fbpx

Precisamos falar sobre a má alocação de recursos

Print Friendly, PDF & Email

Ontem a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda publicou uma Nota Informativa intitulada: “Redução da má alocação de recursos (misallocation) para a retomada do crescimento da produtividade na economia brasileira” (link aqui). Tão logo terminei de ler corri para o Twitter e para o FB para divulgar a nota e pedir que os amigos fizessem o mesmo. Tanta pressão não foi por acaso, a má alocação de capital é um problema central da economia brasileira e é muito bom que o pessoal do governo tenha colocado o assunto em pauta.

Grosso modo má alocação de recursos, geralmente capital ou trabalho, significa que esses recursos estão sendo usados de forma ineficiente, mal comparando é como dirigir uma Ferrari em Monza a 60 km/h. É difícil explicar a existência de má alocação de recursos. Por que um empresário colocaria dinheiro em um projeto pouco eficiente? Por que alguém escolhe trabalhar em algo que não dá retorno nem pessoal nem profissional? Por que alguém pagaria para dirigir uma Ferrari em Monza a 60 km/h?

Tais comportamentos não são compatíveis com as hipóteses de racionalidade que costumam guiar os economistas, a não ser que… alguém que não está preocupado com eficiência ofereça os incentivos para que as pessoas façam o que não fariam em outras circunstâncias. Talvez o sujeito dirigindo a Ferrari a 60 km/h em Monza tenha ganho um prêmio em um sorteio e não podia vender.

A má alocação de recursos costuma ser associada a políticas públicas, muitas vezes governos oferecem inventivos com foco em resultados de curto prazo, talvez as eleições sejam no final do ano, e não levam em conta os efeitos desses incentivos sobre a eficiência da economia. Já no começo do século XX economistas a Escola Austríaca apontavam a misallocation como fonte de problemas da economia. Vejam esse trecho d no texto “Economic depressions: their cause and cure” que está no livro The Austrian Theory of the Trade Cycle and Other Essays publicado em 1996 pelo Ludwig von Mises Institute onde Rothbard comenta os efeitos de uma queda artificial da taxa de juros por conta de um intervenção do Banco Central.

“For businessmen, seeing the rate of interest fall, react as always would and must to such a change of market signals: They invest more in capital and producers’ goods. Investments, particularly in lengthy and time-consuming projects, which previously look unprofitable now seem profitable, because of the fall of the interest charge. In short, businessmen react as they would react if savings had genuinely increased: They expand their investment in durable equipment, in capital goods, in industrial raw material, in construction as compared to their direct production of consumers good”

Sei que alguns colegas ficam irritados só de ouvir falar em Rothbard, mas um economista bem mais convencional como Hayek subscreveria essa passagem. A ideia de que juros artificialmente baixos induzem investimentos errados está na base da Teoria Austríaca do Ciclo Econômico (TACE) que Hayek, Mises e outros economistas austríacos elaboraram e divulgaram. Estritamente falando a TACE é uma teoria de má alocação de capital. As razões dessa teoria não ter prosperado na academia como uma das teorias de referência para explicar ciclos e depressões é assunto para outro post, aqui apenas quis registrar que misallocation é um conceito mais antigos do que alguns imaginam. Também para cutucar a redução de juros patrocinada pelo Banco central, não vou negar porque é feio mentir.

Em tempos modernos a questão da má alocação de capital ganhou destaque com um artigo escrito pelo Hsieh e pelo Klenow que foi publicado no Quarterly Journal of Economics em 2009 e intitulado “Missalocation and Manufacturing TFP in India and China” (link aqui). No artigo os autores afirmam que má alocação de capital, ou seja, capital destinado a projetos pouco eficientes reduzem de forma significativa a produtividade na China e na Índia. Especificamente os autores concluem que se o investimento nesses países fosse tão eficiente quanto nos EUA a produtividade da manufatura na China teria ganhos entre 30% e 50%, na Índia esses ganhos seriam entre 40% e 60%.

Ao contrário dos austríacos que centravam o foco em juros artificialmente baixos por conta do Banco Central tentando estimular a economia (não precisava ter escrito isso de novo, eu sei, mas eu sou chato), Hsieh e Klenow apontam várias razões para a existência de má alocação de recursos. Por exemplo, eles citam um estudo da McKinsey que afirma que a razão para baixa produtividade do varejo no Brasil pode estar na legislação trabalhista que aumenta o custo do trabalho para grandes supermercados em relação a pequenos comércios informais, causando um deslocamento de capital e trabalho para esses pequenos comércios que muitas vezes apresentam baixa produtividade. Outro fator que eles apontam, e que é particularmente relevante para o Brasil, é a presença de crédito subsidiado que pode desviar capital para setores ou empresas menos produtivas.

