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Sociedade de desconfiança

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Qualquer um que já tenha entrado numa loja comercial e manuseado mercadorias expostas sem ser incomodado pelo gerente do estabelecimento sabe que isso só é possível porque existe algum nível de confiança entre os agentes. O dono da loja confia em que o consumidor não pegará um produto qualquer e sairá correndo. Desde pequenas transações, como a aquisição de uma peça de roupa, até a contratação de grandes negócios, tudo fica mais fácil e barato quando existe confiança entre as pessoas.


Todo ajuste econômico é estruturado em torno de acordos de vontade que visam a adquirir, resguardar, transferir ou conservar direitos de propriedade. Os contratos podem ser formais (expressos) ou informais, porém a expectativa subjacente é sempre o cumprimento do pactuado por ambas as partes, já que, caso contrário, a transação não teria nenhum sentido. Em sociedades onde a confiança não é regra, as relações perdem um dos seus mais importantes princípios subjetivos de referência, as interações de natureza econômica tornam-se complicadas e caras, tornando o meio ambiente inóspito à geração de riquezas e ao desenvolvimento.

Os bons economistas são quase unânimes em afirmar que instituições fortes, inequívocas e estáveis formam o arcabouço fundamental e necessário para a prosperidade econômica de uma sociedade. De acordo com Douglass North, “O desempenho econômico é função das instituições e de sua evolução. Juntamente com a tecnologia empregada, elas determinam os custos de transação e produção. As instituições constituem as regras do jogo numa sociedade; mais formalmente, representam os limites estabelecidos pelo homem para disciplinar as interações humanas. Um mercado eficiente é consequência de instituições que, em determinado momento, oferecem avaliação e execução contratuais de baixo custo“.

Além de onerar os negócios com um altíssimo custo indireto, também chamado pelos economistas de “custo de transação”, o clima de desconfiança geral provoca ainda a perda de inúmeras oportunidades e investimentos.  A disseminação da confiança explica, portanto, boa parte da diferença entre os países ricos e os países pobres.  Quanto mais houver confiança, mais comuns e baratos serão os negócios.
 
Segundo Alain Peyrefitte, “o elo social mais forte e mais fecundo é aquele que tem por base a confiança recíproca – entre um homem e uma mulher, entre os pais e seus filhos, entre o chefe e os homens que ele conduz, entre cidadãos de uma mesma pátria, entre o doente e seu médico, entre os alunos e o professor, entre um prestamista e um prestatário, entre o indivíduo empreendedor e seus comanditários – enquanto que, inversamente, a desconfiança esteriliza.
 
A sociedade de desconfiança“, prossegue Peyrefitte, “é uma sociedade temerosa, ganha-perde: uma sociedade na qual a vida em comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo (“se tu ganhas, eu perco”); sociedade propícia à luta de classes, ao mal-viver nacional e internacional, à inveja social, ao fechamento, à agressividade da vigilância mútua. A sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, ganha-ganha (“se tu ganhas, eu ganho”); sociedade de solidariedade, de projeto comum, de abertura, de intercâmbio, de comunicação.
 
Mas uma sociedade de confiança não nasce do nada.  As instituições (formais e informais) precisam incentivar os indivíduos a confiar uns nos outros. Nós todos estaremos mais propensos a confiar nos demais, por exemplo, se tivermos certeza de que, em caso de necessidade, basta chamar a polícia e ela agirá em nossa defesa, na defesa das nossas propriedades e no auxílio à execução de nossos contratos. Eis por que a segurança pública, a segurança jurídica e o Estado de Direito são tão importantes para a ordem social e a prosperidade de qualquer sociedade.

No Brasil, ao contrário das nações que desenvolveram sociedades avançadas, fundadas em padrões morais onde prevalece a verdade, muitas de nossas instituições foram estabelecidas em função da desconfiança, a começar por muitas de nossas leis.

Certa vez tentei explicar a um inglês o que vem a ser uma cópia autenticada em cartório e o porquê da sua exigência ser tão disseminada no país.  Parecia uma conversa de surdos.  Meu interlocutor não entendia que as pessoas pudessem desconfiar da autenticidade de um documento antes mesmo que este lhes fosse apresentado. Sequer lhe passava pela cabeça que a palavra do portador ou responsável não bastasse.  Já imaginaram se eu precisasse explicar o famigerado atestado de residência?

Como no Brasil a verdade deve ser sempre provada e comprovada, ela passou a ser vista como exceção, não como regra.   Por outro lado, a mentira é aceita como um hábito, uma tradição incorporada ao dia-a-dia.  O comportamento de alguns jogadores brasileiros durante a última Copa do Mundo, procurando insistentemente enganar os juízes, “cavando” pênaltis e faltas, ilustra muito bem esse ponto.  Ao contrário dos atletas alemães, por exemplo, que não apenas não usam esse tipo de estratégia como se mostram extremamente contrariados quando os adversários o fazem, nossos jogadores consideram tal comportamento perfeitamente legítimo. A torcida, por sua vez, costuma aplaudir entusiasticamente toda vez que a malandragem funciona.

Aristóteles já dizia que as virtudes não são plantadas em nós pela natureza, mas são produto do hábito.  O comportamento humano, por seu turno, é influenciado por estímulos produzidos pelos ambientes natural e social.  Assim, se o meio é propício à desconfiança, se o engodo é incentivado, às vezes pela própria legislação formal, se não criamos os incentivos necessárias para que a confiança seja regra e não exceção, estaremos eternamente fadados ao fracasso econômico e social.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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