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Por que a intervenção estatal atrapalha o futebol

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futebolpor EDSON CHINCHILLA*

Na semana passada, meu clube do coração foi rebaixado. É óbvio que a culpa recai sobre o estilo de jogo apresentado durante toda a temporada, porém, é importante ressaltar que a má administração de uma instituição desportiva influencia diretamente na campanha do time.

Não é novidade que o futebol brasileiro sofreu um enorme retrocesso em relação à sua capacidade, tanto no que tange o talento profissional, quanto de adoração por parte do público, e associo esse fato à má administração e à mentalidade antiempresarial adotada pelos clubes. Porém, é importante mostrar e ter ciência dos aspectos que causaram a deterioração do futebol atual: a regulação e intervenção estatal.

Este artigo tem como objetivo mostrar como a intervenção estatal corroeu as estruturas do futebol, mostrando seu início e como ela funciona até hoje, prejudicando os clubes em vez de facilitar seu caminho para os títulos e o reconhecimento mundial.

 

Os primeiros vestígios de intervenção

São inegáveis as evidências da intervenção estatal no futebol brasileiro; mesmo há décadas atrás, já era possível notar o Estado regulamentando determinados atos internos, sejam estes relacionados a transferências de jogadores ou normas mínimas de funcionamento dos clubes, entre outros aspectos.

O Estado sempre esteve alerta, no que tange à evolução do esporte no país, desde seu surgimento, no início do século XX, até a transformação de esporte desconhecido a paixão popular e nacional.  Com a popularização do futebol no Brasil, surgiram durante a era Vargas as primeiras intervenções estatais, tendo como objeto as negociações de jogadores entre clubes e a profissionalização dos atletas. A primeira regulamentação foi um decreto verbal emitido pelo Estado Novo, no qual se determinava que as transferências entre atletas e clubes fossem realizadas em determinados padrões, deixando o governo a critério dos clubes a adoção ou não do mandato.

Tal fato impactou no mercado de jogadores nos anos 30, em que antes do decreto não positivado existia uma flexibilidade maior nas transferências entre clubes e jogadores, possibilitando-lhes permanecer no clube de seu interesse com as condições que sua liberdade contratual permitisse – liberalidade contratual essa estipulada antes da transferência do jogador ao clube, garantindo mais liberdade no âmbito dos contratos e conseqüentemente em sua adaptação

Se antes da regulamentação imperavam o livre mercado e a liberdade contratual, após as regulamentações, tudo mudou, tendo o termo “profissionalização” sido adotado a partir de então. Deu-se em 1933 o primeiro registro dos novos termos que regeriam o futebol brasileiro.

Esse decreto, apesar de não constar objetivamente até 1998, na conhecida Lei Pelé (Lei 9.615/98), foi um marco na regulamentação da profissão.

Na transação que fora realizada através de votos, o estado do Rio de Janeiro, onde ficava à época a capital do país, foi o primeiro a adotar o sistema regulatório, tendo votado a favor os clubes Fluminense, Vasco da Gama, América e Bangu, e contrariamente, Botafogo, Flamengo e São Cristóvão.

O exemplo logo foi seguido pelos clubes paulistas, tendo a primeira partida entre profissionais a termos contratuais ocorrido entre o São Paulo FC e o Santos.

Os contratos entre clubes e jogadores passaram a ser fiscalizados e determinados pelo órgão estatal denominado “Censura Policial”, de competência federal, aplicando as mesmas definições de outras diversões públicas como teatros e cinemas ao futebol.


A tomada do futebol pelo Estado: a Era Vargas

Se você acha que a relação entre desperdício de dinheiro público e futebol começou depois da virada do novo milênio, se enganou. Na copa do mundo de 1938, na Itália, que garantiu definitivamente a relação de Getúlio Vargas com o futebol nacional, o “presidente” desembolsou uma quantia de 200:000$00 contos de réis, uma fortuna dos cofres públicos à época, como forma de financiamento à seleção brasileira para disputar a Copa, tendo a cada vitória sido saudado por seus apoiadores, como se fosse um triunfo pessoal.

Na mesma competição, o Brasil obteve seu primeiro resultado significativo em uma Copa do Mundo, tendo conquistado o terceiro lugar. Mesmo não tendo vencido, o time fora recebido como campeão, tendo Vargas utilizado o feito como forma de propaganda pessoal do Estado Novo.

Assim permaneceu a estratégia propagandista de Getúlio, fazendo proveito de sua boa aposta, vinculando o futebol de forma absurda à imagem do Estado, tendo o governo sido marcado pelas pronunciações públicas em estádios de futebol, principalmente no que era à época o maior da América latina, o estádio de São Januário, pertencente ao Clube de Regatas Vasco da Gama.

 

Primeiro passo é o futebol, depois é a sua vida…

Com o advento da popularização de diversos desportos, a regulamentação atingiu outros como o rugby, polo aquático e cricket, não muito conhecidos aos olhos da população pobre, porém difundidos entre os ricos.

O primeiro instrumento significativo dessa intervenção do Estado nas questões desportivas foi o Decreto-Lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941, que estabeleceu as bases de organização dos desportos no país. Por ele, foi criado o Conselho Nacional de Desportos (CND), subordinado ao Ministério da Educação e Saúde, cuja finalidade seria orientar, fiscalizar e incentivar a prática de todos os esportes no Brasil. Sua estrutura era composta por nove membros, todos nomeados pelo presidente da República.

