Da luz às trevas
É assustador ver o berço do iluminismo se tornar o tubo de ensaio do wokeísmo. Uma nova lei escocesa está criminalizando o discurso considerado insulto. A terra de Smith e Hume não é mais a mesma. É impressionante a incapacidade de se compreenderem os danos que isso irá causar. A liberdade de expressão é uma das maiores invenções da civilização ocidental. Em grande medida, ela é a força motriz por trás de tudo o que fez o ocidente prevalecer.
Na obra Civilização, Niall Ferguson lista o que ele chamou de aplicativos que fizeram o ocidente se estabelecer e empurrar o desenvolvimento global. São eles:
1. *Concorrência*: A concorrência entre instituições e empresas estimulou a evolução da sociedade e da tecnologia.
2. *Revolução Científica*: As universidades se tornaram centros de ciência e instituições nucleares na sociedade, promovendo a ideia de que só existem verdades que podem ser comprovadas cientificamente.
3. *Direitos de Propriedade Privada*: A competição e a formação de instituições só ocorrem se houver garantias de que os bens serão protegidos.
4. *Medicina Moderna*: Avanços médicos dobraram a expectativa de vida e melhoraram a saúde das populações ocidentais.
5. *Sociedade de Consumo*: A demanda por novos e melhores produtos é a força motriz da indústria.
6. *Ética do Trabalho*: Valoriza-se o trabalho, que é visto como dignificante, contrastando com a visão de trabalho como sofrimento físico.
A liberdade de expressão é um princípio fundamental que sustenta vários dos “aplicativos” que Niall Ferguson argumenta terem impulsionado o sucesso do Ocidente em Civilização. Esses aplicativos, como a revolução científica e a sociedade de consumo, dependem fortemente do intercâmbio livre de ideias, da crítica e do debate aberto para prosperar. Vejamos como a liberdade de expressão é essencial para cada um deles:
1. *Concorrência*: A concorrência em todos os setores, incluindo ideias, tecnologia e negócios, é vital para o progresso. A liberdade de expressão permite que novas ideias sejam apresentadas e desafiadas, estimulando a inovação e a melhoria.
2. *Revolução Científica*: A ciência avança pelo questionamento constante do status quo e pela validação de novas teorias por meio de experimentação e debate. Sem liberdade de expressão, a censura impede a disseminação de novas descobertas científicas.
3. *Direitos de Propriedade Privada*: Embora o direito à propriedade seja principalmente uma questão legal e econômica, a liberdade de expressão é crucial para debater e defender os direitos de propriedade, bem como para criticar e reformar as leis que os governam.
4. *Medicina Moderna*: Assim como na revolução científica, o progresso na medicina depende da capacidade de compartilhar, criticar e debater abertamente descobertas e tratamentos médicos. Restrições à liberdade de expressão podem atrasar avanços cruciais na saúde pública.
5. *Sociedade de Consumo*: A publicidade, as análises de produtos e o marketing são formas de expressão que impulsionam o consumo. A liberdade de expressão permite aos consumidores compartilhar opiniões e informações sobre produtos, influenciando a demanda e a inovação.
6. *Ética do Trabalho*: Embora a ética do trabalho possa parecer menos diretamente ligada à liberdade de expressão, só foi possível a criação de uma ética por meio do livre embate de ideias. Max Weber, em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, destaca que a Reforma Protestante, especialmente através das ideias de Lutero e Calvino, revalorizou o trabalho secular, promovendo a ideia de que todas as profissões têm igual valor aos olhos de Deus e que o sucesso no trabalho pode ser um sinal da eleição divina. Essa nova atitude transformou a ética do trabalho e forneceu as bases culturais e éticas para o desenvolvimento do capitalismo moderno. A ética do trabalho, defendida por Ferguson em Civilização, encontra suas raízes nos princípios reformados, que não apenas transformaram a visão do trabalho no mundo religioso mas também moldaram a mentalidade que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo e, por extensão, o progresso das sociedades ocidentais.
Vê-se, portanto, que a liberdade de expressão é o pilar fundamental que sustenta não apenas os aplicativos listados por Ferguson, mas também o próprio tecido de sociedades abertas aptas ao desenvolvimento amplo. Sem a capacidade de questionar, inovar e debater livremente, a evolução em todas essas áreas seria significativamente limitada.
É profundamente preocupante ver a sociedade caminhar em sentido oposto a um valor que a fez progredir. Ao invés de abraçar o iluminismo, caminha-se a passos largos para as trevas, com a interdição do debate dialético. Tudo o que se usa, atualmente, para suprimir o fervoroso embate de ideias – que nos trouxe até aqui – são conceitos que se igualam à blasfêmia anterior à Reforma. É o caso, por exemplo, do famigerado “discurso de ódio”, do “lugar de fala” e outras tantas invencionices coletivistas que atentam contra a liberdade. De duas uma: ou saímos dessa rota nefasta ou caímos em um novo totalitarismo. As trevas estão batendo em nossas portas.