Eles só querem ter controle total

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Ditaduras se estabelecem aos poucos, criminalizando a verdade e legalizando a mentira.

“Deus sabe que todos eles só querem ter controle total
Querem saber o que você pensa
Querem saber o que você faz
E eles acham que você não sabe
Mas eu sei que você sabe.”

(Oliver Anthony, cantor country norte-americano)

Imagine que o mandatário de uma nação, em cadeia nacional e com cara de poucos amigos, anuncie: “Povo do meu país, neste momento solene da nossa história quero dizer que, para o bem de todos, estamos inaugurando uma ditadura, com a supressão de todas as liberdades individuais e punições severas para quem discordar de qualquer medida que venhamos a tomar pelo bem comum”. Uma cena assim é factível?

Jamais! Algo desse tipo jamais aconteceu e certamente nunca acontecerá. Se nem Orwell, na famosa obra 1984, ousou colocar o “Grande Irmão” fazendo alguma coisa parecida, com mais forte razão uma confissão pública de autoritarismo como essa é impossível na vida real. Tiranos da pior estirpe, como Lenin, Hitler, Stalin, Pol Pot, Mao Tsé-Tung, Xi Jinping, Maduro, Fidel, Ortega e até mesmo o adiposo Kim Jong-un, líder da República “Popular Democrática” da Coreia do Norte, jamais admitem publicamente a sua tirania, assumindo que surrupiaram a liberdade e a democracia e anunciando para toda a população que o país agora lhes pertence. Quando mandam processar, prender ou fuzilar dissidentes, esses senhores — todos eles doutores na universidade do cinismo — fazem questão de dissimular, afirmando que são golpistas criminosos com um perigosíssimo “discurso de ódio” e que são uma grave ameaça ao “estado democrático de direito”.

Nunca é demais recordar — e a história nos ajuda fartamente nisso — que sempre que cidadãos foram obrigados a viver sob a canga de ditaduras, a perda da sua liberdade não aconteceu de uma só vez, em um estalar de dedos, mas pelo corte gradual, grão após grão, de suas possibilidades de escolha. Hayek descreveu a supressão da liberdade como um processo análogo ao de um salame que vai sendo cortado aos poucos, de fatia em fatia, até que desaparece.

Regimes totalitários são comumente implantados aos poucos, quase sempre com doses inicialmente lentas de restrições à liberdade, mas que vão se acelerando paulatinamente. Começam pela imposição de cautela, que vai se transformando sucessivamente em receio, depois em medo e, finalmente, em pavor, mediante um processo premeditado sub-repticiamente, em que a dosagem empregada pelos opressores para implantar o terror vai evoluindo: introduz-se com a exigência não explícita de que os indivíduos tenham prudência com o que pensam, escrevem, dizem e postam na internet; passa, no estágio seguinte — e já então contando com alguns exemplos de perseguição aos primeiros que se manifestaram contra o tirano e seus amigos —, pela mensagem, ainda implícita, da necessidade de preocupação com uma eventual perseguição; aumenta em seguida, já mais explicitamente, para a quase certeza de uma punição; e deságua na convicção de que haverá punição. Assim se dá a gestação das ditaduras e a evolução das distopias.

É evidente que jamais assistiremos a declarações de qualquer líder ou porta-voz de regimes ditatoriais reconhecendo que de fato censuram a liberdade de expressão, ou que realmente tratam as opiniões que os contrariam como crimes passíveis de pena. Sempre tergiversarão, com a alegação de que é preciso salvaguardar a democracia, ou o estado de direito, ou as instituições, ou inventarão qualquer outro pretexto, sempre o melhor que se ajustar ao momento, quando na verdade o seu intento é criminalizar tudo o que for de encontro à sua agenda, ameaçando retardá-la ou comprometê-la.

O grande alvo inicial na implantação de uma ditadura, sem dúvida, é a supressão da liberdade de expressão e de livre manifestação. A manipulação necessária à perpetuação do grupo no poder depende da eficácia das proibições. Por isso, quando alguém, algum grupo ou algum partido tem a intenção de instalar uma ditadura, a primeira providência que deve tomar, necessariamente, é atacar a liberdade de expressão de quem quer que tenha pensamentos considerados inconvenientes, já que o objetivo é suprimir as liberdades individuais, e estas não podem existir na presença de restrições à livre manifestação. A liberdade de expressão e de protesto, por assim dizer, é a mãe das demais liberdades e, portanto, precisa ser anulada, e os candidatos a tiranos sabem muito bem que esse propósito não pode ser concretizado de uma só vez, mas paulatinamente.

O processo revolucionário requer tempo para ocupar espaços na mídia, na Academia, nos sindicatos, nas artes, nos conselhos profissionais e tutelares, nos órgãos do Estado, nas associações de classes, na política e no judiciário, para em seguida começar a investir contra os inimigos. No início timidamente, contra um jornalista, depois sobre aquele blogueiro, em seguida sobre aqueloutro político, em um processo que vai deixando de lado a timidez e promovendo cada vez mais perseguições, impondo paulatina e consecutivamente a cautela, o receio, o medo e, por fim, o pavor a um número crescente de indivíduos. É assim o enraizamento de todos os regimes totalitários, sob o comando da “construção social” ditada pelo pensamento pós-moderno.