Segundo o Decreto-Lei nº 3.199/41, a competência do CND era bastante ampla, buscando abranger todos os segmentos e todas as modalidades esportivas. Contudo, do ponto de vista histórico, o ponto mais relevante do Decreto-Lei nº 3.199/41 não foi a criação do CND, apesar de sua importância nas relações entre o desporto e o Estado nas próximas décadas; a mais significativa foi a criação dos segmentos que seriam obrigatórios para todos os esportes. O documento legislativo montou uma pirâmide organizacional, tendo em sua base clubes de prática desportiva, ligas e entidades de base. Acima deles, no âmbito dos estados, agregando as entidades de prática por ramo desportivo, encontravam-se as federações. Mais acima, reunindo as federações em todo o país, estavam as confederações, que, ligadas diretamente ao CND, eram as entidades máximas de direção dos desportos nacionais. Essa mesma estrutura federativa manteve-se em nossos dias.

Os claros objetivos da legislação logo puderam ser sentidos por todos os âmbitos desportivos, principalmente o futebol, impactado com o controle estatal e a necessidade ditatorial de vigilância e formatação do desporto, ditando normas de transferência e do regime de contratação dos atletas, que deveriam contar com uma carteira, como se fosse a de trabalho em dias atuais, assim como um registro na confederação nacional de desportos.

Ao menos, a legislação limitou-se até então a isso, não estabelecendo especificidades aos jogadores de futebol, porém de qualquer forma angariando prejuízos aos clubes e ao livre mercado antes operante.

Apesar de o regime de contratação não ser reconhecido como de trabalho e sim de locação de serviços, o que supostamente daria liberdade contratual aos clubes e atletas, as normas de transferência ainda eram reguladas, o que causava uma falsa impressão de liberdade.

Falsa liberdade essa que fora desmascarada para total inflexibilidade contratual e unilateralidade com o advento do decreto n°53.820, já décadas após a promulgação da primeira regulamentação de Vargas. Esta, que regia diretamente a questão contratual entre atletas e clube, inclusive o que é hoje chamado de “passe”.

Importante ressaltar que o instrumento contratual denominado “passe” já existia em diversos outros países, inclusive no Brasil, porém não com essa denominação e sequer o mesmo formato, já que existiam a liberdade contratual e oferta através de liberalidade entre clube e jogador.

Contudo, essa liberalidade deixou de existir, pois a regulamentação interferiu na relação privada, determinando os termos mínimos de contratação. O clube então deve, mesmo após o encerramento do contrato, pagar o valor ao jogador, impedindo a transferência do atleta para outros clubes. Passa a ser necessário o pagamento do valor ao clube detentor do “passe”, não havendo mais contrato vigente entre as partes.

O mínimo detalhe dessas transações, a quantia do “passe”, não era estipulado pelas partes (clube e jogador). Era um ato unilateral, onde o jogador era obrigado a se filiar à instituição que lhe pagaria um valor fixo, tendo sido vedado ir para outra de livre e espontânea vontade, limitando a liberdade contratual.

Além do mais, é importantíssimo salientar que o jogador que não aceitasse as condições do “passe” ficava impedido de exercer o esporte no Brasil.

Já o valor do passe era determinado por outro órgão governamental, o conselho nacional de desportos, o que hoje atende por CBF, que regulava o valor pago ao atleta, consistindo em uma porcentagem de 15% do valor de seu passe. Ou seja, não obstante não ser detentor de seu próprio valor e preço de trabalho, este ainda fica com menos da metade do fruto de seu suor e dedicação.

 

Como é hoje e qual a solução?

Atualmente, tem-se um cenário de total caos no futebol brasileiro, em que clubes históricos estão em situação deplorável em relação aos seus passados gloriosos, pois as regulamentações que os assombram retiram a áurea empreendedora e os transformam em meros instrumentos de utilidade social, e até de instrumentação política, obrigando-os a se relacionarem com patrocínios de estatais e outras normas regulamentadoras.

Um clube não deve ser tratado como uma entidade pública, onde o abono à produção impera. Os dirigentes esbarram na já conhecida burocracia e coleguismo estatal, fazendo com o que os clubes definhem para o mesmo caminho do estado, a falência.

A única alternativa à sobrevivência dos clubes no Brasil é a adoção do empreendedorismo, a adoção do lucro, maiores incentivos ao seu torcedor para freqüentar seu estádio, melhores condições contratuais ao atleta. Ressalvo a liberdade contratual, a busca por títulos, por patrocínios, venda de jogadores e formas de lucro que podem gerar melhorias e sucesso aos clubes.

Infelizmente, essas medidas não cabem somente aos clubes; necessitamos do recuo do Estado, também nesse âmbito. Precisamos de ligas privadas, patrocínios privados, estádios e construções privadas, uma mídia e canais privados, para que não tomemos o caminho da servidão.

*Edson Chinchilla é acadêmico do curso de Direito, membro fundador do grupo de estudos Quintino Bocaiúva, torcedor do Clube de Regatas Vasco da Gama e libertário. 

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