fbpx

“Sobre a Brevidade da Vida – Sobre a Firmeza do Sábio”, de Sêneca

Print Friendly, PDF & Email

Muitos filósofos se dedicaram ao estudo do tempo, que, apesar de intangível, traz uma noção da finitude da vida, quando consideramos nossa existência corpórea, e, por mais paradoxal que pareça, a noção da infinitude da vida, para os que acreditam na existência da alma e que há outra vida após a morte do corpo. De qualquer forma, esse elemento, sobre o qual não temos nenhum controle (a velocidade da vida), é fonte de inquietação em diversos momentos de nossas existências. Poucas obras retratam com perfeição essa inquietação como a obra Sobre a brevidade da vida, de Sêneca. Sob a forma de cartas endereçadas a pessoas de sua afeição, ele reflete não só sobre o bom e o mau uso do tempo, tema da primeira parte do livro – “Sobre a Brevidade da Vida” –, mas também sobre as razões por que a passagem do tempo afeta de forma tão diferente as pessoas, trazendo paz, sabedoria e serenidade para os que foram sábios para extrair o máximo que podiam de sua existência terrena, ou aflições, angústia e remorso, para os que o desperdiçaram, o que é tratado na segunda parte do livro – “Sobre a Firmeza do Sábio”.

Na primeira parte da obra – “Sobre a Brevidade da Vida” –, em carta endereçada a Pompeio Paulino, que, de acordo com fontes históricas, seria sogro de Sêneca, o autor tece considerações acerca da queixa de muitas pessoas, injusta em sua opinião, , acerca da pequena quantidade de tempo com a qual foram agraciadas durante a sua existência. Logo no primeiro capítulo, Sêneca adverte, fazendo referência a Aristóteles:

“Daí também o questionamento de Aristóteles, nada conveniente para um homem sábio, quando protesta contra a natureza pelo fato de ela ter concedido aos animais uma vida tão longa que eles podem durar cinco ou dez gerações, e ao homem, criado para tantas e importantes realizações, ter estabelecido um limite tão inferior. Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou. É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos. Tal como amplos e magníficos recursos, quando vêm para um mau detentor, são dissipados num instante, ao passo que, por mais modestos que sejam, se entregues a um bom guardião, crescem pelo uso que se faz deles, assim também a nossa existência é bastante extensa para quem dela bem dispõe. “

Ao longo de toda a primeira parte, Sêneca cita diversos exemplos de mau uso e desperdício de tempo, não só em vícios mundanos (jogos, bebida, prostituição, adultério, bajulação, ostentação), que vitimizam todas as classes sociais da sociedade romana do século I, mas também em empreendimentos considerados nobres e levados a cabo por pessoas virtuosas, mas que, em virtude da ganância excessiva e vaidade, acabavam transformando seus executores em escravos: na tentativa de angariar posses e recursos para desfrutar de uma vida tranquila num eventual futuro sobre o qual não há qualquer garantia, no qual imaginavam poder se dedicar ao estudo das coisas realmente importantes, acabavam comprometendo e negligenciando a única e ínfima parcela de tempo sobre a qual realmente temos algum controle: o presente. Exemplifica também o desperdício de tempo dos interesseiros e fuxiqueiros, que dispendiam seu tempo tentando agradar e adular os poderosos, na vã esperança de conquistarem para si benefícios e privilégios, aqueles que hoje em dia atendem pela alcunha de “alpinistas sociais”, ou simplesmente “puxa-sacos”. Pouco tempo, ou quase nenhum, era reservado para a introspecção sobre as ações tomadas no dia que passou ou a se tomar no dia seguinte. Menos ainda era utilizado para revisitar o passado e aplicar as experiências vividas às questões do presente ou do futuro imediato.

Sêneca termina recomendando a Paulino que, após toda uma vida dedicada ao interesse público e tendo cumprido suas obrigações para com a república romana, retire-se para um lugar mais tranquilo onde possa se dedicar aos assuntos mais elevados, pacificar sua alma e realmente viver, em vez de sobreviver ao transcurso do tempo.

Na segunda parte da obra – “Sobre a Firmeza do Sábio” –, em carta endereçada a Lúcio Aneu Sereno, o autor discorre sobre as características que diferenciam os sábios das pessoas comuns, e por que eles não se deixam abater frente às vicissitudes da vida, muito menos frente às injustiças, injúrias, difamações e afrontas a eles dirigidas. Basicamente, os sábios, após muito estudo e reflexão, conseguem atingir planos superiores, direcionando seus pensamentos e esforços para a conquista do único bem que nenhum tirano, nem os revezes da “fortuna”, podem tirar: o conhecimento. Quanto mais conhecimento o sábio adquire, mais altos patamares ele atinge e, como o conhecimento liberta, mais livre ele se torna.

