Lições de Hong Kong para o Brasil
O caso de Jimmy Lai, empresário e ativista pró-democracia de Hong Kong, é um símbolo vivo da luta contra o autoritarismo e a repressão. Fundador do jornal Apple Daily, conhecido por criticar o governo chinês, Lai se tornou alvo direto da Lei de Segurança Nacional imposta pela China em 2020. Acusado de “colusão com forças estrangeiras” e outros crimes definidos por essa lei, ele se encontra preso, aguardando julgamento sobre seus supostos crimes.
Promulgada sob o pretexto de proteger a segurança e a soberania da China, a Lei de Segurança Nacional tem sido usada para silenciar opositores, sufocar a imprensa e restringir os direitos civis em Hong Kong. Seus termos amplos e vagos – que incluem crimes como “subversão” e “secessão” – permitem que o governo interprete qualquer ato crítico como uma ameaça à segurança nacional. Essa lei, na prática, criminalizou o ativismo pró-democracia e abriu caminho para uma repressão sistemática contra dissidentes.
Jimmy Lai é apenas um exemplo entre milhares de cidadãos que sofreram com essa repressão. Seu caso, porém, ganha destaque por seu impacto simbólico: um empresário de sucesso, que poderia ter se acomodado em sua vida privilegiada, escolheu lutar por aquilo em que acredita, mesmo enfrentando as consequências mais severas.
A imposição dessa lei também teve um efeito devastador sobre a imprensa em Hong Kong. O fechamento do Apple Daily não foi apenas o encerramento de um jornal; foi um golpe direto contra a liberdade de imprensa e o direito à informação. O silêncio que se seguiu ecoa o medo de que qualquer voz dissidente possa ser a próxima.
Embora a realidade brasileira esteja distante da de Hong Kong, existem paralelos que precisam ser analisados com atenção. Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um aumento preocupante na utilização de leis e decisões judiciais para restringir liberdades individuais e silenciar críticos. Casos envolvendo a remoção de conteúdos de redes sociais, censura prévia e punições desproporcionais a jornalistas acendem o alerta para uma possível escalada autoritária.
A legislação brasileira, assim como a chinesa, permite interpretações amplas que podem ser usadas para justificar atos contra a liberdade. A Lei de Segurança Nacional brasileira, revogada em 2021 e substituída pela “Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito”, por exemplo, traz dispositivos que, se mal utilizados, podem abrir brechas para abusos. Termos como “atentado ao funcionamento das instituições democráticas” e “golpe de Estado” podem ser manipulados para atingir alvos políticos ou censurar críticas legítimas.
O caso mais recente de remoção de conteúdos do “X” (antigo Twitter) e ameaças de prisão à executiva da empresa é um exemplo que chama a atenção. Embora as decisões sejam justificadas por alegações de combate à desinformação, o uso desproporcional de medidas coercitivas levanta dúvidas sobre os limites da atuação estatal. A linha entre a proteção do interesse público e o abuso de poder é tênue e, quando ultrapassada, pode comprometer os fundamentos democráticos.
A história de Jimmy Lai nos convida a refletir sobre o custo da liberdade e sobre o quanto estamos dispostos a defendê-la. A democracia é frágil e exige vigilância constante. Em Hong Kong, a falta de resistência internacional e local permitiu que a Lei de Segurança Nacional fosse usada como uma arma contra os próprios cidadãos. No Brasil, o risco é que a apatia da sociedade diante de pequenos abusos abra caminho para restrições cada vez mais severas.
A lição de Hong Kong é clara: leis que limitam a liberdade, mesmo sob o argumento de proteger a sociedade, têm o potencial de se transformar em ferramentas de opressão. O caso de Jimmy Lai e a repressão em Hong Kong mostram como a liberdade de expressão pode ser erodida de forma gradual e permanente.
A liberdade, seja de expressão, de imprensa ou de pensamento, não é um luxo, é a base de qualquer sociedade democrática. Não podemos ignorar os sinais de alerta. Precisamos lembrar que, enquanto houver quem lute por seus direitos – como Jimmy Lai –, ainda haverá esperança para a democracia. Que sua história inspire o Brasil a fortalecer suas instituições e a resistir a qualquer tentativa de silenciar a voz do povo.
*André Paris é associado do Instituto Líderes do Amanhã.