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Por que você deveria ler “Justiça: o que é fazer a coisa certa?”

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Michael Sandel, autor do livro, é filósofo e professor da faculdade de Ciência e Artes de Harvard desde 1981. Há mais de duas décadas, ele oferece um curso chamado Justiça, do qual mais de 15.000 (quinze mil) alunos já participaram e que discute, com base no método socrático de ensino (pautado em argumentação cooperativa e diálogo entre professor e alunos), como as pessoas se comportam em situações de conflito, considerando os conceitos de ética e justiça.

O curso é um dos mais frequentados da história de Harvard e, em razão deste sucesso, em 2005, o curso começou a ser gravado e disponibilizado também na versão online, culminando no lançamento do livro em 2008.

O livro é dividido em dez capítulos que sempre abordam algum dilema moral, real ou hipotético, que coloca o leitor a refletir sobre “o que é fazer a coisa certa”. Essa metodologia se baseia na reflexão de teorias filosóficas de pensadores como Aristóteles, Jeremy Bentham, Immanuel Kant e John Rawls, com a finalidade de ponderar sobre possíveis soluções para conflitos que angustiam a natureza humana e a vida em sociedade.

O primeiro capítulo do livro traz o famoso caso do bonde desgovernado, que está indo em direção a um grupo de cinco operários que estão trabalhando nos trilhos. O leitor é convidado a se colocar no lugar do maquinista, que só possui duas opções: realizar um desvio para uma pista auxiliar na qual apenas um operário trabalha na manutenção dos trilhos e se chocar com ele ou seguir o curso normal do bonde e se chocar com os cinco operários. Neste cenário, seria certo desviar o trem e acabar com a vida de um operário sob a justificativa de salvar a vida dos outros cinco? O que vale mais, uma ou cinco vidas?

Logo em sequência, o autor apresenta um segundo cenário. O leitor agora é um observador que está em uma ponte, acima dos trilhos do mesmo bonde desgovernado. Próximo à beira da ponte, está apoiado um homem corpulento. Neste caso, o leitor tem duas outras opções: empurrar o homem corpulento sob os trilhos, freando o bonde e evitando a morte de cinco operários ou não fazer nada e assistir o bonde se chocar contra os cinco operários. Novamente surge a questão: o que vale mais, uma vida ou cinco vidas?

É a partir de dilemas morais como este que Sandel conduz a narrativa da obra, colocando os leitores em posição de desconforto para refletir e discutir sobre justiça sob três diferentes óticas: (1) aumentar o bem-estar; (2) respeitar a liberdade e (3) promover a virtude. Estas abordagens buscam responder ao seguinte questionamento: deveria uma sociedade justa promover a virtude de seus cidadãos por meio da lei ou ser neutra e permitir que eles busquem a melhor forma de viver?

A diferença entre virtude e liberdade é justamente o que diferencia a filosofia política antiga e a moderna. Para os pensadores antigos, como Aristóteles, uma sociedade justa é aquela que promove a virtude, enquanto, para os pensadores modernos, como Kant, a justiça está relacionada à liberdade.

O capítulo dois da obra é intitulado “O Princípio da Máxima Felicidade / O Utilitarismo” e discute a ideia de justiça como maximização do bem-estar da sociedade, visão essa que se baseia na doutrina utilitarista, exposta por Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Sob a ótica utilitarista, importa apenas o resultado das ações, de modo que tudo aquilo que produz prazer e felicidade para um maior número de pessoas é justificável, ainda que leve dor e sofrimento a outras. A coisa certa a se fazer é sempre aquela que maximize a utilidade do ato. Nesse sentido, para os utilitaristas, seria certo, por exemplo, empurrar o homem corpulento da ponte.

Por motivos assim é que o utilitarismo sofre fortes críticas, como a de que a doutrina não respeita os direitos individuais e de que reduz questões graves e complexas a uma única régua moral.

Por conseguinte, a perspectiva de justiça como respeito à liberdade é abordada no Capítulo 3, “Somos donos de nós mesmos? / A ideologia libertária”. O livro define a doutrina libertária como aquela que defende que as pessoas devem ter o direito de fazer suas escolhas de forma livre, permitindo a outras pessoas que façam o mesmo. Com base nessa premissa, muitas políticas de Estado são questionadas, como o assistencialismo e a distribuição de renda. Para a ideologia libertária, o Estado deve apenas cumprir contratos, respeitar e proteger a propriedade privada e manter a ordem.

Um dos melhores exemplos que defende as ideias libertárias em oposição às políticas de distribuição de renda é o do Michael Jordan. O autor convoca o leitor a imaginar um cenário onde todas as pessoas tenham a mesma quantidade de dinheiro e todas estas têm a mesma opção de depositar 5 dólares para ver Michael Jordan jogar no início de uma temporada da NBA. Sendo Michael Jordan um dos maiores jogadores de basquete da história e atraindo multidões aos jogos, ao final da temporada o jogador teria muito mais dinheiro do que outras pessoas. Nesse sentido, o que era uma distribuição igualitária de renda no começo jamais poderia se manter assim desde que as pessoas fossem livres para escolher como utilizar o próprio dinheiro.

Já as teorias de justiça como forma de promover a virtude são apresentadas no Capítulo 4, em que a discussão gira em torno de dois principais exemplos: o recrutamento militar obrigatório e a barriga de aluguel. No primeiro exemplo, o autor questiona qual seria a forma mais justa de compor um exército de um país, por meio do alistamento obrigatório: com a possibilidade de contratação de um substituto para os convocados ou pelo sistema de livre contratação? Em qualquer dos modelos, o questionamento levantado é: “quais são as obrigações que os cidadãos de uma sociedade democrática têm para com os demais e como surgem essas obrigações?”

Em sequência, é abordado o caso da contratação da barriga de aluguel. Assumindo que o indivíduo é livre para dispor de seu próprio corpo, é correto uma mulher alugar seu útero para um casal que deseja ter filhos? Tudo indica que os ideais libertários e utilitaristas defendem a possibilidade de escolha desta mulher e a maximização do bem-estar dos envolvidos, respectivamente. Mas, por outro lado, será que a decisão de carregar uma gravidez para outra pessoa é realmente uma decisão livre e consciente? Não seria esta uma forma de mercantilizar os bebês e transformar o parto em um negócio?

Nos últimos capítulos, são apresentadas as teorias de Kant, Raws e Aristóteles e também um caso controverso e muito atual: o de ações afirmativas que visem a corrigir erros e perdas do passado, como é o caso das cotas raciais, que supostamente visam a promover a diversidade.

O autor não deixa evidente qual versão de justiça mais lhe agrada, mas, aparentemente, seria a visão da terceira abordagem, de que uma sociedade justa seria aquela que cultiva a virtude, se preocupa com o bem comum e aceita a divergência de ideias.

O livro me fez compreender como as discussões sobre justiça são sempre embasadas nos valores e princípios individuais e a me lembrar da seguinte frase de Ayn Rand: “Não existem contradições. Sempre que você achar que está diante de uma, verifique suas premissas. Você vai descobrir que uma delas está errada”. Esta proposição de verificação de premissas é um exercício que pôde ser feito ao longo da obra como um todo e ficou nítido que muitas situações ou contextos não antes pensados põem em xeque alguns itens que antes eram tratados como valores individuais.

*Gustavo Martins é Associado II do Instituto Líderes do Amanhã.

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