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Não, João Doria, é preciso ter mais sensibilidade

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Tudo começou com a demonstração de simpatia com o desarmamentismo. Depois a não-redução de tributos, a regulamentação absurda e irracional dos aplicativos de transportes. Agora Doria, que, depois de tantas decepções, já não parece um nome cotado muito seriamente à presidência, conseguiu catapultar-se ao ápice de sua escalada demagógica, de forma tão atribulada que merece comentários.

Quando sua presença na política, apesar de ser um social democrata e nunca ter negado isso, parecia representar para certa parcela da população uma esperança de dinamismo administrativo e ruptura com o patrimonialismo arraigado na cultura política brasileira, Doria mergulhou na “trapalhada de ouro” de sua acelerada decadência. Decretou que ex-prefeitos poderiam desfrutar de segurança pessoal e para suas famílias durante um ano após deixarem o cargo.

O detalhe curioso: ele mesmo, que tanto frisou que cumpriria seu mandato na prefeitura até o fim, querendo agora ser candidato ao governo do estado, deveria estar na lista de especiais protegidos. Como todos os cidadãos, em um país com sessenta mil homicídios anuais, reclamam mais segurança, e há um clamor geral pela contenção de privilégios dos políticos e funcionários públicos mais abastados, foi bastante previsível uma reação desaprovando a atitude.

Que fez Doria? Gravou um vídeo em que dizia:

“Quero primeiro esclarecer que reembolsarei a Prefeitura de São Paulo o valor mês a mês correspondente a esse serviço, exatamente como faço com o meu salário. (…) Fiz isso porque a recomendação da Segurança da prefeitura de São Paulo foi para proteção daquele que, ocupando o cargo, tem a obrigação e o dever de tomar medidas duras, e eu tomei”, ele disse, fazendo alusão à prisão de centenas de criminosos e o combate ao contrabando (sendo que, lembremos, a Polícia Militar é responsabilidade do governo estadual, não da prefeitura).

Em primeiro lugar, é interessante que o prefeito de São Paulo, ao mesmo tempo em que defende negar amplamente ao cidadão o seu direito ao porte de armas, porque tem “nojinho” delas – não gosta sequer que crianças usem arminhas de brinquedo, que horror! -, tenha pretendido estender, para si mesmo e seus sucessores, o direito a uma proteção armada particular. A proteção, em seu caso específico, perduraria durante toda a campanha ao governo do estado, tendo ele já abandonado o cargo para o qual foi eleito a fim de pleitear um superior. Seria, assim, o único, comparado a seus adversários, que contaria com esse benefício extra.

Além disso, fica complicado entender por que Doria pensou em receber esse serviço se ele pretende oferecer ao cidadão paulistano a garantia de que reembolsará totalmente a prefeitura. Ora, carambolas, se ele tem certeza de que terá os recursos necessários para custear essa segurança, por que não a contrata de imediato na iniciativa privada? Por que a pretensão de se servir do erário do Estado e desviar seguranças para proteção dele próprio, mulher e filhos, estabelecendo mais um dispositivo em favor de ex-mandatários do Executivo que não existia antes?

Tudo que se quer é um pingo de sensibilidade para perceber o que pede o momento do país. Doria não teve essa sensibilidade. Baixou um decreto questionável, publicou um vídeo sem pé nem cabeça para se justificar e, logo em seguida, o que acaba de fazer? Recua e decide modificar o decreto, concedendo o benefício, aos 45 do segundo tempo, apenas a quem assumir a prefeitura depois dele.

Menos mal? Menos mal. Porém, permanece o equívoco de uma medida que vai na contramão do movimento desejado pela sociedade e, mais do que isso, a marca dos titubeios e vacilações do processo. Sobretudo, permanece a incoerência. A preocupação neste momento deve ser em garantir que o cidadão possa respirar mais aliviado na hora de pôr os pés fora de casa, não em criar mais penduricalhos para favorecer alguém apenas em virtude do alto cargo que acabou de ocupar. Se o prefeito de qualquer cidade se sente ameaçado e não pode contratar a segurança privada, contate a polícia, entre com pedido de proteção, como qualquer pessoa deve poder fazer. Nem mais, nem menos.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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