Movimentos de “renovação” da política precisam provar o valor dessa “novidade”

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A imprensa tem repercutido com curioso interesse a emergência de uma série de movimentos organizados, com espírito de juventude, que estariam trazendo novas perspectivas ao modo de fazer política no país. O Movimento Brasil Livre, um movimento marcadamente jovem, que esteve entre os que convocaram as maiores manifestações da história do Brasil contra o governo lulopetista, nunca recebeu a mesma atenção, muito menos os mesmos paparicos dos órgãos de imprensa. Contudo, invenções como “Acredito”, “Agora!” e “Convergência” estão frequentando a imprensa com ares de frescor e inovação positiva.

Respeitamos sumamente qualquer iniciativa da sociedade civil para qualificar as mobilizações do nosso processo político e as pautas que precisam ser discutidas. Contudo, às vezes é preciso que banquemos o tiozão chato, pois, como Nelson Rodrigues não deixaria mentir, a “juventude”, ou mesmo a “novidade”, não têm qualquer primazia pré-determinada. É preciso apresentar credenciais que comprovem que as suas alternativas são melhores e mais sólidas que as atuais, bem como provar que efetivamente são diferentes e não apenas uma espécie de “reciclagem” de velhos erros já arqui-sabidos.

Temos visto muitos desses movimentos apresentarem essa “renovação” e a “oposição ao velho caciquismo oligárquico que aí está” como seu único predicado. Eles acreditam, cada um com suas especificidades, em reunir “novas cabeças” para pensar os problemas do país e influenciar a dinâmica partidária. Honestamente, não vejo nada de ruim nisso, a priori. Sério mesmo. Só que isso é muito pouco. É grande o risco de ser um discurso muito bonito e vago. Primeiro porque, como disse Gustavo Franco ao Roda Viva, essas pessoas, mesmo que não como movimento, mas ao menos individualmente, precisarão escolher candidatos para representarem suas pautas na política partidária, no espaço institucional genuinamente destinado a essa representação pelo voto, ou precisarão se lançar elas próprias.

Segundo porque a História está repleta de exemplos de “novidades” que se provaram tragédias piores que aquilo que pretendiam substituir. Tomemos, por exemplo, o caso do “Acredito!”, provavelmente o mais dissecado desses movimentos pelos analistas e colunistas conservadores e liberais. Sua ligação com o bilionário Jorge Paulo Lemann já foi denunciada aos montes – o que, em si mesmo, não seria pecado algum; quantas vezes gostaríamos de ter mais dinheiro para realizar nossos projetos? Se eles tivessem conseguido e fizessem bom uso disso, nada haveria a fazer senão dar-lhes os parabéns.

Quando, entretanto, eles começam a ser anunciados como um “MBL progressista”, a coisa já muda de figura. Qualquer analogia com o MBL é palhaçada; goste o leitor ou não do MBL, o movimento tem uma bagagem muito maior de atuações e presença nos recentes anos da vida brasileira. Mais do que isso, porém, o problema está em se dizer “progressista”; no linguajar político contemporâneo, que quer dizer isso? Não é difícil descobrir. Uma espiadela em seu site oficial mostra estrovengas como palavras com “xzinho” em vez de “o” e “a” para “neutralizar o machismo da língua portuguesa”. Duvida? Na seção “Nossos Valores”, eles dizem: “Só construiremos uma nação meritocrática e desenvolvida quando tivermos igualdade de oportunidades e uma rede de proteção que garante dignidade a todxs, permitindo valorizar o principal patrimônio nacional: brasileirxs”. Não sei o leitor, mas pessoalmente não conhecemos nenhum “todxs” nem “brasileirxs” e não apoiaremos movimento algum que escreva dessa maneira.

O “Acredito” diz ainda que acredita em “ações afirmativas, no papel ativo do Estado e da sociedade no combate ao racismo, LGBTfobia, xenofobia, preconceitos regionais, intolerância religiosa e outras formas de discriminação e opressão”; também dizem que rechaçam “a disputa simplista entre estado grande e mínimo”, pois este deve “garantir o acesso adequado a bens e serviços públicos de qualidade”, sendo necessária “uma gestão voltada a resultados”. Dispensável qualquer elaboração mais profunda; está claro nas entrelinhas – e mais até do que nas entrelinhas – que isso é um petismo perfumado ou um tucanismo ainda mais sem graça. Qual é a real novidade? O que realmente isso acrescenta que já não tenha sido dito?

