Quem é mesmo que paga a conta?
O Estadão do último dia 3 informa:
“Primeiro carro mundial da Fiat, o Uno Mille teve mais de 3,7 milhões de unidades produzidas no Brasil e sai de cena devido à legislação que obriga todos os carros produzidos em 2014 a virem com ABS e air bag de fábrica.
Como tal adequação ficaria muito custosa no Mille e a Fiat já planeja um subcompacto para o seu lugar, o carro, lançado por aqui em 1984, dá adeus deixando saudades.”
Note-se que a produção do Mille foi descontinuada não por falta de demanda, mas porque aquele automóvel não poderia adequar-se à legislação de segurança imposta pelo governo.
Em princípio, é difícil discordar da nova norma, afinal quem não acha admirável a preocupação das autoridades públicas com a segurança dos cidadãos/consumidores? O problema, que de imediato não se vislumbra, como diria Bastiat, é que essa preocupação tem um custo, um custo bastante elevado.
Estima-se que o preço de um carro popular possa ficar até 8% mais caro com a inclusão dos novos itens e isso, claro, será pago pelo consumidor, o principal interessado no assunto e provavelmente a única parte que não foi consultada a respeito. Caso fosse, presume-se que a sua resposta teria sido um sonoro “NÃO, OBRIGADO”.
Como eu sei disso? Simples. Segundo o site do “Auto Esporte”, os carros sem os itens de segurança impostos pela nova legislação estavam entre os mais vendidos do país:
“Até o dia 20 de dezembro último, quando a exigência de airbag e ABS era válida para 60% dos carros novos, os sites das marcas mostravam 4 modelos que não ofereciam airbag e ABS nem como opcionais entre os 50 mais vendidos. E também diversas versões de modelos até mais caros que também saíam de fábrica sem os dispositivos.”
Não que os consumidores sejam imprudentes ou desleixados com a própria segurança, mas a vida é feita de “trade-offs”. Se não podemos ter tudo que queremos, precisamos fazer escolhas e cada uma de nossas escolhas significa abrir mão de alguma coisa. Os economistas chamam essa coisa de “custo de oportunidade”.
Ademais, vista assim de relance, a nova regra poderia fazer crer que a evolução da segurança automobilística é fruto de decisões de governo, impostas ao mercado ganancioso de cima para baixo. Ledo engano. Se hoje desfrutamos de carros muito mais seguros que no passado, isso se deu graças à pesquisa e desenvolvimento dos fabricantes, voltados para a satisfação de seus consumidores. Afinal, quem inventou o sistema ABS, o air bag, as barras de proteção lateral, o amortecedor, o cinto de segurança, além de outros itens hoje incorporados à imensa maioria dos automóveis, senão as próprias montadoras?
O problema, que muitas vezes os governos custam a entender, é que o processo de mercado é um processo dinâmico, que evolui passo a passo, de acordo com as demandas do consumidor. Não tenho dúvida de que, em mais alguns anos, o mercado, sem qualquer necessidade de interferência governamental, acabaria introduzindo os air bags e freios ABS em 100% dos automóveis. Tentar abreviar esse processo pode acabar prejudicando justamente aqueles a quem, em princípio, pretendia-se beneficiar.
Mas a Fiat, mesmo com ABG e ABS, reduziu os preços de seu Pálio para substituir o Mille como modelo de entrada. Então, apesar de ser correto o pensamento do articulista e dos liberais, com certeza há, sim, umas gordurinhas que podem segurar os preços nos patamares atuais. Ainda mais sabendo-se que as montadoras vão passar um 2014 bem difícil.