Tudo começa pela definição de uma agenda e pela tentativa de impô-la como um conjunto de verdades inquestionáveis, com o apoio vibrante de ideólogos dogmáticos, jornalistas fanáticos, sindicatos simpáticos, empresários lunáticos, políticos autocráticos e militantes idiossincráticos. Uma vez estabelecida a agenda, é tempo de transformá-la em leis, com o objetivo de impô-la, sob a pena de multas e prisões. Para tal é necessário, com base em um pretenso respaldo “científico”, abolir a realidade e substituí-la pela narrativa. O organicismo natural das leis, os usos e as tradições, portanto, precisam ser descartados, e o dissenso não pode ser tolerado. Ditaduras não tratam opositores como tal, mas como dissidentes, que acabam se tornando, cedo ou tarde, refugiados ou presos políticos, algo inexistente em qualquer democracia que se preze. Não existe “democracia relativa”.

A imposição não traumática de um regime totalitário requer, então, um método de abolição da realidade, de desconstrução da verdade e construção de uma nova realidade, formada pelo conjunto de mentiras que compõem a agenda e a subsequente imposição desse construto na forma de leis para uma nova ordem transformadora do país, para libertá-lo. É fácil entender que, nessa tarefa de desconstruir a verdade mediante intervenções em normas existentes, substituindo-as pelas que se quer impor como novas verdades, a cooptação do Judiciário é imprescindível. Assim foi em todas as ditaduras e assim será sempre. Afinal, é preciso criminalizar a verdade e legalizar a mentira.

O filósofo alemão Eric Voegelin (1901-1985) denominava de segunda realidade essa interpretação de falsidades que não passam de conjecturas ideológicas como se fossem verdades irrefutáveis, especulações e elucubrações imaginativas, que não revelam o mundo tal como é, mas a partir dos pressupostos falsos em que se baseiam, e enfatizava que a luta pela liberdade deve ter como objetivo imprescindível a restauração da primeira realidade — aquela que descreve o mundo como de fato é. Em linguagem mais simples, o que ele defendia era simplesmente que não podemos deixar as narrativas prevalecerem sobre os fatos.

É evidente que está em curso no planeta o mais recente experimento conduzido por pessoas que se acham donas da vida dos outros, com seus projetos megalômanos de igualar seres humanos a formigas, abelhas e cupins, insetos gregários desprovidos de individualidade, vontade e, portanto, dignidade. Não é a primeira vez que acontece uma investida totalitária com esse propósito, mas sem dúvida a atual é a mais perigosa de toda a história da civilização, porque não se apoia apenas em exércitos, mas principalmente na fantástica tecnologia corrente, cada dia mais capaz de nos vigiar, monitorar e controlar. Um verdadeiro prato feito para déspotas potenciais.

O mundo, infelizmente, está recaindo no maior dos equívocos do século passado, quando pouquíssimas pessoas dotadas de poder excessivo impuseram as suas vontades a povos inteiros. Essa cegueira ideológica, alimentada pelo purismo dos ingênuos utilizados como manobra, gerou a morte de milhões de inocentes, como nas experiências do nacional-socialismo (nazismo) e do comunismo, em que os grupos no poder, alimentados pela arrogância de intelectuais e pelos interesses de empresários que imaginavam ganhar rios de dinheiro com a sua adesão, tentaram impor pela força o seu conceito peculiar de “felicidade” a todos e cometeram crimes que envergonham a civilização.

O nazismo foi varrido da Terra à custa de muito sangue, mas, infelizmente, o comunismo ainda está aí, atestando que nem todos os vasos ruins quebram. E os comunistas do novo milênio uniram-se aos defensores do governo mundial para ameaçar as liberdades individuais com seus projetos de poder que nos contemplam como reles servos em benefício de seus desejos tirânicos. São todos despóticos, arbitrários, autocráticos, opressores e tirânicos. Há mais semelhanças entre Kim Jong-un e Klaus Schwab, ou entre Soros e Maduro, ou entre a turma do Silicon Valley e Xi Jinping do que a vã filosofia sugere.

Felizmente, parece que há sinais de que muitas pessoas já estão percebendo que sua liberdade está em risco. Um exemplo é o vídeo do cantor e compositor de folk-country Oliver Anthony, da Virgínia, interpretando o single Rich Men North of Richmond, em gravação independente que alcançou há poucas semanas o primeiro lugar na Billboard Hot 100, o que o tornou o primeiro artista a alcançar o topo das paradas sem nunca ter ocupado qualquer outra posição na lista. Em dado trecho, Anthony canta a frase da epígrafe deste artigo, que descreve precisamente as ações de supressão das dissidências por parte dos radicais de esquerda encastelados no atual governo norte-americano, que têm pressionado as empresas de redes sociais a censurar usuários.

Tudo o que os déspotas — sejam ideológicos, tecnológicos, sejam financeiros — querem é ter o controle total sobre nós. Experimente, por exemplo, em alguma rede social, mostrar interesse em saber o preço de um modelo de sapato anunciado e entenderá o que estou escrevendo. Em pouquíssimo tempo, o seu feed será transformado em uma enorme vitrine de uma sapataria.

Isso tudo quer dizer que estamos sendo permanentemente vigiados e espionados e à mercê de eventuais fraudadores, inclusive os oficiais, que estão vigiando nossos passos para roubar a nossa liberdade. Não é difícil imaginar o que teria acontecido caso os nazistas e comunistas do século 20 dispusessem, além de sua força bélica, do arsenal tecnológico atual. É muito fácil entender por que alguns governos manifestam verdadeira obsessão pelo controle das redes sociais. Para quem não é trouxa nem boboca, os motivos para tanto fascínio em nos controlar são muito claros.

*Artigo publicado originalmente na página da Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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