O PT e a ditadura venezuelana

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Lá se vão mais de dois meses desde que o Conselho Eleitoral da Venezuela declarou que Maduro teria vencido as eleições, em mais um episódio de evidente fraude. Cobrado sobre um posicionamento assertivo sobre mais este capítulo do autoritarismo chavista, Lula – e, consequentemente, a diplomacia brasileira – segue em cima do muro, apostando no embuste da divulgação das atas eleitorais, como se, quando elas forem divulgadas (assumindo que o sejam em algum momento), não tenham passado por um processo de falsificação. O Centro Carter, organização americana que acompanhou o pleito, acaba de entregar à OEA atas que comprovariam a vitória de Edmundo González Urrutia por uma vantagem de 67% contra 31% do ditador venezuelano. Não tenho dúvidas, contudo, de que a inclinação natural de Lula seria reconhecer e expressar o mais profundo apoio a Maduro, como fez seu partido, o que faria, não fosse o fato de não desejar causar maiores embaraços à sua já minguada popularidade.

Pergunto-me se os que cobram uma posição assertiva de Lula o fazem apenas por sentir que isso é o correto ou se realmente se iludem crendo que o presidente é permeável ao óbvio. Nada mais cansativo, por exemplo, do que ver alguns papagaios do pseudo-progressismo na imprensa brasileira se queixando de que Lula, esse “grande democrata”, ainda não tenha percebido que o homólogo venezuelano é um ditador. Ora, colocam em xeque a inteligência do nosso chefe de Estado? Isso, com todas as críticas que lhe devoto, nunca fiz — falta de inteligência não é uma desculpa para a qual ele possa apelar. Sofrem de amnésia? Teria que ser uma espécie causada por um vírus, de modo a explicar uma amnésia coletiva tão absurda entre alguns elementos da prezada imprensa. Penso que a melhor explicação é o cinismo. Decida o que decidir a diplomacia brasileira, é importante que não permitamos que os adulteradores da história (que transformam até impeachment em golpe) contaminem a sociedade brasileira com o vírus da amnésia e a façam esquecer que o Partido dos Trabalhadores sempre foi e segue sendo apoiador da ditadura chavista.

Para iniciar, apresento algumas notas e notícias retiradas diretamente do site do PT.

Apoio explícito do PT a Maduro

Ao comentar a retomada do controle da Assembleia Nacional da Venezuela pelo partido de Maduro em 2020, em uma eleição marcada por boicote da oposição devido a acusações de fraude, o PT emitiu uma nota oficial em que, entre outras coisas, afirma o seguinte: “O PT é solidário ao governo constitucional e ao povo da Venezuela. Compreendemos que a realização das eleições é a resposta democrática aos golpistas que conspiram, dentro e fora do país, contra o governo constitucional e o processo de transformação iniciado pelo ex-presidente Hugo Chávez”.

Ignorando sempre os diversos protestos já ocorridos contra o governo venezuelano, protestos esses respondidos frequentemente de forma violenta, com prisões e mortes, lemos em fevereiro de 2019 uma notícia assinada pela redação de um negócio chamado Agência PT de Notícias, dando conta das celebrações do aniversário de 20 anos da primeira posse de Hugo Chávez: “Milhares de venezuelanos tomaram as ruas de Caracas, neste sábado (2), data que marca o 20º aniversário da primeira posse de Hugo Chávez, para defender o mandato legítimo de Nicolás Maduro e a democracia na Venezuela. O povo protestou contra a autodeclaração de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela e reivindicou que Nicolás Maduro continue seu mandato que foi alcançado através de eleições legítimas e democráticas.” As ditas “eleições legítimas e democráticas” de 2018, assim como as de 2024, também foram objeto de acusações de fraude e não foram reconhecidas por grande parte da comunidade internacional, incluindo pelo Brasil.

