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Quando o Estado quer intervir até no seu pão…

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Quando falamos em intervencionismo estatal, não tratamos somente dos clichês básicos de tabelamento de preços ou regulação do lucro de empresas (que infelizmente acabaram se tornando banais em razão de convivermos reiteradamente com essas tentativas desastrosas), mas também lidamos com assuntos que atingem os espaços mais íntimos das liberdades individuais de um cidadão, como o caso de uma determinação do governo que pretende ditar o que você pode comer ou não.

Esse é o caso do Projeto de Lei 5.332/2009, que tramita na Câmara dos Deputados, para criar o “Pão Brasileiro”. Curioso, não? Tive contato com essa proposição no meu trabalho. Em um primeiro momento, ao ler o documento, pensava eu que seria um projeto de Lei que instituiria uma data comemorativa em homenagem aos fabricantes dos pães, ou que simplesmente homenagearia o pão, designando-o como um símbolo nacional, pois o que mais vemos em discussão no Congresso são leis propondo essas questões (estudo do IPEA aponta que metade das leis aprovadas pelo Congresso entre 2007 e 2014 homenageavam personalidades ou instituíam datas comemorativas). No entanto, aprofundei a leitura do texto para entender melhor qual o nível da situação, partindo para a análise da ementa, que dizia:

Cria o “pão brasileiro”, a ser produzido com farinha de trigo, adicionada de farinha de mandioca refinada, de farinha de raspa de mandioca ou de fécula de mandioca, adquiridos pelo poder público, e estabelece regime tributário especial para a farinha de trigo misturada, e dá outras providências.

A partir desse momento, fiquei assustado, pois, sim, tratava-se de um projeto de lei buscando impor uma determinada forma por que o pão deve ser feito no Brasil. A priori, apenas aqueles adquiridos pelo Poder Público (com recursos públicos para escolas, por exemplo). Teríamos chegado, finalmente, nesse nível de intervencionismo. Continuem comigo a análise do projeto:

Art. 2º A farinha de trigo e seus derivados adquiridos pelo poder público serão adicionados de farinha de mandioca refinada, de farinha de raspa de mandioca ou de fécula de mandioca, nas proporções abaixo especificadas:

I – 3% (três por cento), do 1º (primeiro) ao 12º (décimo segundo) mês imediatamente subsequente à entrada em vigor desta Lei;

II – 6% (seis por cento), do 13º (décimo terceiro) mês ao 24º (vigésimo quarto) mês imediatamente subsequente à entrada em vigor desta Lei;

III – 10% (dez por cento), a partir do 25º (vigésimo quinto) mês da entrada em vigor desta Lei.

Percebamos que, analisando os incisos do art. 2º, a lei pretende, gradualmente, para a produção do pão brasileiro adquirido pelo Poder Público, obrigar os produtores de pães a substituir o uso da farinha de trigo pela farinha de mandioca refinada e afins, na produção. Nesse sentido, a lei determina que, no primeiro ano a partir da sua entrada em vigor, deverão ser acrescidos 3% de farinha de mandioca refinada, farinha de raspa de mandioca ou de fécula de mandioca, cumulada com a diminuição de 3% do uso da farinha de trigo na fabricação dos pães, para balancear o uso da farinha de trigo. No segundo ano, sucessivamente, o percentual dos derivados da farinha de mandioca deverá aumentar para 6% e no terceiro ano deverá subir obrigatoriamente para 10% de uso.

Essa proposta legislativa consiste em uma norma que, com uma boa intenção por parte do legislador proponente, busca resolver um problema de produtividade do nosso país. O Brasil enfrenta um déficit na produção de trigo, pois o consumo interno desse insumo é maior do que a própria produção nacional. Nesse ínterim, é verdade que ficamos dependentes da importação do produto para equilibrarmos o mercado e atingirmos satisfatoriamente a demanda por pães.

