Capitalização para motoristas de aplicativo: um caminho inovador para a Reforma Previdenciária
Os mecanismos compulsórios de previdência por repartição criam um vínculo intergeracional devido à sua própria natureza e exigem a participação do maior número possível de contribuintes para garantir sua sustentabilidade, ao menos em um horizonte hipotético.
Devido aos problemas de incentivos intrínsecos ao modelo, os custos do sistema por repartição crescem constantemente em todos os países onde foi implementado. O desequilíbrio previdenciário é histórico, crônico, inevitável e tende a crescer. Ele decorre exclusivamente da estrutura do modelo: conforme a população envelhece, a expectativa de vida aumenta, e as contribuições da população ativa tornam-se proporcionalmente insuficientes para cobrir as despesas com inativos, pressionando o governo a elevar impostos e buscar recursos adicionais para cobrir déficits.
É nessa perspectiva que a política atual que busca regulamentar o setor das plataformas de transporte no Brasil se insere. É preciso ressaltar que não há hoje qualquer impedimento regulatório, jurídico ou contratual que impeça motoristas de aplicativo de acessar benefícios previdenciários destinados a autônomos ou contribuintes individuais – como aposentadoria por idade, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte.
O que ocorre é que, na esmagadora maioria dos casos, os motoristas autônomos preferem ignorar o governo e não aderir ou contribuir voluntariamente ao sistema estatal de previdência no regime individual, seja não declarando renda seja não emitindo a guia destinada aos contribuintes individuais e profissionais liberais. Segundo o Ipea, apenas 20% contribuem com os fundos da previdência.
O governo busca, então, uma maneira de predar na fonte por mecanismo compulsório o valor gerado pelos serviços prestados, e levantar valores que ajudem a cobrir os rombos da previdência estatal. A astúcia do vínculo empregatício que abordamos no artigo precedente reside nessa ferramenta, mesmo se muitos motoristas realizam corridas de maneira complementar ou trabalham ali para uma fonte de renda extra.
Nos termos da regulamentação e reforma da PL. 152/25, que tramita na Câmara, o débito incidirá apenas sobre a renda considerada do trabalhador, o que exclui os custos operacionais, gerando uma guia a recolher dos autônomos de acordo com seu tipo de cadastro: baixa renda, plano normal ou simplificado. O governo deseja, a qualquer custo, incluir os autônomos no regime estatal de previdência por repartição e descontar, já na fonte, uma parte de sua renda, que já vem diminuindo em média nos últimos anos em razão da expansão da concorrência e aumento do número de motoristas cadastrados.
Além da questão laboral tratada anteriormente, a ambição regulatória responde, essencialmente, a uma estratégia de aumento de arrecadação, visando a recolher das plataformas de transporte e dos motoristas uma parcela ainda maior de contribuições. Os tributos já existentes – IRPJ, CSLL, PIS/Cofins, ISS e ICMS – não parecem bastar ao governo, embora já encareçam os serviços aos usuários e aumentem as barreiras de entrada para novos empreendedores no segmento.
O projeto de lei PL 152/25 tornará o setor de transporte por plataformas mais oneroso para empresas e motoristas, que inevitavelmente repassarão esses custos aos consumidores finais. Isso tende a repercutir negativamente sobre o emprego, sobre a acessibilidade dos serviços para famílias de baixa renda e sobre o desenvolvimento do setor como um todo. Mas, sobretudo, não resolverá – nem sequer mitigará – o problema previdenciário brasileiro sob uma perspectiva de longo prazo.
A regulamentação incentiva uma transformação substancial no modelo de negócios, impondo novas condições de funcionamento. Ela interfere em contratos privados, altera a estrutura das relações entre os participantes, submete direitos e regras de prestação de serviço às mudanças legislativas, promove escassez e reduz as plataformas a meras concessões de serviços estatais de mobilidade urbana e logística.