Em janeiro do mesmo ano, uma nota assinada pela presidente do PT na época, Gleisi Hoffmann, dando conta de sua ida à posse de Maduro, tem um título que não poderia ser mais explícito: “Gleisi Hoffmann leva apoio do PT ao povo da Venezuela”. Por “povo”, como é comum no vernáculo socialista, podemos entender o governo da Venezuela. É assim que se faz para ignorar os milhões de venezuelanos que saíram do país, fugindo da crise e da ditadura: é como se eles não integrassem o povo ou fossem filhos menos legítimos do país.

Ainda sobre as eleições de 2018 na Venezuela, há uma nota conjunta do PT e do PCdoB de maio daquele ano. Os partidos expressam suas felicitações a Maduro pela vitória, ao passo que demonizam aqueles que a contestam: “Este triunfo, expressão da vitalidade do sistema eleitoral democrático venezuelano e dos sólidos laços do governo com o povo, é contestado pelo imperialismo estadunidense e governos lacaios da região latino-americana e caribenha, entre estes o governo golpista de Michel Temer”. Ora, vejam só, o herdeiro de um regime que aparelhou o Estado, inaugurado por Hugo Chávez — que, antes de ser eleito em 1998, tentou dar um golpe de Estado em 1992 —, acusado internacionalmente de diversas violações de direitos humanos, seria um democrata e seu governo indubitavelmente legítimo, ao passo que Temer, eleito como vice na chapa petista e, portanto, presidente após o constitucional impeachment de Dilma, seria um golpista. A implicação parece ser que consideravam que, na época, pelo menos, a Venezuela era mais democrática que o Brasil.

A posição relativista do partido, tratando o governo de Temer como produto de um golpe e o de Maduro como uma democracia, foi bastante explícita em agosto de 2017, quando, em conjunto com outras entidades de esquerda, lançou uma nota chamada de “Manifesto pela paz na Venezuela”, no âmbito de um tal “Comitê Brasileiro pela Paz na Venezuela”. Nessa nota, lemos que “Também no Brasil se farão ouvir as vozes que rechaçam a violência e a sabotagem contra o governo legítimo do presidente Nicolás Maduro. Qual moral tem um usurpador como Michel Temer para falar em democracia, violando a própria Constituição de nosso país, ao adotar posições que ofendem a independência venezuelana”?

Já em julho do mesmo ano, Gleisi Hoffmann e Monica Valente assinam um artigo no qual repetem e investem na lorota de que a culpa da situação venezuelana seria, vejam só, da oposição: “Há pelo menos dois anos, resiste aos golpes da oposição, a qual iniciou um violento processo de desestabilização política que mergulhou a nação no caos. Assim, os opositores de Maduro alimentam uma polarização que deixou mais de cem mortos, de ambos os lados”. A concessão de que há mortos “de ambos os lados” só pode significar que, reagindo a uma oposição “golpista”, o governo Maduro teria deixado mortos de forma reativa, quase como se fosse uma vítima.

Ainda no mesmo mês, a mesma Mônica Valente, à época secretária executiva do Foro de São Paulo e de Relações Internacionais do PT, discursou na abertura do 23º Encontro do Foro de São Paulo, nestes termos: “Temos celebrações, mas temos que seguir lutando e seguir resistindo, com muita força, a contraofensiva imperial e neoliberal, contra nossos governos e nossos partidos, como no caso de Venezuela, onde a contraofensiva da direita busca destruir os êxitos e as conquistas de um povo através da revolução bolivariana, e que nós do Foro de São Paulo temos um compromisso com a Assembleia Constituinte marcada para o dia 30 de julho”. Novamente, Maduro seria vítima de uma “contraofensiva imperial e neoliberal”, mas não apenas ele. A solidariedade e camaradagem dentro desse grupo, que inclui outras ditaduras, além da venezuelana, é patente com o uso do possessivo: “nossos governos”, “nossos partidos”.

