Quando o politicamente correto leva à covardia
ALUÍZIO COUTO*
Passou em branco no Brasil matéria do jornal inglês The Telegraph cujo conteúdo é uma amostra perfeita de como está a vida universitária desde que o politicamente correto tomou conta dos campi pelo mundo. Segundo a matéria, no ar há mais ou menos um mês, as universidades britânicas podem segregar homens e mulheres em um debate acadêmico caso um debatedor particularmente controverso assim exija. Desnecessário dizer que um debatedor para quem a separação da plateia por sexo se torna condição para o debate é provavelmente um fundamentalista islâmico.
Como o multiculturalismo contemporâneo exige uma reverência às outras culturas que ultrapassa todos os limites da pusilanimidade, as autoridades universitárias estão, docilmente, colocando os homens de um lado e as mulheres de outro. Não fazê-lo poderia ofender profundamente alguma liderança religiosa e isso seria um grande erro. Não ofender a qualquer cultura (com exceção da ocidental, é claro) é o objetivo supremo não apenas dos intelectuais, mas também, agora sabemos, dos responsáveis por eventos. E se o custo de não ofender for perfilar um auditório britânico à moda islâmica, que assim seja.
O problema assume um tom realmente cômico quando lemos que sim, pode-se segregar homens e mulheres, mas desde que ambos os sexos fiquem lado a lado. Se, por exemplo, as mulheres fossem colocadas no fundo do auditório, estaríamos perante uma intolerável discriminação de gênero. Felizmente, no entanto, os responsáveis também se preocupam com minorias organizadas nascidas dentro da própria cultura. Se a ideia é segregar, a segregação deve ser progressista, sem viés de gênero. As feministas não precisam, portanto, preocupar-se.
Certamente como uma forma de se justificar perante as feministas, a Universities UK, entidade que representa as universidades do Reino Unido, afirmou: “Assumindo a adoção da segregação lado a lado, parece não haver qualquer discriminação de gênero pela mera imposição da separação dos assentos. Homens e mulheres estão sendo tratados igualmente, uma vez que ambos estão sendo segregados da mesma forma.” Não ocorre aos autores da afirmação que o problema não é segregar igualmente homens e mulheres, o problema é segregar. Além disso, a mentalidade burocrática obscurece o fato elementar de que se homens e mulheres estão sendo segregados, segue-se que mulheres estão sendo segregadas. Aparentemente, as feministas não viram aí qualquer problema.
As democracias ocidentais se notabilizam pelo respeito às liberdades individuais, sendo o direito de homens e mulheres sentarem-se no lugar que bem entenderem uma consequência disso. Segregar não apenas mulheres, mas homens e mulheres, torna o ato ainda mais grave, pois ambos os sexos são segregados, e não apenas um. Para os burocratas da entidade, se os homens fossem ricos e as mulheres pobres, seria perfeitamente aceitável, pelo bem da igualdade, empobrecer os homens sem enriquecer as mulheres.
Uma situação dessas só é possível quando se procura atender, de uma só vez, todas as platitudes politicamente corretas envolvidas. O multiculturalismo exige a pusilanimidade perante outras culturas, e assim se divide homens e mulheres. As feministas, por sua vez, exigem igualdade de tratamento. Mas como as feministas são, regra geral, de uma correção política irretocável, a igualdade entre os sexos precisará ser compatível com a exigência de não ofender o debatedor, provavelmente membro de alguma minoria oprimida pela execrável civilização ocidental. O resultado é igualdade perante os outros homens da plateia e submissão perante o orador.
Cumprir os valores ocidentais nesses tempos especialmente complicados está fora de questão. A mera tentativa seria imediatamente rechaçada por multiculturalistas e feministas. Ambos os grupos insistem em não perceber que tais valores compõem tanto o direito de sentar em qualquer lado do auditório quanto o de defender publicamente qualquer cultura. Eis o quão longe chegou a covardia.
*FILÓSOFO