existência de um terceiro sistema, híbrido entre o liberalismo e o socialismo, dos tipos thesis-cosmos e nomos-taxis, como o social-liberalismo e a social democracia é facilmente refutável. Esquecendo a enorme impropriedade semântica dessas duas expressões, que ganharam tanta popularidade, a possibilidade de uma terceira via não existe, porque os problemas de organização econômica da sociedade não se apresentam em termos contrários, mas em termos contraditórios, conforme observou o filósofo argentino Gabriel Zanotti (Introducción a La Escuela Austríaca de Economia, CEL, Buenos Aires, 1981, pp 151-152).

Termos contrários admitem um termo intermediário: entre frio e quente, existe “morno”; entre fechado e aberto existe “semi-aberto”; entre branco e preto, existe “cinza”. Mas o princípio lógico da exclusão dos terceiros mostra que, quando os termos são contraditórios, não existe uma terceira possibilidade intermediária entre eles: por exemplo, entre chover e não chover, entre frio e não frio, entre economia de mercado e economia controlada. A formulação metafísica desse princípio é que a única possibilidade intermediária entre ser e não ser, entre dois termos contraditórios, é ser e não ser a um só tempo, o que viola o princípio de não contradição. Logo, não existe uma terceira opção entre economia de mercado e “economia de não mercado”. Como os sistemas intervencionistas diferem do socialismo em grau, mas não em essência, ou seja, a diferença entre ambos reside em graus diferentes de controle estatal sobre a economia, a disjuntiva, portanto, é: se o Estado controla a economia ou não a controla, se os consumidores dirigem o uso dos recursos ou não, se, enfim, existe economia de mercado ou não existe. Como escreveu enfaticamente Zanotti, “buscar terceiros sistemas é atentar contra a lógica”.

Conclusões

Talvez o ensinamento mais importante, sob o ponto de vista prático, que podemos tirar da teoria do conhecimento da Escola Austríaca de Economia seja o de que a pretensão do conhecimento e a arrogância que se manifestam sob todas as formas de intervenção do Estado na economia são equivocados, mas não têm limites no imaginário das pessoas (e no oportunismo dos políticos e ideólogos de esquerda).

Com efeito, os austríacos adotam uma postura humilde, quando comparada com as escolas de pensamento sociais influenciadas pelo positivismo, desde aquelas mais radicais, como o socialismo, até as mais brandas, como a social democracia. A humildade reside no fato empírico de que o nosso conjunto de informações, ou de conhecimentos, jamais pode ser considerado completo e que, além disso, cada agente possui um nível peculiar de conhecimento e o interpreta de maneira também peculiar, bem como dos fatos de que o conhecimento está sempre disperso, que muitas vezes parece estar escondido à espera de ser descoberto, que não é articulável e que tem natureza essencialmente subjetiva.

Não existe “sabedoria” por parte de um diretor de algum banco central que lhe permita decretar, por exemplo, que a taxa de juros necessária para manter a inflação anual dentro da faixa desejada, entre x% e y%, deve ser r0 e não r1. Aliás, não é possível ninguém saber por que deve caber ao Estado a tarefa de permitir que a taxa de inflação só possa variar, durante qualquer período de tempo, entre dois limites estabelecidos – sempre arbitrariamente, embora as aparências possam revesti-los como tendo sido determinados “tecnicamente”. Ou, caso a taxa de câmbio seja controlada pelo governo, quem, em sã consciência, a não ser movido pela atitude arrogante de um pretenso conhecimento “superior”, acredita que é “melhor” fixá-la num certo valor e não noutro? Ou, ainda, quem pode crer que os tecnocratas do governo têm condições de saber quais devem ser os preços de todos os bens e serviços em todos os mercados, que é a atitude embutida nas práticas dos controles e congelamentos de preços? Os austríacos mostram claramente que ninguém pode deter o conhecimento necessário para tais medidas e outras do arsenal intervencionista, que se transformaram em práticas utilizadas cada vez com maior intensidade em todo o mundo.

A economia do mundo real é formada por um conjunto de decisões tão complexas quanto imprevisíveis. São bilhões de agentes em todo o planeta tomando diariamente decisões, movidos por planos de natureza essencialmente subjetiva. Neste momento em que você, leitor, está lendo este parágrafo, quantos desses agentes não estarão pensando, por exemplo, em comprar ações, ou em vender seus automóveis, ou em fazer resgates de aplicações realizadas no passado, ou em deixar de criar galinhas para plantar tomates, ou em comprar abóboras amanhã bem cedo, ou em vender os dólares que possui daqui a três dias, apenas para exemplificarmos? A economia – a cataláctica ou cataláxia – é semelhante ao universo, em que há sempre forças em expansão e contração operando concomitantemente. Evidentemente, ninguém é capaz de conhecer com perfeição o presente e, portanto, de prever o futuro.

Se o conhecimento teórico – dos economistas e dos burocratas – fosse pleno, o socialismo teria alguma viabilidade econômica, porque a sabedoria técnica e a prática se confundiriam, mas, mesmo assim, não existiria liberdade para cada agente escolher as ações que subjetivamente pretende adotar e, portanto, não haveria campo para a função empresarial. Não haveria, assim, mercados e nem preços, na acepção verdadeira dessas palavras. E, sob o ponto de vista moral, a ausência de liberdade individual não se justifica sob qualquer hipótese. Por essas razões, o socialismo é um erro intelectual, um logro teórico, uma aberração moral e um embuste calcado em uma atitude arrogante, que é a pretensão do conhecimento.

Apenas o processo de mercado, movido pela ação humana de milhões e milhões de indivíduos e pela ação empresarial dos empreendedores, é capaz, no decorrer do tempo subjetivo e sempre sob condições de incerteza genuína, de promover a coordenação social e econômica e, portanto, o desenvolvimento econômico, cultural, político e tecnológico, ao mesmo tempo em que, sob leis gerais, prospectivas e baseadas em usos e costumes consagrados pela tradição, estimula virtudes e desencoraja vícios.

*(Extraído de meu livro Ação, Tempo e Conhecimento, IMB, 2012, cap.1)

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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