Já em fevereiro de 2015, uma nota assinada pelo então presidente do partido Rui Falcão e Mônica Valente evita falar em protestos, os quais já ocorriam há cerca de um ano contra Nicolás Maduro, preferindo-se falar da “situação política venezuelana”: “O Partido dos Trabalhadores tem acompanhado com atenção a situação política venezuelana e expressa sua preocupação sobre fatos recentes que atentam contra a vontade popular. Diante dos fatos noticiados, reafirma seu repúdio a quaisquer planos de golpe contra o governo legitimamente eleito de Nicolás Maduro”. Mais uma vez, o povo venezuelano que bravamente protestava contra o desastroso governo chavista era tratado como golpista.

Eu poderia continuar esse exercício por muito mais tempo (há farto material no site do PT para isso), mas, para além de me estender demasiado e entediar o leitor com mais do mesmo, creio que o que apresentei até aqui já é o suficiente para que fique claro que o PT presta há anos apoio à ditadura venezuelana.

Apoio de Lula

Como há aqueles que pensam ser lulistas sem serem petistas, ou ainda uma turma que se define como de centro e vive a namorar Lula, crendo que ele é um personagem muito moderado e não alinhado às vozes mais tresloucadas de seu partido, e podem mesmo estar dispostos a afirmar que a posição do PT não reflete a de Lula, apresento agora fatos que demonstram de forma insofismável que o apoio de Lula ao ditador amigo ecoa o de seu partido.

É importante lembrar que, na ocasião da eleição de Maduro em 2013, a Venezuela já não era exatamente o que chamaríamos de democracia. Hugo Chávez, como era de se esperar de um militar que havia tentado um golpe de Estado em 1992, conduziu a sua chamada “Revolução Bolivariana” com o autoritarismo que demandava esse “socialismo do século XXI”. Em um processo que incluiu uma nova Constituição em 1999, que aumentou de cinco para seis anos a duração do mandato presidencial, introduzindo a possibilidade de reeleição, entre outras medidas “bolivarianas”, uma nova reforma constitucional em 2009 extinguiu de vez o limite para o número de vezes que um presidente poderia ser reeleito com intenções claras de manter Chávez no poder.

É de conhecimento público que Chávez aparelhou o estado, em especial o Judiciário, de modo que sua longa estadia de 14 anos no poder — cessada tão somente com sua morte — não pode ser considerada democrática. De fato, tomando como base o Índice de Democracia, da revista The Economist, que apresenta uma escala de 0 a 10, baseada em critérios como eleições livres e justas, liberdades civis, preferência da população pela democracia, participação política e um governo funcional, temos que, desde o início do índice em 2006, até a morte de Chávez em 2013, a Venezuela se manteve como um “regime híbrido”, com uma pontuação variando de 5,4 (2006) a 5,1 (2013). Já sob Maduro, podemos notar uma clara inclinação descendente, e hoje a Venezuela é catalogada como um regime autoritário.

Foi nesse cenário que, em 2013, Lula gravou um vídeo em apoio à candidatura de Nicolás Maduro, o qual foi utilizado por sua campanha. No vídeo, o então ex-presidente brasileiro fala sobre seu convívio com Maduro quando ele era ministro das Relações Exteriores da Venezuela e afirma que ele teria se “destacado brilhantemente na luta para projetar a Venezuela no mundo e na construção de uma América Latina mais democrática e solidária”. Sim, segundo Lula, Maduro seria um expoente da democracia. Ele também faz questão de reforçar a relação entre Maduro e seu grande amigo Hugo Chávez: “Os dois, compartilharam as mesmas ideais sobre o destino de nosso continente e os grandes problemas mundiais”. De fato, compartilharam, e, se dependesse dessa dupla, que tinha a exportação da “Revolução Bolivariana” como desiderato, a América do Sul inteira estaria à mercê de regimes autoritários de esquerda. Lula finaliza o vídeo dizendo que não seria sua intenção interferir em um assunto interno da Venezuela, mas que não poderia deixar de dar seu “testemunho”, além de felicitar a Venezuela por seu recente ingresso no Mercosul.

