Resenha do livro “A Ciência da Política – Uma Introdução” de Adriano Gianturco

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O livro A ciência da política, de Adriano Gianturco, é um guia introdutório e prático para navegar nos conceitos, teorias, abordagens e escolas da Ciência Política. Como um curador das principais contribuições da literatura mundial, ele reúne temas que vão desde as explicações sobre as escolas econômicas até os fundamentos da política, organização do Estado e relações internacionais. 

Para além do conteúdo do livro em si, é importante ressaltar o grande desafio de resenhar um conteúdo de mais de 500 páginas sobre dezenas de assuntos distintos. Apesar dessa densidade, o livro é de rápida leitura, trazendo uma linguagem simples e acessível, além de uma organicidade e estruturação em quatro seções de fácil compreensão. 

A primeira parte do livro aborda a metodologia, com o autor desenvolvendo quatro capítulos basilares para compreender o resto da obra: a Escola Elitista, a Teoria dos Jogos, a Teoria da Escolha Pública e a Escola Austríaca. A leitura desperta curiosidade ao possibilitar ao leitor fazer conexões dos aspectos teóricos com a vida real, especialmente nas experiências recentes do Brasil. Esse foi meu caso ao ler sobre os benefícios concentrados e custos difusos. Tal abordagem é uma demonstração de como as decisões políticas e econômicas podem favorecer pequenos grupos com interesses específicos, enquanto distribui seus custos entre uma grande parte da população de maneira menos perceptível. 

No cotidiano da política brasileira, é relativamente fácil enxergar pequenos grupos se organizando para fazer lobby em favor de subsídios, tarifas protecionistas ou regulações específicas cujos custos são distribuídos em forma de taxas e impostos para consumidores e contribuintes, os quais arcam com uma parte pequena do custo total. Essa distribuição diminui a probabilidade de esses indivíduos se organizarem para se oporem à política, já que o custo individual é relativamente baixo e menos perceptível, apesar de serem significativos no total. 

Abundam exemplos no Brasil: basta se lembrar dos subsídios dados, pelo BNDES, a empresas como JBS, Odebrecht, Oi e OGX, o que ficou conhecido por alguns como “Bolsa Empresário” ou “Política dos Campeões Nacionais”. Políticas públicas como essas, que produzem benefícios concentrados, acabam contribuindo para manter empresas ineficientes, aumentar a corrupção e gerar prejuízos para o cidadão comum. 

Na segunda parte do livro, Gianturco explora os fundamentos e o desenvolvimento da política, tratando de temas como poder e política, formação do Estado, guerras, democracia e autocracia. Um trecho da obra do escritor alemão Oppenheimer, citado por Gianturco, ilustra o surgimento do Estado e traz clareza sobre o seu papel: 

“O Estado é, inteiramente quanto à sua origem e quase inteiramente quanto à sua natureza durante os primeiros estágios de existência, uma organização social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido, organização cujo único objetivo é regular a dominação do primeiro sobre o segundo, defendendo sua autoridade contra as revoltas internas e os ataques externos.”

Dessa ideia original, pode-se extrair todo o restante do segundo capítulo, como o surgimento do comando e liderança política, do governo, do aparato burocrático, além de respostas como a desobediência civil e o terrorismo, as revoltas e guerras. 

Outro trecho que chama atenção no segundo capítulo é a citação dos questionamentos de pesquisadores como Acemoglu, Johnson, Robinson e Yared de que a democracia é essencial para o desenvolvimento econômico de um país. Segundo Gianturco, as análises apontam que não há uma relação direta entre ser um país democrático e ser rico. Isso sugere que cada país tem suas próprias características que influenciam tanto seu sistema político quanto seu desenvolvimento econômico. 

Um exemplo disso é o crescimento de Singapura, a partir de 1969, sob a liderança de Lee Kuan Yew. Essa nação não era considerada uma democracia no sentido tradicional e ainda é administrada por um sistema de partido dominante. Porém, essa característica fica em segundo plano frente à pujança econômica dessa cidade-estado sem recursos naturais, mas com uma das economias mais prósperas do mundo. Isso exemplifica que não é necessariamente a estrutura política que define o sucesso econômico de um país, e vice-versa. Os motivos pelos quais algumas sociedades escolhem um caminho e outras, outro, podem variar e não são totalmente compreendidos, como aponta Gianturco. 

Na terceira parte do livro, o autor examina o tecnicismo da política. Em seus capítulos, o autor trata de questões relacionadas a governos, divisão dos poderes, partidos políticos, sistemas partidários, eleitorais, tipos de representação e democracia. No capítulo em que trata de ideologia, o autor apresenta uma curiosidade sobre o uso do termo “liberal” no mundo. Historicamente, o conceito tem sido vinculado ao liberalismo clássico. 

Entretanto, esse não é o caso nos Estados Unidos. Em 1932, o então presidente Roosevelt atribuiu o termo liberal aos grupos da esquerda social-democrata no país. Desde então, os membros do Partido Democrata, incluindo sociais-democratas e progressistas, mesmo sem defender a liberdade econômica, têm sido comumente chamados de liberais. Por outro lado, os verdadeiros liberais clássicos nos Estados Unidos têm sido mais comumente conhecidos como “libertários”. Embora adotando um termo ligeiramente diferente, as filosofias, os princípios e as propostas permanecem fieis ao liberalismo clássico.

