Uma análise sobre a crítica de Pérsio Arida a Bolsonaro e Paulo Guedes
Coordenador de campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, e conselheiro acadêmico do movimento suprapartidário Livres, o renomado economista Pérsio Arida fez no último dia 30 declarações fortes contra o deputado e presidenciável Jair Bolsonaro em entrevista ao Infomoney. Ele também criticou alguns posicionamentos do amigo e economista Paulo Guedes, apontado pelo próprio pré-candidato do PSL como seu provável ministro da Fazenda.
Naturalmente, as declarações repercutiram bastante. Arida definiu Bolsonaro como “um engodo”, “tão estatizante quanto a esquerda”, e pontuou que algumas das declarações empregadas por Guedes para apontá-lo como alternativa ao PSDB, ao PT e aos partidos que vêm governando o Brasil não seriam efetivamente justas. Sempre no interesse de deixar as peças do jogo mais claras e organizar ideias junto a nossos leitores (cada um deles, é claro, tomando a partir daí suas próprias decisões e fazendo seus próprios julgamentos), pretendemos aqui fazer algumas apreciações acerca dos comentários de Arida.
Em primeiro lugar, Pérsio Arida comenta que o passado político de Bolsonaro, até não muito tempo atrás, não tem qualquer consistência liberal. O parlamentar tem um histórico de votações estatizantes, eventualmente até alinhadas aos petistas. Deixando de lado as ironias retóricas de Arida, como quando ele diz que os liberais que defendem Bolsonaro se iludem ao achar que o deputado “andando na estrada de Damasco, teve uma iluminação divina e se tornou liberal porque conversou com Paulo Guedes”, é evidente que Arida está correto nesse diagnóstico.
O grande chamariz de Bolsonaro na maior parte de sua carreira foi defender o endurecimento de penas contra criminosos, algo ardentemente desejado – e desejável mesmo – em uma sociedade com altos índices de homicídio e criminalidade como o Brasil, em que pese possamos discordar de algumas de suas sugestões, e a defesa de interesses dos militares, perfazendo até então boa parcela de seu eleitorado. Fora isso, no campo econômico, suas pautas nunca foram liberais.
Arida destaca que “ele votou contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio das telecomunicações, contra a quebra do monopólio estatal do petróleo, contra a reforma administrativa que impunha limite nos gastos de servidor”, entre outras pautas estatistas ou intervencionistas. São fatos históricos que pesam e absolutamente nenhum eleitor de Bolsonaro que enxerga nele uma alternativa para, com a assessoria adequada e, especialmente, com Paulo Guedes, levar adiante reformas liberais, pode negá-los.
No entanto, não é muito diferente o que se poderia dizer de Michel Temer, por exemplo, e de seu partido, o MDB. Aliados dos petistas em todo o ciclo lulopetista e de origem nacional-populista, como bem apontaria Roberto Campos nos anos 80, eles receberam nas mãos um país destroçado pelos desvarios econômicos do governo Dilma, governo que eles mesmos sustentaram. Não obstante sua origem e seu histórico – que, se fisiológico vem sendo, vendeu-se ao projeto dos petistas -, os emedebistas se incumbiram de reformas como o teto de gastos, as mudanças trabalhistas e o fim do imposto sindical (que esperamos seja mantido). Poucos discutiriam que as reformas mais liberais dos últimos tempos, a despeito de seus defeitos, foram feitas pelo governo Temer.
Arida disse ainda que Paulo Guedes será descartado tão logo a pressão dos populistas recaia sobre um eventual presidente Bolsonaro, assim como Dilma fez com Joaquim Levy. Não haveria, por isso, nenhuma garantia de que, montando uma equipe liberal, Bolsonaro manteria essa linha ao longo de todo seu governo. Ele tem razão? Tem. Tudo isso é perfeitamente possível.
No entanto, também o mesmo governo Temer se deixou acuar pelos resultados da greve dos caminhoneiros, vendo passivamente a saída de Pedro Parente da Petrobras e estabelecendo um acordo duvidoso, que pesará sobre os bolsos dos brasileiros. Sua tônica mais liberal foi revertida nesse caso pela pressão corporativista, tanto quanto no esforço por fechar certos ministérios, que acabaram não sendo nem de longe reduzidos significativamente. Qual seria a força política, hoje, que nos daria garantias absolutas de manter a linha do liberalismo econômico durante todo o seu governo? Qual garante que não mudaria sua orientação sob a pressão de sindicatos e manifestantes? Difícil responder com certeza. Bolsonaro não está sozinho nesse quadro duvidoso.
Arida criticou, finalmente, a afirmação de Paulo Guedes de que os liberais nunca estiveram no poder durante a Nova República, vítima de um longevo “consenso social democrata”. O economista questionou a afirmação, apontando que o Brasil teve avanços liberais sob o governo FHC, como o próprio Plano Real, o controle da hiperinflação e algumas privatizações. Perguntou se Gustavo Franco, Armínio Fraga, Pedro Malan e outros, como ele próprio, que estiveram na condução econômica das reformas importantes daquele governo, não seriam liberais. “Essa narrativa que os liberais nunca chegaram lá, é tudo social democrata, no sentido de expandir o Estado, está errada”, sintetizou.
A verdade está no meio do caminho. Nenhuma cabeça razoável poderá ser convencida de que Fernando Henrique Cardoso e seu governo representam uma agenda liberal econômica ou conservadora clássica. Nem a do próprio. Podem perguntar a ele. FHC se orgulha de ter, por exemplo, aumentado a carga tributária. Ele faz questão de enumerar suas agendas à esquerda. O “consenso social democrata” da Nova República é uma retumbante realidade.
É verdade, porém, que ideias e agendas liberais, bem como economistas liberais, sobretudo em virtude das demandas do momento, fizeram parte daquele governo e um sucesso parcial de suas demandas se impôs, dentro do jogo democrático, como diz Arida, de forma inequívoca, o que merece ser reconhecido. Impôs-se, frise-se, em um ambiente que não lhe era natural, sob uma liderança política que não era liberal.
Gustavo Franco é o primeiro a recordar, em suas palestras e declarações públicas, as dificuldades para fazer prevalecerem certas ideias mais liberais no ambiente social democrata do PSDB. A falta de convicção do partido, aliás, em defender esse bom legado com a clareza necessária fez com que ele próprio se retirasse da legenda, ao contrário de Arida. Geraldo Alckmin, a quem Arida assessora, já se exibiu orgulhosamente com os emblemas das principais empresas estatais do Brasil.
A verdade é que são todas forças políticas que não tiveram como tônica ou ideia-força de suas carreiras e trajetórias a pauta liberal econômica. Os principais nomes e partidos em evidência que desejam convencer um eleitorado afim a essa pauta de que a levarão, de maneira fidedigna e perene, ao Planalto, ainda têm muito trabalho a fazer. A conclusão lógica é que garantia absoluta é bastante difícil de oferecer, mas embasar solidamente a plataforma durante a campanha nesse DNA será um bom começo.