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Série “Espiritualidade e Pensamento Liberal” – Davi Caldas (Igreja Adventista do Sétimo Dia)

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(Esta entrevista faz parte da série “Espiritualidade e Pensamento Liberal”. Para entender a proposta da série, leia o texto de apresentação no seguinte link: “Série Espiritualidade e Pensamento Liberal” – Apresentação)

Davi Caldas tem 21 anos e é estudante de Jornalismo. Seus maiores hobbies são a leitura e a escrita. Escreve sobre política e religião. Mantém o blog “Mundo Analista”, colabora com o site “Direitas Já!” e é autor do livro “Supostamente Cruel”.

davi caldas

Quero começar com uma pequena conceituação da sua crença religiosa. Como você a definiria?

Faço parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia. O nome é formado por duas expressões-chave: adventista e sétimo dia. A primeira se refere ao chamado “advento de Cristo”, que é a sua volta à Terra para findar com todo o mal e salvar os que nele creram. Sétimo dia refere-se ao sétimo dia da semana, o Sábado, que é considerado dia especial de descanso e adoração pela Bíblia. Assim, um adventista do sétimo dia é basicamente alguém que acredita no breve retorno de Jesus à Terra, visível e literal, e que cumpre o mandamento de santificar o sábado.

No desenvolvimento histórico, nos textos sagrados e, principalmente, nos teólogos ligados especificamente à sua igreja, há algo que seja explicitamente político, ou que tenha implicações políticas objetivas?

Historicamente, a Igreja Adventista nunca foi militante política. A postura combativa na área política, como vemos hoje em líderes religiosos como Silas Malafaia (só para citar um exemplo atual e do nosso contexto brasileiro), é algo que não encontramos nos grandes líderes e teólogos adventistas. O que se pode citar de implicações políticas em suas crenças é justamente a sua forte defesa da liberdade religiosa, da liberdade de expressão e da separação entre Estado civil e religião. Fundada oficialmente nos EUA, em 1863 (embora já viesse se desenvolvendo há pelo menos duas décadas), a Igreja Adventista diferiu desde o princípio das igrejas históricas da Europa por discordar da ideia de um Estado que tivesse uma religião oficial. Possivelmente o próprio espírito americano de democracia tenha influenciado os primeiros adventistas a verem as coisas desse modo. O adventista entende que sempre foi plano de Deus individualizar aos poucos a crença em Deus, no sentido de torná-la mais uma relação pessoal e menos uma questão de Estado. Afinal de contas, Deus nos deu o livre-arbítrio, de modo que não devemos ser impelidos pelo Estado a aceitá-lo.

Imagino, então, que sua crença tenha influência direta nas suas próprias posições. Em que medida sua convicção adventista está ligada às suas ideias políticas, em dimensão pessoal? O que veio primeiro – se é que houve ordem?

Todas as minhas crenças estão, de alguma maneira, interligadas. Não é que elas não poderiam subsistir por si sós, mas elas se ligam porque são verdadeiras. E a verdade se complementa. No meu caso, eu já era cristão antes de me tornar um cristão adventista. Do Cristianismo, aprendi a ser extremamente cético em relação ao ser humano e a qualquer projeto humano de mundo perfeito. A conversão para o Adventismo me ajudou, primeiramente, no sentido de estudar mais a Bíblia, já que esta igreja preza pelo extenso estudo das Escrituras Sagradas, a fim de descobrir e/ou comprovar as crenças verdadeiras. Isso gerou em mim mais convicção no que eu já cria e um senso maior de investigação. Foi a partir daí que passei a me interessar pela chamada “apologética cristã”, que estuda a fé de maneira racional. Consequentemente, meus estudos me levaram a questionar os movimentos de esquerda, que se baseiam todos em uma confiança irracional no ser humano e uma tendência de acusar fatores externos ao próprio homem (como a religião, a classe burguesa e etc.) de serem o inimigo da humanidade.

Em um segundo plano, o Adventismo firmou minha convicção de que Jesus Cristo na verdade foi o primeiro a estabelecer um pensamento laico. O tipo de religião em que ele queria transformar o Judaísmo era uma religião individual. Desconectada do Estado. Em suma, devo em grande parte ao Adventismo o espírito analista e o ímpeto de estudar que me levaram a questionar a esquerda, e a convicção de que Cristo quis desvincular religião de Estado.

Dentro das suas possibilidades de percepção, você acredita que o movimento adventista brasileiro, em geral, pensa da mesma forma? Por outra, como é, politicamente, grosso modo, o pensamento dos membros da comunidade adventista no país?

Acredito que pensam da mesma forma, sim. O adventista, em geral, não tem muitas ambições dentro da política, e os adventistas mais envolvidos em debates políticos, como eu, o fazem sem um vínculo com a instituição. Em outras palavras, o adventista, em geral, sabe separar sua vida religiosa de sua vida cidadã.

Você traçou um retrato dos grandes teólogos adventistas e de como não se portaram com uma militância política intensa, preferindo defender apenas bandeiras como liberdade religiosa e liberdade de expressão (que, diga-se de passagem, são bandeiras políticas, e muito boas). Haveria algum ou alguns em especial que você gostaria de citar, com textos ou produção intelectual/teológica nesse sentido, que talvez seja interessante indicar aos nossos leitores do Instituto Liberal que queiram saber mais?

Posso deixar alguns autores que já li comentando sobre o assunto, como Marvin Moore, George Knight e o atual presidente mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Ted Wilson. Este último discursou em abril de 2012 sobre excessos seculares e religiosos que têm ferido a liberdade de expressão e religião ao redor do mundo. A posição adventista fica bem clara nesse discurso, em que ele diz coisas como “as tensões entre os ‘valores cristãos’ e os da cultura secular são uma parte inevitável de uma sociedade livre”. (O discurso completo está no link: http://news.adventist.org/pt/todas-as-noticias/noticias/go/2012-04-26/presidente-adventista-discute-choque-entre-o-secularismo-e-a-crenca-religiosa/)

Por fim, economia. Você já tangenciou democracia, que estaria no espírito americano em que o Adventismo se consolidou; liberdade religiosa, expressão, etc. Faltou falar de mercado, livre iniciativa, capitalismo, propriedade privada, lucro. Há alguma interpretação religiosa sobre o assunto que possa ser introduzida aqui?

Até onde eu conheço da literatura adventista, a instituição não endossa nenhum sistema econômico específico. Embora o assunto não seja muito mencionado, há uma mentalidade de moderação a respeito. O comunismo tende a ser rechaçado. Muitos adventistas mantém negócios. A riqueza não é vista como algo ruim, desde que o indivíduo não se deixe dominar pelo dinheiro. No Brasil, há um riquíssimo empresário adventista chamado Milton Afonso. Ele fundou a Golden Cross. Hoje tem pouco mais de 90 anos e passou toda a vida oferecendo bolsas de estudos para literalmente milhares de estudantes dos níveis fundamental, médio e superior. Trabalho em uma instituição de ensino em que onze crianças são auxiliadas por ele. Em suma, o adventista entende que riqueza material não é a coisa mais importante do mundo, mas pode ser buscada e, no caso de alguém consegui-la, entende-se que a mesma deve auxiliar as pessoas. E é de comum entendimento que, ao fazer isso, de coração aberto, Deus tende a aumentar essa fortuna, como foi no caso de Milton Afonso. Além disso, é importante ressaltar que a Igreja Adventista mantém hoje uma vasta rede de instituições por todo o mundo; são hospitais, escolas de nível fundamental e médio, universidades, centros de pesquisa, revistas, jornais, gravadoras, editoras e até empresas alimentícias.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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