Façamos um adendo aqui. Por anos, a Venezuela pleiteou entrar no Mercosul, encontrando, contudo, a resistência do Paraguai, devido à falta de normalidade democrática no país. Contudo, aproveitando-se da suspensão do Paraguai no bloco, devido a questionamentos quanto ao processo de impeachment de Fernando Lugo (presidente do Paraguai destituído em 2012), aprovou-se a entrada da Venezuela no bloco, em um movimento capitaneado pela então presidente Dilma Rousseff e por sua análoga argentina, Cristina Kirchner. Temos, então, que a entrada da Venezuela no bloco sul-americano foi possibilitada pela atuação do Brasil durante uma gestão petista. Não por acaso, meses depois, Lula, convertido em cabo eleitoral de Maduro, lembraria com regozijo do fato.

Alguém poderia, então, olhar para a situação da Venezuela sob Maduro e pretender, julgando de forma relativa, por seu governo ser pior que o de Hugo Chávez, que, quando Lula fez campanha para Maduro em 2013, ele não poderia saber os rumos que as coisas tomariam. Primeiro, lembremos que, como demonstrado aqui, a Venezuela não vivia uma democracia sob Chávez, e isso era de conhecimento público, ainda que Lula sempre o tenha tratado como um perfeito democrata, fato que perdura até os dias de hoje.

Em maio de 2023, durante o encerramento da cúpula dos presidentes da América do Sul, Lula deu uma prova do ponto ao qual suas simpatias por Chávez podem chegar e, fazendo alusão aos processos que sofreu no âmbito da Operação Lava Jato, fez uma comparação entre ele e o finado presidente venezuelano: “Desde que o Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa contra ele, e eu tive a oportunidade de ver isso, uma narrativa em que você determina que o cara é um demônio. A partir do momento que você cria a narrativa que ele é demônio, a partir daí, você começa a jogar todo mundo contra ele. Foi assim que aconteceu com o Chávez, foi assim que aconteceu comigo”. Vejam só, Chávez seria, tal como ele, uma pobre vítima da opinião pública.

Segundo, seu apoio pela ditadura venezuelana, agora personificada por Maduro, não foi abalada nem quando o sofrimento dos venezuelanos já era impossível de ser ignorado pelo resto do mundo. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 7,7 milhões de venezuelanos emigraram da Venezuela durante a última década. Para se ter uma ideia da dimensão desse número, considerem que a população estimada da Venezuela é de 28 milhões de pessoas. Isso não impediu Lula de receber Maduro com honras de chefe de Estado no ano passado. O fato se deu quando o ditador veio ao Brasil para participar da supracitada cúpula dos presidentes da América do Sul. Maduro foi o único presidente a ser recebido com tais honrarias durante o evento e o único a ter um encontro bilateral com Lula. Nada escancara melhor o apoio de Lula à ditadura venezuelana do que assistirmos, constrangidos como nação e espezinhados como cidadãos, a Nicolás Maduro subir a rampa do Planalto.

E Lula foi além: discursando ao lado de Maduro, chamou de “narrativa” a acusação de que a Venezuela não é democrática e Maduro é autoritário e ainda instigou o ditador a “mostrar a sua narrativa”. Passou despercebida por muitos, ainda, uma confissão que atesta o comprometimento de longa data do petismo com o autoritarismo bolivariano: “Essa narrativa, durante muitos anos, o Celso Amorim, que era meu ministro, e eu, andávamos ao mundo explicando que não era do jeito que as pessoas diziam que era [sic]”. Vejam só, Lula, que, em 2013, virou cabo eleitoral de Maduro, quando anteriormente presidente, foi um garoto propaganda do chavismo no resto do mundo.