Essa tentativa de alterar as regras do jogo revela um profundo desconhecimento do funcionamento dos mercados: as plataformas surgiram justamente para atender e oferecer serviços concorrenciais em setores onde o estatismo havia deixado gargalos e oportunidades e onde já predominavam a ineficiência e a falta de inovação.
Surge então a dúvida: não haveria uma maneira de organizar e assegurar a previdência dos motoristas de aplicativo, ampliando sua participação nos fundos estatais sem recorrer ao artifício de um vínculo empregatício fictício, sem alinhar os contratos às regras da legislação trabalhista tradicional, sem modificar a natureza do negócio e sem prejudicar a dinâmica de funcionamento do setor para empresas e usuários?
Iremos, portanto, explorar introdutoriamente a questão previdenciária brasileira e refletir sobre uma solução experimental baseada na capitalização, que poderá servir como laboratório para uma reforma mais ampla, com potencial de expansão futura ao Regime Geral.
O Regime Geral de Previdência
Em 2024, a soma das receitas previdenciárias no Brasil foi de R$ 691,1 bilhões, enquanto as despesas no mesmo período alcançaram R$ 1,11 trilhão, o que resulta em um déficit de R$ 418,9 bilhões apenas nesse exercício da previdência estatal.
Mesmo após as reformas implementadas em 2019, o Regime Geral (RGPS) manteve praticamente inalterado o nível médio de déficit. Entre todos os regimes existentes, o RGPS é aquele que registra o maior desequilíbrio. A maioria dos profissionais liberais participa desse regime, incluindo os motoristas autônomos.[1]
Aceitemos que o universo de motoristas autônomos trabalhando através das plataformas digitais no Brasil é de aproximadamente 2,5 milhões de indivíduos espalhados pelo território nacional. Esse grupo inclui motoristas de fretes e logística de carga em caminhões (Cargo X, Uber Freight), motoristas de transporte de passageiros (Uber, 99) e motoristas entregadores (iFood, Rappi), entre outros.
Em uma estimativa simples, ainda que suficientemente ilustrativa, caso a reforma fosse aplicada hoje e assumindo uma renda média residual de R$ 2.500,00, com uma taxa média de contribuição de 15% que incidiria sobre essa renda líquida (já descontados os custos operacionais), preveríamos um incremento máximo de cerca de R$ 12 bilhões anuais de arrecadação para o Regime Geral. Ou seja, pouco mais de 2% do déficit atual.
Modelos de capitalização
A capitalização, ao restaurar os valores da liberdade individual e os direitos de propriedade, é o único modelo que realmente satisfaz uma agenda ao mesmo tempo ética e economicamente sustentável para previdência.
No entanto, existem diversas maneiras de organizá-la conforme o grau de participação do Estado em sua implementação. Há, inclusive, arranjos institucionais mistos de coordenação e gestão, nos quais coexistem componentes públicos e privados. A capitalização pode ser inteiramente privada, voluntária, individual ou associativa; pode ser estatal, compulsória e regulada. Quando é compulsória, pode combinar elementos de capitalização e repartição para alcançar fins redistributivos e objetivos de “política social”.
O modelo que propomos é um sistema de capitalização compulsória, no qual uma parcela dos valores destinados à composição dos fundos de previdência dos motoristas autônomos seria distribuída da seguinte forma:
- Gerar receitas para o financiamento da previdência estatal (10%), atendendo a um propósito redistributivo e garantindo recursos para o pagamento dos benefícios de aposentados e pensionistas atuais;
- Destinar a maior parte dos valores (80%) à formação de um fundo privado de previdência em contas individuais, que renderiam juros compostos por meio de aplicações financeiras;
- Aplicar uma parcela (10%) na contratação de seguros privados, cobrindo essencialmente os mesmos riscos hoje amparados pela previdência estatal, além da possibilidade de estender a cobertura a riscos específicos dos motoristas autônomos profissionais liberais.[2]
Princípios do modelo do Fundo Privado de Previdência
Ao invés de transferir esse desconto na folha de pagamentos para a arrecadação dos fundos previdenciários do Regime Geral, a parcela destinada aos trabalhadores – ou o valor que incidiria exclusivamente sobre as pessoas físicas – passaria a compor uma conta individual de previdência privada, administrada por uma empresa gestora habilitada, que realizaria aplicações financeiras capazes de gerar juros compostos aos motoristas.