Desse modo, o sábio, aquele que sabe extrair o máximo do tempo que tem à disposição, apresenta as seguintes características: autonomia, magnanimidade de espírito, fortaleza interior, resiliência, vida regrada e austera, rigidez moral e de caráter. Move-se pela vida e pelo mundo sem dar demasiada atenção ao juízo que dele fazem tanto os poderosos como os simplórios. Não se deixa iludir com os aplausos nem se deixa abater com as críticas alheias. Outro ponto marcante de sua trajetória é o desapego aos bens materiais, o que lhe garante independência e liberdade para agir de acordo com seus valores, pois, se seus inimigos tomarem seus bens e propriedades como retaliação, mesmo assim não será constrangido a fazer ou deixar de fazer algo em desacordo com sua consciência.

O fato de ter sido escrita há dois mil anos reforça o caráter atemporal das questões e ensinamentos contidos nesta obra. Afinal, quando analisamos a nossa realidade atual de um mundo digital, o que vemos é uma multidão de pessoas que passam boa parte de seus dias preocupadas em atualizar seus perfis nas redes sociais e bisbilhotar os perfis alheios. A peregrinação diária obrigatória pelas casas dos poderosos na sociedade romana foi agora substituída pela peregrinação aos perfis alheios, seja para autopromoção ou para bajulação, com a desvantagem de que, naquela época, aqueles que se dispunham a isso pelo menos tinham como perceber a real e verdadeira reação dos receptores aos seus cumprimentos, saudações ou bajulações. No mundo virtual, não se sabe se o like recebido foi autêntico ou apenas formalidade.

Há sempre mais e mais formas para que o indivíduo desperdice seu tempo e se afaste do convívio consigo mesmo e com aqueles que lhes são, ou deveriam ser, próximos, como os familiares e amigos. Poucos utilizam as ferramentas disponíveis para a aquisição de conhecimento e cultura, para o seu engrandecimento individual, sendo que a grande maioria dos internautas é mera receptora de conteúdo, sem se preocupar em filtrar ou analisar as informações que consome. Tornam-se, portanto, presas fáceis para os “influenciadores digitais” ou manipuladores de plantão. Num mundo em que é preciso manter as aparências, em que voluntariamente as pessoas abrem mão de sua privacidade, quase não há mais espaço para a autenticidade, favorecendo o avanço da ditadura do politicamente correto.

Quando a isso se mistura uma visão cada vez mais individualista, hedonista e materialista de mundo, tão mais distante se torna o grosso da população, o populacho, dos sábios – e, com isso, se vai perdendo a firmeza individual, tão desejável como necessária, em detrimento de uma flexibilidade em que convicções e valores são relativizados em função da ocasião. Como a sociedade é caracterizada pela soma dos indivíduos que nela vivem, não por outra razão vemos o mundo, ou pelo menos sua porção ocidental, assolado por uma falta de disposição em preservar direitos até então tidos como caros aos indivíduos, tais como o direito às liberdades (de pensamento, de expressão, econômica), à vida e à propriedade. Tal qual na época em que viveu Sêneca, as pessoas estão mais preocupadas em garantir o seu futuro, de ocorrência incerta, para só depois se dedicarem à aquisição de cultura e conhecimento, ou, em outras palavras, tornarem-se inteligentes e cultas.

A respeito disso, no artigo Pela Restauração Intelectual do Brasil (disponível em https://olavodecarvalho.org/pela-restauracao-intelectual-do-brasil/), o professor Olavo de Carvalho alerta que “nenhum ser humano ou país está mais louco do que aquele que acredita poder resolver todos os seus problemas primeiro para tornar-se inteligente depois. A inteligência não é o adorno do vitorioso, é o caminho da vitória. Não é a cereja do bolo, é a fórmula do bolo.”

Enfim, é uma obra primordial para a formação de quem acredita que vale a pena lutar pela defesa da tríade liberal: direito à liberdade, à defesa da vida e da propriedade privada. Façamos bom uso do tempo que nos foi conferido e tornemo-nos mais inteligentes. A preservação dos valores ocidentais precisa e merece o nosso esforço. A leitura desta obra já é um bom começo.

*Lucio Meira de Mesquita é engenheiro mecânico, servidor público federal e membro do IFL – BSB. 

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal trabalha para promover a pesquisa, a produção e a divulgação de ideias, teorias e conceitos sobre as vantagens de uma sociedade baseada: no Estado de direito, no plano jurídico; na democracia representativa, no plano político; na economia de mercado, no plano econômico; na descentralização do poder, no plano administrativo.

Pular para o conteúdo