Talvez esteja em curso uma tentativa de afastar a imagem de Lula da de Maduro, o que explicaria a posição titubeante da diplomacia brasileira em relação às eleições, sabidamente fraudadas — a contínua recusa em reconhecer a fraude, em que pese o não reconhecimento oficial da vitória do ditador. Um novo capítulo dessa possível tentativa de afastamento foi o veto do Brasil à entrada da Venezuela no BRICS, o que foi qualificado como uma “agressão” e um “gesto hostil” pela diplomacia venezuelana. Tal estratégia de desvinculação, não tenham dúvidas, tem a ver com a combalida popularidade de Lula e com uma guerra de melindres: Maduro ficou melindrado por não ter sua vitória prontamente reconhecida pelo Brasil, e Lula, por sua vez, ficou melindrado pelas provocações do “companheiro”. O que importa aqui é não cair na conversa fiada, caso queiram vender tal ideia, de que o afastamento guarda relação com o perfil autoritário de Maduro. Temos provas robustas de que Lula sempre negou a existência de uma ditadura na Venezuela, bem como sempre apoiou, primeiro, o governo de Chávez, e depois o de Maduro. Além disso, seu partido não perdeu tempo em reconhecer a farsa da vitória do ditador. Mesmo que amanhã Lula vire a casaca e, por algum milagre, se torne crítico da ditadura de Maduro, estaremos diante de um teatro, de mais uma picaretagem da “alma mais honesta do país”. Sua história pregressa de apoio, aberto e explícito, até pelo menos o ano passado, não permite uma tardia tentativa de desvinculação entre Lula e a ditadura venezuelana.

Financiamento

Um artigo sobre a relação entre o PT e uma ditadura de esquerda amiga não estaria completo se não tratasse também do financiamento, ainda que indireto, que gestões petistas passadas fizeram com dinheiro público a esSes governos.

Conforme dados do Ministério da Fazenda, o valor da dívida da Venezuela com o Brasil em 31 de maio deste ano era, em reais, de R$ 9,45 bilhões, dos quais a maior parte se refere a juros por atrasos no pagamento. O atual governo petista argumenta que os pagamentos cessaram devido ao congelamento das relações bilaterais no governo Bolsonaro, mas ignora que os atrasos no pagamento da dívida começaram em 2017, ao passo que o governo de Bolsonaro só iniciou em 2019.

A dívida se originou de uma das políticas desenvolvimentistas preferidas do petismo, cuja legitimidade eles seguem defendendo, já que “beneficiaria” empresas brasileiras. Conforme o modelo, empresas brasileiras que exportassem bens ou serviços poderiam ser pagas pelo BNDES, ao passo que o país ou empresa estrangeira contratante passaria a dever ao banco. Em se tratando da Venezuela, o banco disponibilizou US$ 1,5 bilhão para serviços de engenharia no país. O que se ignora no argumento de que tal política seria benéfica para o Brasil é que a) a maior parte das beneficiárias foram empreiteiras implicadas em esquemas de corrupção, em especial a Odebrecht, e b) o governo brasileiro estava assumindo o risco com o dinheiro do brasileiro. Sim, é verdade que o país beneficiário dos serviços deveria pagar a dívida, mas o que aconteceria se não pagasse? Exatamente o que aconteceu: a Venezuela se beneficiou com a realização de obras, as quais segue sem pagar em sua totalidade, a empresa que as executou e que em uma economia de mercado deveria assumir o risco da inadimplência, recebeu ainda assim, e o contribuinte brasileiro ficou a ver navios. Conforme dados do Ministério da Fazenda, levantados em matéria da Gazeta do Povo, há cinco operações que seguem inadimplentes: linha 5 do metrô de Caracas e a linha 2 do metrô de Los Teques, construção do estaleiro Astialba e da Siderúrgica Nacional, além da venda de aeronaves da Embraer à empresa estatal venezuelana Conviasa.

Basta observar o padrão desses empréstimos e os países beneficiários, que, além da Venezuela, incluíram Cuba e ditaduras africanas, para concluir que havia uma boa vontade muito grande das gestões petistas para com os “governos amigos”.  Sintomático da relação de Lula com o chavismo foi o anúncio do lançamento da Refinaria de Abreu e Lima (Rnest) em 2005, no que seria uma parceria entre a Petrobras e a PDVSA, estatal venezuelana de petróleo. Segundo as tratativas, a Petrobras responderia por 60% do capital da nova estatal, e a PDVSA por 40%.