Cada motorista que aderisse voluntariamente ao regime de capitalização poderia cadastrar a instituição financeira de sua preferência, especialmente designada para gerir os valores arrecadados pelos serviços de aplicativo. Os demais teriam a opção de aderir apenas ao protocolo padrão do Regime Geral, permanecendo no modelo tradicional de repartição.
Caberia ao governo, em princípio, licitar ou credenciar empresas concorrenciais com experiência no setor, aptas a atuar dentro de um quadro regulatório específico para essa iniciativa – incluindo companhias de seguro, corretoras, bancos e fundos de pensão que já operam ou tenham interesse em operar no Brasil.
Existiriam produtos de previdência privada desenvolvidos especificamente para motoristas autônomos de plataformas, orientados por regras semelhantes às dos planos gerais dos regimes previdenciários de repartição, com o objetivo de assegurar garantias e condições equivalentes às atualmente oferecidas pelo sistema estatal.
As normas gerais estabeleceriam os critérios de aposentadoria, como idade mínima, tempo de contribuição, modalidades de resgate dos fundos e os tipos de produtos financeiros que poderiam compor a carteira de aplicações.
Em geral, os trabalhadores poderiam escolher livremente a empresa gestora de suas reservas e até selecionar os produtos de investimento preferidos, além de ter a possibilidade de mudar de gestora ao longo da vida ativa. Contudo, os fundos permaneceriam sob administração dessas instituições até que os critérios de elegibilidade previamente definidos para aposentadoria ou resgate fossem integralmente satisfeitos.
Divisão proporcional do modelo
Digamos que a tarifa destinada à previdência dos trabalhadores corresponda a 20% da renda considerada dos motoristas – isto é, a renda já descontados os custos operacionais necessários à execução dos serviços. Nesse caso, o trabalhador estaria enquadrado, dentro das regras atuais aplicáveis aos autônomos, na alíquota prevista para o contribuinte individual. O modelo, contudo, poderia ser replicado para outras categorias de contribuintes previstas na legislação vigente.
A remuneração média de motoristas autônomos freelancers, sem vínculo empregatício, que atuam em aplicativos de transporte ou de entregas no Brasil, varia significativamente conforme o tipo de atividade, a região, o número de horas trabalhadas e despesas operacionais, como combustível e manutenção. Motoristas de caminhão tendem a ter maior renda média; motoristas de aplicativos de entrega, menor; enquanto os motoristas de aplicativos de transporte situam-se próximos da mediana.
De acordo com dados recentes de fontes como CAGED, IPEA e pesquisas de mercado, a renda bruta média mensal fica entre R$ 2.000 e R$ 4.600 reais, mas o valor líquido após custos costuma ser menor, girando em torno de R$ 1.900 a R$ 3.700 reais. Esses números refletem o contexto de 2025, com inflação e ajustes recentes nas remunerações.
Para fins ilustrativos, adotaremos uma renda líquida média de R$ 2.500,00. O valor descontado e creditado nas contas individuais seria, portanto, de aproximadamente R$ 500,00 mensais, distribuídos da seguinte maneira:
- 10% (R$ 50,00) destinados a contribuir com os fundos da previdência do Regime Geral, reforçando o direito proporcional residual e complementar ao regime de repartição.
- 10% (R$ 50,00) para a aquisição de seguro complementar voltado à cobertura de riscos atualmente amparados pela previdência estatal – morte, invalidez e maternidade.
