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Por que Sou Liberal

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Escrevi no sábado um artigo, em princípio despretensioso, uma resposta de um liberal anarco capitalista a um post do Rodrigo Constantino, em seu blog da Veja, no qual, com base em frases pinçadas de um livro do Russel Kirk, ele atacava, senão o liberalismo de modo geral, pelo menos uma corrente dessa doutrina, que ele chama de “dogmática”, sem no entanto esclarecer de quem exatamente estaria falando.

Para minha surpresa, em menos de 24 horas aquele texto já era o mais lido do blog do IL.  Escrevo para o IL há mais de um ano e nunca tive tantos comentários num texto.  Um leitor, mais irado, chegou a escrever mais de 1000 toques para ser publicado na área de comentários, “refutando”, à sua moda, cada um dos meus argumentos.  Não tenho Fece Book, mas, pelos comentários de alguns amigos, parece que o artigo “bombou” também nas redes sociais, provocando comentários positivos e negativos.

Alguns podem ter estranhado um debate público entre o presidente e um diretor do Instituto Liberal.  A esses eu digo que não há nada mais natural dentro do liberalismo do que o saudável debate de ideias.  Conheço o Constantino de longa data e posso dizer que temos muito mais coisas em comum do que divergências, as quais sempre discutimos, pública ou reservadamente, procurando manter o nível do debate elevado e focando apenas nos argumentos.  Tenho enorme respeito por ele e, acredito, a recíproca seja verdadeira.

Embora meu artigo fosse uma defesa do liberalismo e não um ataque aos conservadores, esses últimos parecem ter ficado especialmente bravos com o que leram.  As críticas foram muitas e contundentes.  Faz parte do jogo.  “Quem está na chuva é para se queimar”, já dizia Vicente Mateus.

De todas as críticas, apenas duas me incomodaram e pretendo respondê-las aqui.

A primeira me acusa de criticar a obra de Russel Kirk sem tê-la lido.  Quem diz isso não leu o que escrevi.  Em momento algum critiquei a obra, ou mesmo o livro, de Kirk.  Meu artigo focou, única e exclusivamente, nos trechos do livro “A Política da Prudência”, pinçados não por mim, mas pelo próprio Constantino.  Houve quem dissesse que as frases do Kirk não deveriam ser lidas fora do contexto.  Bem, se isso for verdade, as críticas devem ser dirigidas a quem as pinçou e colocou fora do contexto original, não a mim, que só as li, interpretei e respondi no contexto em que foram lançadas.  Mas não me parece que, quando foi publicado, aquele texto do Constantino tenha gerado qualquer reação, nesse sentido, por parte dos vários estudiosos da obra de Kirk que agora me criticam.

A outra crítica que pretendo responder é a de que eu seria um relativista moral, especialmente porque defendo a liberdade de o ser humano utilizar o seu corpo e propriedades da forma como bem quiser e entender, desde que não prejudique o mesmo direito dos demais.  Minha defesa inclui, sim, a liberdade de qualquer adulto drogar-se, prostituir-se, praticar eutanásia, vender uma cónea, um rim ou casar-se com indivíduos do mesmo sexo.  Tais defesas não me transformam, de forma nenhuma, num relativista moral.  Se defendo todas essas coisas, ainda que não pratique nenhuma delas, nem incentive ninguém a fazê-lo, é porque eu defendo princípios morais bastante rígidos.

Para quem se interessar, seguem abaixo trechos de um artigo meu, publicado há tempos, no qual falo disso tudo e explico a minha opção pelo liberalismo.

Por Que Sou Liberal

Ao contrário do que muita gente pensa, minha opção pelo liberalismo não é utilitarista, como a de Mises, David Friedman e muitos outros, embora eu realmente considere que as organizações sociais liberais são as mais eficientes para o bem estar geral de qualquer sociedade. Minha opção pelo liberalismo está fincada, acima de tudo, em princípios e valores morais.

Antes de continuar, deixe-me esclarecer o que são princípios e valores, para efeito deste artigo, já que muita gente costuma (intencionalmente ou não) confundir os dois conceitos. Colocando de forma simples e prática, valores estão relacionados com fins, com objetivos, enquanto princípios vinculam-se a meios, preceitos morais e éticos que norteiam as nossas ações. Valores são qualidades e/ou propriedades escalares, dependentes de avaliações subjetivas, enquanto princípios são determinantes rígidos de conduta. Tal distinção é muito importante para mostrar que princípios podem ser absolutos, enquanto valores serão sempre relativos.

Muitos dos críticos do liberalismo assumem, como premissa básica de seus argumentos, que “liberdade” e “propriedade” seriam “princípios fundamentais” do liberalismo, para, a partir daí, demonstrarem que aqueles “princípios” não podem, de fato, fundamentar qualquer doutrina ou filosofia, porque não são absolutos.