Entretanto, em que pese a boa intenção advinda do legislador, o que precisa ser analisado quando da apreciação de uma proposta legislativa são os resultados causados por essa possível imposição na sociedade. Os resultados causados por boas intenções nem sempre são bons. Falamos aqui do ataque à liberdade de padeiros, pequenos comerciantes e de trabalhadores produzirem o seu pão da forma que bem entenderem e da forma que podem produzir para vendê-los ao Poder Público. A partir do momento em que o estado impõe à sociedade uma medida como essa em atividade produtiva, estamos distorcendo a real aplicação original daqueles recursos, que deveria ser livre. Ludwig von Mises no século XX criticou o intervencionismo, destacando que um sistema econômico dotado de intervenções não é viável e pode levar uma sociedade ao caos. Mises definia intervenção como “uma norma restritiva imposta por um órgão governamental, que força os donos dos meios de produção e os empresários a empregarem estes meios de uma forma diferente da que empregariam.”

Pois é exatamente isso que acontecerá caso o Projeto de lei referido seja aprovado e sancionado. A obrigação estatal determinará que padeiros e comerciantes produzam seus pães para vendê-los ao Poder Público conforme meios definidos em Lei, distorcendo o ciclo natural da produção que seria aplicado anteriormente. Ou seja, um simples comerciante será obrigado a alterar toda a sua produção de pães para aplicar os percentuais de farinha de mandioca refinada ou similar.

Além disso, outro fundamento para a proposição da lei é o de que há estudos técnicos da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) dando conta de que a adição de farinha de mandioca refinada e seus derivados é técnica de melhoramento nutricional. Também se reconhece aqui a boa intenção do proponente; no entanto, novamente constatamos a manifestação de um Estado paternalista, que busca impor à sociedade o que é melhor ou não para a sua saúde. Nesse raciocínio, em termos de melhoramento nutricional e de comidas recomendáveis para o consumo, também deveríamos proibir a produção de hambúrgueres, pizzas e até mesmo a batata-frita? Ou deveríamos substituir o consumo de batatas-fritas por batatas-assadas de forma obrigatória para o melhoramento nutricional? Pergunto: não seria adequado utilizar o princípio da liberdade com responsabilidade para que as pessoas decidam por conta própria balancear a sua dieta e buscar promover equilíbrio na alimentação?

São apenas indagações. Longe de mim criticar. Para finalizar, continuemos a análise:

Art. 4º O não-cumprimento do disposto nesta Lei acarretará a aplicação das seguintes penalidades, impostas de forma gradual e proporcional ao volume comercializado e à condição de reincidência:

I – Multa de 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinto por cento) do valor de mercado da farinha de trigo que for comercializada em desacordo com o que dispõe esta Lei;

II – Interdição do estabelecimento por 30 (trinta) dias;

III – Cancelamento da autorização de funcionamento do estabelecimento e impedimento de seus responsáveis em se manterem na atividade.

Aqui fechamos com chave de ouro a leitura do projeto. Já não bastavam os milhares de problemas que um pequeno produtor enfrenta diariamente vencendo uma burocracia acachapante e impostos extorsivos que não dão retorno, o humilde fabricante de pães terá que enfrentar multa de 10 a 25% do valor de mercado da farinha de trigo proporcionalmente utilizado de forma “ilegal” na produção dos seus pães, além de poder ter seu estabelecimento interditado, uma vez sendo fornecedor do Poder Público.

Chega a ser cômico imaginar um padeiro medindo com um medidor de cozinha a quantidade de gramas de farinha de trigo que ele está adicionando em seus pães e, se, por acaso, ele colocar um pouquinho a mais do que o previsto em lei, ele estará cometendo uma ilegalidade que pode causar o fechamento do seu comércio e a cassação do seu alvará.

Para quem já é convertido à causa da liberdade, esse tipo de legislação ou de iniciativas obviamente causa estranheza, mas tenho convicção de que o nosso trabalho é árduo: precisamos ainda falar muito mais sobre as liberdades individuais Brasil afora para buscarmos sensibilizar a todos para a consciência de que a nossa liberdade, por mais singela que pareça, é valiosíssima. É tão valiosa que pode impedir alguém de nos multar por termos exagerado na farinha de trigo…

*Dirceu Quadros é graduando em Direito pela Unisinos. Ativista das ideias de liberdade. Trabalhou como “assessor-zagueiro” do processo legislativo, ajudando a barrar projetos de leis ruins para as liberdades individuais dos brasileiros, na Liderança do Partido NOVO, na Câmara dos Deputados. Atualmente, representa o mandato do deputado Marcel van Hattem no Rio Grande do Sul.

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