- 80% (R$ 400,00) para aplicação em fundo de previdência, de acordo com as preferências individuais quanto ao perfil de risco e à composição da carteira de investimentos.
A título ilustrativo, nesse cenário em nível individual, considerando um rendimento médio estimado de 1% ao mês, compatível com aplicações conservadoras ou de renda fixa atreladas ao CDI, ao final de 20 anos de poupança – período equivalente ao tempo mínimo de contribuição para aposentadoria no Regime Geral –, isso geraria um patrimônio acumulado de aproximadamente R$ 479.000,00.
Mantido o mesmo nível de rendimento, no momento da aposentadoria, caso o beneficiário decidisse simplesmente aplicar o patrimônio acumulado para gerar renda, poderia se aposentar com um retorno mensal aproximado de R$ 4.790,00. Mesmo que optasse por consumir apenas metade desse valor, continuando a aplicar o restante, ainda teria um rendimento equivalente ao que o regime de repartição ofereceria — com a vantagem adicional de preservar e fazer crescer o patrimônio, que poderia ser investido, legado ou usufruído ao longo da aposentadoria.
Um aspecto interessante, do ponto de vista fiscal, é que, ao considerarmos os ganhos tributáveis originados das aplicações financeiras feitas pelos motoristas de aplicativo no longo prazo, as receitas geradas pelo Imposto de Renda sobre esses rendimentos tenderiam a atenuar o custo da renúncia fiscal decorrente da não tributação integral da renda destinada à previdência estatal. Em outras palavras, além dos valores arrecadados com adesão dos motoristas à capitalização (10%), o volume arrecadado via Imposto de Renda sobre os ganhos de capital compensaria residualmente a perda momentânea da arrecadação sobre os serviços prestados pelos motoristas.[3]
Nosso cenário, evidentemente, dependeria do desempenho dos ativos ao longo do tempo, o que poderia gerar resultados inferiores ou inclusive superiores aos estimados. Além disso, fatores como política fiscal, política monetária, evolução das condições econômicas, bem como variações no tempo de contribuição, no nível de remuneração e no perfil dos motoristas, também influenciariam diretamente os resultados finais.
Ainda assim, permanece suficientemente ilustrativo em relação às suas vantagens; aliás, é um modelo muito semelhante ao que já encontramos em países como o Chile ou Peru. Esse Fundo Privado de Previdência teria inspiração nos regimes de previdência complementar que já temos hoje no Brasil.
Os direitos previdenciários e as regras vigentes para seu gozo permaneceriam praticamente idênticos aos do Regime Geral — como tempo de contribuição, idade mínima para resgate etc. A diferença residiria na gestão dos valores, nos direitos residuais e nas responsabilidades relativas à afetação e ao pagamento. Assim, uma vez atingidos os requisitos para algum direito previdenciário, os fundos deveriam indenizar o valor correspondente aos titulares das contas individuais conforme as modalidades de resgate previstas (total, parcial, anual, mensal etc.).
Essas empresas ofereceriam uma carteira de aplicações e investimentos aos motoristas, com flexibilidade e perfis de risco compatíveis com a natureza previdenciária e com produtos de poupança voltados para aposentadoria e pensão.
Teríamos também disponibilização de produtos de seguro de maternidade, morte e invalidez, financiados pela parcela destinada a esse fim, cabendo ao trabalhador acrescentar valores adicionais caso desejasse ampliar sua cobertura contra esses riscos.
A participação em cotas sociais das empresas poderia ocorrer inclusive pela oferta dessas ações como opções de investimento para compor a carteira dos autônomos – desde que fossem empresas com balanço publicado e distribuição de dividendos. Isso garantiria uma participação indireta de grêmios associativos ou sindicatos no quadro administrativo dos fundos ou das próprias empresas.