Já o “Agora!” não é tão terrivelmente explícito. Ele ganhou as páginas da grande imprensa recentemente devido a conversas que estaria desenvolvendo com Luciano Huck, um quase-candidato à presidência desarmamentista cercado de seguranças armados cujo grande predicado, com todo respeito, é fazer caridade com o dinheiro dos outros em seu programa televisivo. Convenhamos, não é uma boa carta de apresentação para um candidato, muito menos para um movimento que cogite apoiá-lo, diante da realidade que vivemos… O “Agora!” enfatiza o fato de ser composto de profissionais de diferentes setores e que pretendem desenvolver pautas produtivas para essas diversas áreas. O que o “Agora!” e o “Acredito” têm em comum? Bem, o “Agora!” sustenta como seus princípios fundamentais o “compromisso com interesse e serviços públicos”, o “respeito ao diálogo democrático, avesso à polarização e a extremismos” – já vimos esse filme antes; geralmente essa retórica traveste o discurso daqueles que consideram quem critica a ideologia de gênero ou o aborto um bando de “extremistas”, ou quem diz a obviedade de que o PT é parceiro do socialismo bolivariano um “radical paranoico” -, o “compromisso inegociável com a ética” – jura? Quem não diz isso? -, a “busca por soluções concretas para os desafios do país” e o, tcharam!, “foco no combate às desigualdades”.

É uma realidade, nem sempre constatada pelos conservadores e liberais, que existem fraturas sociais consideráveis na sociedade brasileira. Uma favela em um morro carioca dominada por criminosos, por exemplo, costuma ser um ambiente social de rotina e repertório simbólico eminentemente distintos dos de uma Zona Sul. É claro que isso precisa ser combatido. Será se atacarmos as causas corretas – e a abstrata “desigualdade” não é uma delas. Como bem já disse Roberto Motta em seu livro Ou Ficar a Pátria Livre, antes a “desigualdade” de um país desenvolvido pujante que a “igualdade” na miséria de países socialistas, onde só os “comandantes” do partido e seus apaniguados desfrutam do luxo. Falar em “combate à desigualdade” é, mais uma vez, chover no molhado e não significar coisa alguma de concreto.

Fechamos esta relação com o Convergência. É uma iniciativa nascida no Rio de Janeiro, já com núcleos em São Paulo e no Espírito Santo, que visa congregar “uma rede de empreendedores cívicos, sociais e políticos” e “conectar os mais diversos movimentos de renovação política”. O “Acredito”, o “Agora!” e até o “Vem Pra Rua” já têm membros participando do movimento. Carmen Miguelles, que concorreu à prefeitura do Rio pelo Partido Novo, também expôs seu apoio à iniciativa. Mais uma vez: não vemos crime em promover uma discussão ampla sobre a realidade social com grupos diferentes com vistas a soluções pontuais. Porém, vejamos o que disse o economista Daniel Duque, do PSL/Livres, sobre a filosofia do movimento: “Tenho certeza de que Leandro Lyra, atual vereador pelo Novo, discorde ideologicamente em quase tudo com a bancada do PSOL na Câmara Municipal do Rio, mas por incrível que pareça eles acabam votando mais parecido do que com qualquer outra bancada ou partido, porque nenhum dos dois aceita entrar no balcão de negócios que é a casa legislativa carioca. Somente com a união de lideranças que se importam verdadeiramente com o bem público e respeitam os princípios éticos da política nós poderemos ter alguma chance de furar o atual sistema eleitoral. (…) A discussão ideológica deve vir após termos certeza de que estamos discutindo com quem merece estar nas casas legislativas e executivas dos governos municipal, estadual e federal”.

A intenção é louvável, porém, de boas intenções, o Inferno está cheio. O discurso de que precisamos de “boas pessoas” para substituir a carcomida estrutura dos oligarcas criminosos que nos governam já serviu bem ao PT, já serviu bem aos republicanos golpistas de 1889, já serviu bem à ditadura de Vargas e até ao regime militar, na decisão errada de se prolongar por duas décadas. Da mesma forma também o discurso de todos esses movimentos de que precisamos de “grandes profissionais” destacados em suas áreas, “empreendedores sociais” e quejandos no lugar dos nossos políticos ditando os rumos, um eco apressado da velha retórica positivista dos “especialistas” instalados na burocracia ditando as decisões.

Não adianta o socialista ter “a melhor das intenções”, que suas teses serão muito mais perniciosas, autoritárias e desastrosas que qualquer presidente corrupto da Alerj. Não adianta querer esperar ter nas casas legislativas e executivas “quem merece” estar lá, porque quem decide “quem merece” estar lá é quem votar para colocar representantes lá. Esse é o ponto. Que estrovengas como o voto proporcional com as coligações prostituídas no sistema político brasileiro comprometem a representação, é fato; mas isso não pode ser alegado para destronar a ideia da representação em si. Combatam isso, não a “desigualdade”, a “corrupção”, a “falta de compromisso com a ética” ou qualquer generalidade do tipo.

Muito válida, repetimos, a mobilização da sociedade civil. No mundo real, entretanto, o brasileiro não quer ser doutrinado a dizer que homem é mulher ou a “entender” como ele é machista ou homofóbico porque se recusa a dizer isso; não quer que uma pessoa tenha privilégios para assumir qualquer cargo ou vaga via “ações afirmativas”. O brasileiro quer segurança, quer criminoso na cadeia e quer reduzir esses impostos escorchantes. Se os movimentos ficarem em um estranho pedestal de vaguezas e não falarem a língua da vida real, essa novidade já nasceu velha – e, quando flerta com agendas deploráveis como a ideologia de gênero, ou quando insinua que sabe mais do que o cidadão em quem ele deve confiar para ser seu representante, mais do que velha: nociva.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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