Ocorre que o que pode ser descrito como um “acordo de camaradas” entre Lula e Chávez nunca foi formalizado, e, depois de anos cobrando a Venezuela e a PDVSA, que nunca desembolsaram um único centavo no projeto, a Petrobras desistiu da parceria e de cobrar a “parceira”, de modo que o Brasil arcou sozinho com o custo de mais de US$ 20 bilhões para construir a refinaria, que, para variar, foi objeto de denúncias de corrupção. Como um dos alvos do chamado “clube de empreiteiras”, esquema revelado pela Operação Lava Jato, em que grandes empreiteiras rifavam projetos de obras públicas, a Refinaria Abreu e Lima se converteu em mais um dos símbolos de corrupção das gestões petistas. O mais irônico é que a ideia de construir a refinaria teria partido do próprio Hugo Chávez.

Conclusão

Há poucos dias, a Missão Internacional Independente da ONU de Apuração de Fatos sobre a Venezuela emitiu um novo relatório em que mantém a preocupação com as violações dos direitos humanos no país, agravadas agora pela repressão durante e após as eleições.

Conforme o comunicado da missão, as violações incluiriam “detenções arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados de curta duração e violência sexual, que são levadas a cabo como parte de um plano coordenado para silenciar os opositores ou aqueles considerados como tal.”  Destaca-se que, entre as vítimas, estariam crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Aliás, no período pós-eleitoral, a Missão dá conta da detenção de 158 crianças em virtude de protestos contra o governo.

A Missão da ONU foi estabelecida em setembro de 2019 com o fim de avaliar as diversas denúncias de violações de direitos humanos que teriam sido cometidas pelo menos a partir de 2014 na Venezuela. O mais recente relatório está em linha com seus anteriores ao qualificar as violações chavistas como crimes contra a humanidade.

Creio que demonstrei de forma satisfatória que o PT mantém e manteve um apoio ideológico desde a primeira hora ao chavismo, não retrocedendo nem mesmo diante das amplas evidências de violações aos direitos humanos na Venezuela; que esse apoio não se resume a notas de apoio, mas que se materializou em atos de governo de explícito apoio, como o tratamento diplomático dado a Maduro e exclusivamente a Maduro, e como o fato confesso de que Lula usou a diplomacia brasileira, enquanto presidente, para tentar melhorar a imagem de Hugo Chávez e de seu governo (que já não era tido como democrático, mesmo que ainda não tivesse se convertido em uma ditadura aberta); que tanto Lula quanto o PT se esforçam para negar a existência de uma ditadura na Venezuela e, pasmem, tratam o que se passa ali como um exemplo de democracia, em desafio aos fatos e à acachapante evidência personificada pelos mais de 7 milhões de venezuelanos que se viram obrigados a abandonar sua pátria.

Que ninguém se esqueça — e a este propósito dedico este artigo — que, cada vez que se sensibilizarem com as notícias de mortos em protesto, de torturados, de crianças encarceradas, de milhões de refugiados, que fogem da fome e do arbítrio por obra da ditadura venezuelana, devem contar o Partido dos Trabalhadores como um dos grandes entusiastas do chavismo, como o bom sócio ideológico do autoritarismo de esquerda que sempre foi.

Fontes:

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https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-rebate-criticas-por-nao-citar-venezuela-na-onu-por-que-tenho-que-falar-em-todo-lugar/

https://www.revistaoeste.com/mundo/atas-que-provam-a-fraude-de-maduro-chegam-a-oea-e-agora-lula/

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/10/6955454-aprovacao-de-lula-cai-e-reprovacao-aumenta-aponta-pesquisa-da-quaest.html

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/12/07/partido-de-maduro-vence-eleicoes-legislativas-na-venezuela-com-alta-abstencao.ghtml

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https://veja.abril.com.br/economia/petrobras-abre-mao-de-cobrar-divida-da-venezuela

https://news.un.org/pt/story/2024/10/1839241

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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