Sobre o Evangelii Gaudium
BERNARDO SANTORO*
Vários jornais divulgaram ontem a publicação da nova encíclica papal, a “Evangelii Gaudium”. No que tange à questão econômica, V. Santidade parece ter sido particularmente crítico à economia capitalista, o que levou vários colunistas do mundo liberal a se insurgirem, ainda que com educação, contra a manifestação papal, e vou me juntar a eles.
Na encíclica, o Papa fala em “uma nova tirania invisível da economia sem rosto” a mentalidade que coloca o dinheiro acima do ser humano. Embora eu entenda que a Igreja não seja um think tank liberal, e que portanto cabe ao Papa criticar o que ele acha moralmente errado, é difícil não deixar de entender tais manifestações como sendo, no mínimo, equivocadas.
Que, do ponto de vista da moral cristã, vivemos em uma sociedade individualista e egoísta, e portanto reprovável nessa ótica, isso é uma verdade inconteste. Mas daí a apontar o mercado como culpado vai uma distância gigantesca. O mercado é só um processo de trocas voluntárias entre seres humanos livres a partir do método de tentativa e erro. Na verdade o mercado vem para interferir positivamente onde a Igreja falha em educar. Se todos os seres humanos fossem solidários, não haveria necessidade de mercado e todos viveriam em harmonia.
Só que a maioria das pessoas, e por incompetência das religiões, já que as religiões se propõem instaurar moralidade nas pessoas, são egoístas, e o mercado foi a melhor solução encontrada para reverter o egoísmo do indivíduo em prol da sociedade. Para que um egoísta possa satisfazer seus desejos no mercado, ele precisa antes prover bens e serviços para seus semelhantes, e então poder lucrar com isso. Ou seja, o sistema capitalista obriga, de maneira irresistível, o egoísta a cooperar e negociar com o próximo.
O Papa ainda ataca o consumismo, mas foi justamente a sociedade de consumo que possibilitou a inclusão dos outrora economicamente excluídos. Não custa lembrar que as antigas fábricas inglesas destinava seus produtos ao mercado consumidor pobre, e ainda hoje a maioria das grandes empresas vendem produtos em massa para toda a população, ganhando na quantidade. E pensar que o consumo excessivo leva ao não consumo de outro é um equívoco, pois a economia não é um jogo de soma-zero. Para alguém consumir, outro prestou um serviço, logo, houve um ganho mútuo nessa cadeira. Crítica ao consumismo só faz sentido no sistema estatal de distribuição, de soma-zero, onde para alguém ganhar, outro tem que perder (via tributos). O consumismo só é danoso à sociedade via roubo privado ou tributação.
A verdade é que, quanto mais livre o mercado, mais o egoísta tem que satisfazer as necessidades das pessoas para lucrar. Quanto menos livre o mercado, mais fácil é para o egoísta lucrar fazendo negociatas com o governo.
Com isso, somente os despossuídos e os inaptos ficam à merce do solidarismo. Quanto menos gente à merce do solidarismo, mais as pessoas solidárias poderão otimizar seus recursos para ajudar os outros de maneira concentrada. O mercado reduz a miséria através dos egoístas e cria instrumentos para que os altruístas possam ajudar os despossuídos.
Por fim, não custa lembrar que a moral cristã defende a vida, a família e a propriedade privada, pois sem propriedade não há como o cristão exercer a solidariedade, entregando de bom coração o que é seu ao próximo necessitado.
Essa encíclica, pelo menos nessa parte, ficou devendo maiores esclarecimentos.
*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL