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Brasil, apoie a denúncia contra Maduro na Corte Penal Internacional!

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Mais de 140 senadores chilenos e colombianos enviaram uma denúncia à Corte Penal Internacional contra a ditadura venezuelana de Nicolás Maduro por crimes contra a humanidade. Em documento formalizado no último mês de dezembro e endereçado à procuradora-chefe da instituição, Fatou Bensouda, os juristas Helio Bicudo, Janaína Paschoal, Maristela Basso e Jorge Coutinho Paschoal fizeram o que os políticos e demais lideranças brasileiras não haviam feito: a sua própria manifestação contra Maduro, “que transformou a Venezuela em uma ditadura totalitária, violando e sistematicamente abusando de direitos humanos fundamentais”.

Temos uma cópia em arquivo do documento. Em vez de escrever propriamente um artigo, desta vez, dados o valor da causa e a consequente importância do texto – bem como a quase nenhuma atenção que vem recebendo –, reportaremos a tradução para o português dos principais argumentos de Janaína e seus colegas.

O quadro

A tese que eles defendem é a necessidade de uma intervenção da Corte para deter as imoralidades de Maduro. “A Venezuela tem sofrido várias crises ao longo de sua história. É possível pontuar crises políticas, econômicas e sociais, acompanhadas de desrespeito e violação de direitos humanos. Mas nenhuma dessas crises pode ser comparada à correntemente em vigência no país”, justificam. “As primeiras violações começaram durante o regime totalitário de Hugo Chávez e pioraram no governo do Presidente Maduro.”

Os juristas afirmam que a Venezuela, durante certo tempo, conseguiu seguir um caminho democrático e com tendência à prosperidade, mas “começou a colapsar com a ascensão de Hugo Chávez e o Partido Socialista Unido da Venezuela ao poder. Chávez criou um regime que é convencionalmente chamado ‘República Bolivariana’. Ele legalizou seus próprios poderes com a aprovação de uma nova Constituição, em 1990.”  

A República Bolivariana “tem sido endossada por sucessivas reeleições e desde então, não tem havido qualquer alternância na arena política. Há, nesse contexto, inúmeras suspeitas de fraude no processo eleitoral. Mesmo a empresa encarregada das eleições, a Smartmatic, denunciou as fraudes inadmissíveis. Em outras palavras, a companhia alegou a manipulação dos resultados”. Porém, “foi só recentemente, com o governo de Maduro, que o sistema tirânico se tornou plenamente estabelecido, especialmente nos últimos anos. Não há dúvida de que a Venezuela se tornou uma ditadura sangrenta”.

Os juristas dizem então que não há mais nenhum equilíbrio entre os poderes venezuelanos, tendo sido imposta ao povo uma Nova Assembleia Constituinte, composta apenas por governistas. O regime de Maduro “tem perseguido todos os tipos de oposição, concentrando em suas mãos, praticamente, todos os poderes do Estado, com amplo apoio do Judiciário, que já não exerce o papel limitador de supervisionar os outros poderes”.  

Uma observação importantíssima é a iniciativa do próprio Parlamento venezuelano, que “acusa a Suprema Corte de servir ao Executivo, anulando as decisões do Legislativo, que, não há muito tempo, era composto por uma maioria de deputados da oposição”, inclusive tendo publicamente considerado assumir de uma vez as funções do Congresso. Não apenas a democracia está ameaçada, como economicamente o regime venezuelano produziu um impacto destrutivo, fazendo “até animais de zoológico serem roubados para servirem como comida”. Ressaltam ainda que a Igreja Católica tem alertado que “muitas pessoas morreram de fome e escassez de remédios” e que tem havido intensa migração de venezuelanos, o que já afeta países na vizinhança, como o Brasil.