Os valores dos fundos de aposentadoria seguiriam as mesmas regras de resgate previstas nos regimes de autônomos, respeitando o tempo de contribuição ou outras convenções definidas no momento da adesão. O ponto central, porém, é que se trataria de uma poupança destinada à aposentadoria, a ser resgatada com acréscimo de juros e rentabilidade acumulada, assim que o trabalhador preenchesse os critérios estabelecidos, ainda que diferentes ou especiais para essa categoria.
Já os valores dos seguros e indenizações estariam vinculados à ocorrência dos riscos cobertos – morte, invalidez ou maternidade.
Considerações conclusivas
Do ponto de vista liberal, a previdência compulsória por repartição, tal como o modelo do Regime Geral brasileiro, se estrutura sobre o desrespeito ao direito de propriedade, sobre a apropriação forçada dos frutos do trabalho e sobre a violação da liberdade individual de receber e utilizar, conforme sua própria vontade, os recursos provenientes de seus esforços produtivos.[4]
Surge, então, a pergunta: quais seriam as alternativas viáveis para abandonar esse modelo sem comprometer a aposentadoria e o padrão de vida dos trabalhadores que já foram obrigados a financiá-lo ao longo de toda a sua vida ativa?
Da nossa perspectiva, vislumbramos aqui uma oportunidade para transformar a atual conjuntura em um campo de experimentação para uma solução privada, capaz de atenuar o problema de arrecadação provocado pela baixa adesão dos motoristas ao regime estatal e, ao mesmo tempo, garantir aos motoristas aquilo que lhes pertence por direito: a renda obtida nos fretes e corridas intermediadas pelas plataformas.
Uma solução setorial que pudesse, ao mesmo tempo, aliviar as contas públicas e preservar a intenção original de assegurar garantias de aposentadoria aos cidadãos seria uma ferramenta valiosa. Ela poderia funcionar como um “laboratório” para uma futura reforma ou mesmo para uma nova orientação das transformações previdenciárias que certamente ocorrerão no Brasil.
Propomos aqui um modelo de capitalização inspirado em experiências de sucesso relativo e comprovado ao redor do mundo, como Chile e Peru – uma maneira mais acessível, justa e rentável de organização da previdência dos motoristas autônomos de aplicativo.
Isso é algo que poderá servir para orientar mudanças e reformas futuras tendo repercussão nacional e para o Regime Geral, fundado essencialmente na repartição. Trata-se de uma perspectiva de contenção de danos do estatismo.
Os governos federal, estadual e municipal prestam serviços de transporte de qualidade insatisfatória e com alto custo para os contribuintes no Brasil.
Atrapalhar e dificultar, por meio de restrições ao funcionamento, aumento de tributos e inflação regulatória, a atividade de empresas que oferecem soluções de transporte, além de desestimular o empreendedorismo, é uma ideia ruim: trata-se de uma política que encarecerá os serviços para os usuários, reduzirá a flexibilidade e diminuirá a atratividade do trabalho para motoristas autônomos, pressionando ainda mais suas remunerações líquidas.
No geral, é uma política que agrava os problemas de mobilidade urbana, prejudica o emprego e inibe o desenvolvimento de um setor promissor. É uma decisão equivocada do ponto de vista da política de transporte, do emprego, do crescimento econômico e inclusive do ponto de vista fiscal, uma vez que o impacto arrecadatório seria insuficiente diante do custo econômico e social que produz.
Do ponto de vista previdenciário, a adoção de contas individuais privadas como experimento para uma reforma profunda do regime brasileiro representa uma forma de, simultaneamente, resguardar os direitos de propriedade dos motoristas autônomos e estudar as mudanças institucionais necessárias para sua aplicação em escala maior e de modo eficiente – exatamente como previa o plano de reforma de Paulo Guedes em 2019, inspirado no modelo chileno.