Por fim, na última parte do livro, Gianturco trata sobre resultados e temas da política, dentre eles os impostos, a regulamentação, os bens públicos, a análise de políticas públicas, o território, o federalismo e as relações internacionais. Dentre todas as quatro partes do texto, essa é a mais atual e a mais prática, discutindo assuntos relativamente presentes no dia a dia da política brasileira como gasto estatal, corrupção, pobreza e protecionismo. 

Gianturco descreve a origem dos impostos, traçando uma linha desde as sociedades antigas até o Estado moderno, mostrando como os impostos evoluíram de extorsões simples para sistemas complexos e sofisticados, visando arrecadar receitas, financiar bens públicos e, em uma externalidade negativa, fortalecer o poder e a força de quem os cria: E faz uma reflexão: 

“Burocratas e políticos não pagam impostos; eles são remunerados por meio dos impostos. Se os impostos fossem abolidos ou reduzidos amanhã, os funcionários do setor público ganhariam mais ou menos do que antes? E quanto aos trabalhadores do setor privado? A quem os funcionários públicos e os políticos deveriam pagar impostos?” 

O capítulo sobre impostos expõe um cenário de fundamental compreensão para o Brasil, uma análise crítica de como a redistribuição de renda é frequentemente ineficaz e injusta no caso do nosso país. Enquanto houver um sistema tributário regressivo, em que os ricos pagam, proporcionalmente, menos impostos que os pobres, não há saída para a redistribuição de renda e redução das desigualdades, visto que cada unidade de moeda arrecadada estará sendo retirada do bolso daqueles que mais precisam. Portanto, colocar em prática a redistribuição de renda, que muitos políticos defendem, só será possível se esses mesmos políticos passarem a defender reformas tributárias ao invés de criarem mais impostos para, supostamente, financiar mais programas estatais. Tal qual tem sido feito há décadas, produz resultados opostos, ou seja, a exacerbação das desigualdades, ao invés de sua mitigação, exatamente como se vê nos dados históricos do Índice de Gini para o país. 

Outro capítulo que traz relação com o histórico brasileiro é o que trata sobre regulamentação. O autor critica a falta de eficácia das regulamentações e relaciona com o livro O que se vê e o que não se vê, de Frederic Bastiat, argumentando que o aumento da regulamentação é incoerente e produz externalidades negativas, aumentando os custos para os empresários e consumidores, enquanto limita a inovação e a eficiência. Em outras palavras, Gianturco argumenta que a regulamentação, apesar de frequentemente ser justificada como uma proteção ao consumidor ou um meio de corrigir falhas de mercado, muitas vezes falha em atender a esses objetivos e, ao contrário, gera uma série de consequências negativas e não intencionadas. 

O autor discute o crescimento substancial das regulamentações, especialmente nas últimas décadas, destacando como elas se tornaram mais detalhadas e onipresentes. Para além de suas consequências, Gianturco pondera que a criação de novas normas nem sempre é baseada em necessidades ou interesses públicos legítimos, mas acaba sendo resultado de pressões políticas e interesses particulares. É o que prega, por exemplo, a Teoria da Captura, criada por George Stigler, ligado à Escola de Chicago. De acordo com a lógica da teoria, grupos de interesse controlam os políticos, que, por sua vez, controlam os burocratas, que executam as políticas postas. 

Outra teoria que se aplica ao contexto recente no Brasil é a “Bootleggers and Baptists”, que ilustra como grupos com motivações aparentemente opostas podem colaborar para promover regulamentações que beneficiam ambos. Recentemente, a população brasileira tem acompanhado o debate acerca da taxação de compras internacionais abaixo de $50 dólares. O que já era esperado era ver o interesse de grupos de esquerda, especialmente o grupo no poder, defender tais taxações para aumentar a arrecadação do Estado. Por outro lado, esperava-se que os grupos mais conservadores da sociedade fossem contra, pois mais taxação significa produtos mais caros. Entretanto, grupos de empresários, especialmente do varejo, encontraram em seus representantes políticos conservadores apoio para defender mais taxação. O empresário Luciano Hang foi um que veio a público para fortalecer a taxação, além do senador Jorge Seif, do PL de Santa Catarina. 

Gianturco conclui o capítulo questionando a eficácia da regulamentação como uma ferramenta de política pública, sugerindo que muitas vezes as regulamentações não apenas falham em corrigir os problemas que visam a solucionar, mas também criam novos problemas por meio de suas intervenções mal planejadas e executadas. Ele apela para uma revisão crítica e uma abordagem mais informada e restrita à regulamentação, advogando por soluções que considerem as complexidades dos sistemas econômicos e sociais. 

Em suma, o livro A Ciência da Política – Uma Introdução oferece uma visão abrangente sobre diversos temas que fazem parte da realidade política e social contemporâneas. Através de uma exploração que mistura o conhecimento acadêmico com o pragmatismo do cotidiano, Adriano Gianturco percorre desde a origem dos estados até as complexidades das políticas migratórias, facilitando o conhecimento com linguagem acessível e desafiando o leitor a questionar as convenções estabelecidas e os impactos invisíveis das decisões políticas e econômicas. É um livro que serve como consulta para embasar discussões e reflexões que surgem a todo momento na sociedade brasileira e mundial.

*Gustavo Garcia Vieira de Almeida é associado II do IFL-BH.

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