Não é preciso conhecer a literatura especializada para pensar em exemplos de má alocação de capital no Brasil, basta ler jornais. Projetos como o Comperj, vários estádios construídos para a Copa de 2014, Rio Maravilha, refinaria Abreu e Lima, refinarias Premium I e II (felizmente abandonadas antes de causar mais estragos), ferrovias que nunca ficam prontas, Belo Monte, são exemplos de capital e trabalha mal alocados. É difícil até mesmo imaginar alguém botando dinheiro do próprio bolso ou pagando juros de mercado para investir em um desses projetos, se não acredita em mim e quer um exemplo de entende das coisas clique aqui.
Se o leitor não se contenta com exemplo anedóticos e quer literatura deixo duas referências, tem mais, mas isso é um post de blog e não um capítulo de dissertação. A primeira é uma dissertação escrita por Addisu Lashitew e intitulada “Resource misallocation and aggregate productivity” (link aqui), lá são estimadas as perdas de eficiência em vários países por conta de má alocação de capital. A estimativa para o Brasil, realizada com dados de 2003, mostra que nossa produtividade é 62% da que seria se tivéssemos uma alocação eficiente de capital. Com foco apenas no Brasil, Rafael Vasconcelos, da Universidade Federal de Pernambuco, escreveu o artigo “Misallocation in the Brazilian manufacturing sector“, que foi publicado em 2017 na Brazilian Review of Econometrics (link aqui). Dois resultados desse texto merecem destaque: a má alocação de recursos no Brasil vinha em trajetória de queda até 2005, quando começou a subir, e a manufatura brasileira trabalha com um nível de produtividade que ´50% do que poderia ser caso nosso investimento fosse eficiente.

É com essa discussão em mente que a nota da SPE deve ser lida. A literatura especializada aponta que o Brasil pode ter ganhos significativos de produtividade (e produto) se conseguir reverter incentivos que induzem à má alocação de capital e trabalho. A SPE não apenas reconhece essa possibilidade como tenta relacionar o assunto com doze políticas do governo que podem reduzir a má alocação de capital. 

Claro que políticas diferentes possuem impactos diferentes e que vale discordar da relevância de algumas políticas listadas, é do jogo, mas o fundamental é colocar a questão da má alocação em destaque e tentar avaliar os impactos da política econômica sobre alocação de recursos e produtividade. Só esse cuidado nos afasta da “maldição de Córdoba e Kehoe” (link aqui) que diz que se não consideramos os efeitos da política econômica na produtividade no longo prazo estaremos todos em uma grande depressão. Se entre 2009 e 2014 os economistas do governo tivessem tomado esse cuidado não estaríamos em outra década perdida.

O post já está longo e, também por isso, não vou comentar uma a uma as políticas listadas pela SPE, mas algumas merecem destaque. A redução do direcionamento do crédito é fundamental, desde os austríacos o papel do custo do capital tem destaque na literatura de misallocation, o crédito direcionado causa um efeito semelhante ao descrito por Rothbard, porém, além de bens errados, os empresários colocam o dinheiro em stores errados. A reforma tributária também pode ser uma peça importante na redução da má alocação de recursos, o próprio relatório da McKinsey citado em Hisieh e Klenow dá a pista de como a estrutura tributária brasileira pode levar a misallocation

As privatizações são fundamentais, já ficou mais do que claro que as instituições brasileiras são incompatíveis com estatais eficientes, invariavelmente o inquilino do Planalto usa essas empresas para agradar empresários-amigos em projetos voltados para muita coisa, menos eficiência, vide Comperj. Outra política fundamental lembrada pela SPE é a abertura da economia, mais abertura leva a mais competição e menos espaço para investimentos ruins, espero que a turma da SPE convença Paulo Guedes a retomar o antigo discurso de salvar a indústria dos industriais e esquecer essa conversa de que só pode abrir a economia depois de resolver todos os nossos problemas e do Botafogo ganhar a Libertadores e Mundial. O aprimoramento da lei de recuperação judicial e a revisão das normas regulamentadoras do trabalho também merecem destaque.

Enfim, a agenda de redução de má alocação de recursos é fundamental e está recebendo atenção da equipe do Ministério da Economia. O que posso fazer para ajudar é tentar divulgar o assunto e pedir, pelo menos para os que ficaram sensibilizados com a relevância do tema, que façam o mesmo. Reduzir a má alocação de recursos é um dos grandes desafios para que o Brasil entre em uma trajetória de crescimento de longo, um desafio que passa pelas políticas aqui citadas.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

Pular para o conteúdo