O sebastianismo brasileiro do século 21

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A herança lusa pesa mais do que se imagina entre alguns conservadores brasileiros. Ela ajuda a explicar uma crença persistente, quase comovente: a de que alguém virá de fora para resolver os problemas do Brasil. Um salvador, claro. Sempre um salvador.

Essa expectativa, invariavelmente seguida de frustração, costuma acometer quem não aceita a ideia incômoda de que o próprio destino dá trabalho. É mais confortável aguardar um herói do que enfrentar a realidade. Os portugueses fizeram disso um traço cultural: passaram séculos esperando o retorno de Dom Sebastião, desaparecido em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir. Enquanto isso, a França produzia o Iluminismo, a Europa mudava de eixo e o mundo moderno tomava forma. Portugal, fiel à tradição, seguia esperando. Orando. Sonhando. Nada mais cristão — no pior sentido — do que aguardar o retorno do filho perdido para instaurar o paraíso na Terra.

No Brasil, alguns conservadores resolveram atualizar essa velha superstição. Primeiro, apostaram tudo em Jair Messias Bolsonaro, tratado não como político, mas como equação moral: bastaria elegê-lo e, por milagre, os problemas nacionais se dissolveriam. Não se dissolveram. Bolsonaro foi preso. Não cabe aqui discutir se com justiça ou injustiça. O fato relevante é outro: sem sebastião doméstico disponível, foi preciso importar um.

Escolheram Donald Trump como o sebastião de ocasião. Um salvador “premium”: poderoso, articulado, midiático, supostamente onipotente. A lógica era simples — e infantil: se ele resolve os problemas dos Estados Unidos, por que não resolveria também os do Brasil? Bastaria querer. Bastaria um tuíte. Bastaria um decreto imperial, mesmo que o império não existisse e o Brasil fosse apenas uma exótica área verde na parte debaixo do mapa.

Porém, um sebastião nunca faz o que esperam dele. Assim como Dom Sebastião não retornou, Trump não fez o que os conservadores esperavam: seguiu sua própria agenda. Não derrubou Alexandre de Moraes, não derrotou Lula, não viabilizou a volta messiânica do Jair Messias Bolsonaro. Para surpresa geral — exceto de qualquer adulto funcional —, Trump não demonstrou interesse em salvar uma republiqueta distante que, soube recentemente, nem tem mais Buenos Aires como capital.

O resultado foi um drama digno das mais sofridas canções sertanejas. Trump “traiu” os conservadores tupiniquins. O amor era verdadeiro, diziam. As expectativas, sinceras. A decepção, pública e ruidosa.

Os interesses de Trump

Mas o problema nunca foi Trump. O problema é a crença recorrente de que a vida pode ser terceirizada. Sempre que indivíduos transferem a outros a responsabilidade por sua liberdade, sua felicidade e seu destino, o fracasso é garantido — e o sebastianismo volta à cena. Dois séculos após a morte de Dom Sebastião, sua lenda ainda alimentava movimentos messiânicos como em Canudos de Antônio Conselheiro. A mesma lógica sustentou ditadores sanguinários como Mao, Fidel e Pol Pot — e versões tropicais, mais simpáticas no marketing, como o pai dos pobres Getúlio Vargas e, hoje, Lulinha paz e amor. Nenhum deles salvou o Brasil, mas o tornaram mais dependente do Estado.

A frustração de conservadores brasileiros com Donald Trump, portanto, não tem nada de excepcional. É apenas sebastianismo tardio. Uma prova de que a crença em salvadores da pátria não é monopólio da esquerda. Ela floresce também à direita, sempre que indivíduos preferem a fé política ao esforço pessoal.

Viver exige trabalho. A felicidade não é “granted”. Não se terceiriza o próprio destino. Até porque ninguém sabe melhor do que nós mesmos como — e se — queremos ser felizes.

Talvez a atitude de Trump sirva, ao menos, como um “wake-up call”. Um lembrete incômodo aos conservadores que ignoraram aquilo que deveria ser o alicerce de sua própria ideologia: o indivíduo é responsável por seu destino. Negar isso é abandonar não apenas a realidade, mas também os filósofos que dizem admirar.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste

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