A verdade é que, para efeito da filosofia liberal, nem liberdade, nem propriedade e nem mesmo a vida são considerados princípios, mas essencialmente valores. Embora a vida, a liberdade e a propriedade sejam valores muito caros aos liberais, conflitos entre eles e deles com outros valores podem ser frequentes. De fato, não há valores absolutos, nem mesmo a vida. Nada impede que um autêntico liberal sacrifique a própria vida em nome da vida de um terceiro ou de outros valores, como fez o cubano Zapata, morto recentemente após longa greve de fome. Para ele, a liberdade era um valor maior até que a própria vida. Quantos pais não seriam capazes de sacrificar a própria vida para salvar um filho? A justiça, por seu turno, como bem exemplificou Isaiah Berlin, pode ser um valor precioso para muitos liberais, porém, em determinados casos, nada impede que outros valores se choquem com ela – como a clemência ou a compaixão – e acabemos optando pelo perdão, no lugar da condenação.

Já os princípios dizem respeito a meios, a normas de conduta. A “não agressão”, por exemplo, é um princípio moral absoluto para alguns liberais. Será que outros princípios podem, legitimamente, conflitar com ele? Pode ser legítimo, para um liberal, matar, roubar ou escravizar outro homem? Eu acho que não. Com efeito, se a vida é um valor; o direito (meu e dos outros) à vida é um princípio (que legitima inclusive a legítima defesa). Se a liberdade é um valor; o direito à liberdade (meu e dos outros) é um princípio. Assim é também com a propriedade. É legítimo que eu cometa suicídio, mas jamais será legítimo que eu cometa homicídio. É legítimo que eu doe as minhas propriedades, mas jamais será legítimo que alguém não autorizado as doe por mim. Num certo sentido, portanto, os princípios liberais servem muito mais para identificar aquilo que não devemos fazer do que propriamente conduzir as nossas ações positivas.

Como visto acima, são vários os princípios de fundamento da filosofia liberal, mas o mais comum, sem dúvida – pois de certa maneira abrange todos os outros – é o princípio da “não-agressão”. De forma simples, você pode fazer o que bem quiser com sua vida, sua liberdade e sua propriedade, desde que você não agrida a vida, a liberdade ou a propriedade de ninguém.

Diante do enunciado acima, quase todo mundo diz: “concordo plenamente, mas…”

… e os pobres? Precisamos redistribuir a renda para atenuar o sofrimento deles, dirão os esquerdistas. Para isso, é preciso tirar recursos de Pedro para entregar a Paulo.

… e os usuários de drogas? Precisamos evitar que eles destruam as próprias vidas, dirão os conservadores. Proibam-se as drogas.

… e (preencha aqui a sua causa favorita)? Precisamos que o estado roube ou escravize alguns, em benefício de outros, porque os resultados serão bons, dirão muitos, ainda que não exatamente com essas palavras.

O problema do relativismo moral – ou a não aceitação de alguns princípios absolutos – é que as exceções acabam se tornando regras, de acordo com as conveniências de cada um. Todos estarão de acordo com o princípio da não-agressão, contanto que cada um esteja isento dele, em nome de uma exceção “razoável”. A essência da chamada “cláusula de escape”, portanto, é a fuga da moralidade e a justificação da injustiça. É a quebra intencional de nossa bússola moral para que possamos ser liberados dos ditames e princípios universais: é errado roubar, ferir, escravizar ou matar outro ser humano.

Mas, além dos princípios, o liberalismo que defendo também tem a ver com crenças e valores. Em termos sucintos, desconfio de objetivos gerais a serem obtidos por leis ditadas pelo estado ou por normas positivas que pretendam transformar as pessoas em seres melhores, isentas de vícios e imunes às más escolhas. Ao contrário, como Hayek, acredito essencialmente em ordens sociais espontâneas.

O liberalismo, ademais, coloca em foco não o povo, uma comunidade gregária como uma colmeia de abelhas, mas cada indivíduo, sendo este um valor mais alto que qualquer coletividade. Estado, governo, igreja, empresas e associações diversas são apenas ferramentas de cooperação para que o indivíduo possa alcançar seus fins, buscar sua felicidade.

Sou liberal porque não tenciono eliminar as falhas e limitações humanas usando a força ou o aparato do estado. Entendo que os seres humanos devem ser livres para escolher entre o bem e o mal. Acima de tudo, eles devem ser livres para cometer erros que prejudiquem a si mesmos. Não há como falar de ética, moral ou justiça sem que se dê aos indivíduos liberdade para decidir por si mesmos.

Sou liberal porque o liberalismo não pretende impor sanções ou restrições sobre as profissões, as crenças, os discursos, as roupas, as manifestações artísticas, os hábitos de consumo ou o comportamento sexual de quem quer que seja. Enfim, sou liberal porque sou contra a utilização dos poderes do Estado para tentar criar sociedades perfeitas ou superiores.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

Um comentário em “Por que Sou Liberal

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    27/01/2014 em 12:47 pm
    Permalink

    João, um artigo interessante que, na minha opinião, desmonta a dicotomia entre deontologia e utilitarismo. O que existiriam seriam defesas ruins dessas correntes, que excluiriam uma à outra, e uma defesa melhor, que uniria as duas (não necessariamente aristotélica).

    http://praxeology.net/whyjust.htm

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