O mais importante é que essa pauta entre imediatamente no horizonte das reformas, aproveitando a oportunidade aberta pela regulamentação e previdência dos motoristas autônomos, para que a cultura previdenciária brasileira passe a incorporar mecanismos de capitalização, ainda que em caráter experimental, compulsório e complementar.
[1] Resultado semelhante foi observado também nos regimes próprios de servidores (RPPS), nos regimes dos militares (SPSMFA) e no regime dos policiais do Distrito Federal (FCDF): o déficit permaneceu praticamente inalterado mesmo após as mudanças implementadas. Além disso, as despesas do RPPS registraram crescimento de 9% acima da inflação em 2025. Ver: MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, Boletim Estatístico da Previdência Social, mar. 2025; TCU, Resultados dos Regimes de Previdência mantidos pela União, jan. 2025.
[2] A capitalização compulsória, no fim, representa apenas um meio de atenuar as grandes anomalias que um sistema de repartição engendra sem eliminar completamente os problemas inerentes à participação do governo na previdência. Como observa Mueller, “não importa se o sistema é de repartição ou de capitalização: com ambos os mecanismos, o governo impõe um ‘contrato’ anônimo sobre os cidadãos, e, com uma seguridade social para os mais velhos, o governo impõe esse contrato sobre uma abstrata geração futura. Dessa forma, um mecanismo burocrático é implantado como substituto para a divisão do trabalho dentro da família e dentro da sociedade, quebrando os laços naturais que existem dentre as gerações das famílias e dentre toda uma comunidade. Assim, a seguridade social contribui para a erosão da família nas sociedades modernas e para o desaparecimento da solidariedade privada e espontânea.” Ver: MUELLER, A. A previdência social e a destruição do capital. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
[3] As regras para tributação de aplicações em fundos previdenciários no Brasil dependem da modalidade de resgate optada pelos poupadores. Digamos que o cenário escolhido seja aquele regressivo onde a alíquota do IR diminui com o tempo de acumulação dos recursos no plano. A tributação é exclusiva na fonte e definitiva, ou seja, não há ajuste na DAIR e não se pode fazer deduções. Para aplicações com mais de 10 anos, incide uma alíquota única de 10% sobre a renda gerada do capital. Em nosso universo de 2,5 milhões de motoristas, digamos que, após 100% de adesão à capitalização, todos tenham optado pela aplicação dos valores em um fundo único destinado à previdência dos motoristas. Digamos que a matéria fiscal tributável seja a diferença entre o valor nominal cumulativo das aplicações ou R$96.000 e capital acumulado de R$479.000, a saber, R$383.000. Se todos se aposentassem ao mesmo tempo após 20 anos de contribuição, o governo arrecadaria, no momento de sua aposentadoria, algo em torno de R$95 bilhões de reais.
[4] Esquemas previdenciários por repartição incentivam o alheamento do indivíduo em relação à disciplina da poupança, terceirizando ao governo e à burocracia estatal a responsabilidade pela aposentadoria. Seu funcionamento exige monopólio ou forte controle regulatório para administrar o confisco da propriedade dos trabalhadores, o que implica transferências compulsórias e a prestação de serviços estatais destinados a sustentar essa forma de “previdência” forçada. Ao mesmo tempo em que desestimulam a associação natural entre esforço e recompensa, esses esquemas substituem a responsabilidade individual por um mecanismo de predação, amparado na justificativa moral de redistribuir recursos entre grupos distintos — ainda que tal redistribuição ocorra sem consentimento prévio ou mútuo. Como consequência, a repartição desincentiva o seguro privado e a poupança voltada para a velhice, além de corromper a ética que deveria orientar a previdência: dissolve, gradualmente, o papel da família na tutela e na gestão dos recursos destinados à fase final da vida. Ao contrário, o regime de poupança e capitalização, ao restaurar os valores da liberdade individual e dos direitos de propriedade, configura-se como o único modelo capaz de satisfazer, simultaneamente, a uma agenda ética e economicamente sustentável de previdência.