Fazem menção ao caso da ex-procuradora geral da República local, Luisa Ortega Diaz, removida durante investigação de caso de corrupção que conduzia. Ela deixou o país “temendo perseguição política” e declarou que a empresa brasileira Odebrecht “ofereceu propinas de 100 milhões de dólares ao deputado Diosdado Cabello – homem forte do governo de Maduro – através de uma companhia espanhola, TSE Arietis, cujos donos seriam seus primos”. Ela também listou 8.290 mortes causadas pelo regime bolivariano, sendo 1777 assassinatos em 2015 pela polícia ou forças militares; 4667 nas mesmas circunstâncias em 2016 e até junho de 2017, outras 1846 – embora a denúncia dos juristas brasileiros não inclua os documentos de Ortega com essas informações, porque não são públicos.

“Esta Corte está investida com o poder de investigar e punir crimes contra a humanidade cometidos por Maduro. Enquanto isso, assassinatos, torturas sistemáticas, aprisionamento em massa, por razões políticas, estão tendo lugar na Venezuela e a crise está se aprofundando. Está nas mãos e mentes da Corte Penal Internacional a oportunidade de interromper esse curso de eventos na Venezuela”, concluem. A intervenção se justifica porque a Venezuela assinou o Estatuto de Roma em 1998 e deve cumprir os acordos relativos à jurisdição da Corte, e é necessária “porque não há poder independente na Venezuela”. Como disse a própria Luisa Ortega, “nós fomos forçados a nos voltar para uma organização internacional, porque não há justiça na Venezuela”.

Os casos e exemplos relatados: a terrível “La Tumba”

“La Tumba” é uma “prisão onde estudantes e dissidentes políticos são presos”, alguns deles por anos, sem qualquer direito de defesa. Ela fica “cinco andares debaixo da terra, sem luz ou ventilação”. Há tortura e a prisão fica localizada no prédio do Serviço Nacional de Inteligência Bolivariano. O presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, teria sido o primeiro a denunciar a existência deste hediondo lugar. Os estudantes Lorent Saleh, Gabriel Valles e Gerardo Carrero são mencionados nominalmente como prisioneiros da Tumba, e os dois primeiros, “infelizmente, ainda estão lá”.

De acordo com parentes, além de isolados, sem qualquer noção do tempo, só podendo esticar as pernas quando tocam um sino interno para ir ao banheiro (conforme descrição aberrante da advogada de direitos humanos Tamara Suju Roa), os jovens presos “frequentemente não podem dormir, no primeiro mês de detenção as luzes foram mantidas acesas 24 horas por dia; um tipo de tortura que não deixa marcas. Todas essas jovens pessoas estão doentes, com diarreia, vômitos, febre elevada e alucinações”, sem direito à visita de parentes, via de regra, e com difícil acesso aos advogados.

O advogado Omar Mora Tosta, diretor da ONG “Justice and Proceedings”, afirma que a tortura aos detentos na Tumba visa dobrar sua força de vontade para que assinem documentos “em que se declarem culpados e comprometam terceiros”, mas eles têm resistido.

“Os sérios crimes relatados não são eventos pontuais ou isolados. São um método de governo. Esse método repressor tem sido usado por anos! Tortura, perseguição, abuso sexual e assassinatos são ‘modus operandi’. Este procedimento descreve a alma do regime bolivariano, uma ditadura disfarçada de democracia social”, sintetizaram.

Os juristas em seguida enumeram os casos de líderes políticos da oposição que foram presos. O primeiro é Leopoldo López, detido desde fevereiro de 2014, sentenciado em 2015 a 14 anos de prisão em processo duvidoso – tanto que obteve opinião favorável em apelo à Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas o judiciário venezuelano rejeitou essa opinião. Recentemente, ele “ficou mais de 90 dias impedido de ver seus advogados e, praticamente, um mês isolado em uma torre na prisão militar de Ramo Verde”.

Opositores do regime “tiveram suas propriedades confiscadas; autoridades que investigavam o governo acabaram sendo elas mesmas perseguidas ou demitidas”, como o caso já mencionado de Luisa Ortega, considerado pelos procuradores do Mercosul um “claro ataque à autonomia e independência da procuradora pública venezuelana”, que perdeu o direito de ocupar qualquer escritório na Venezuela, teve a família ameaçada e foi ordenada a não deixar o país.

O prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, teve que deixar a Venezuela em novembro, temendo ser sequestrado pelo governo. Tal como o deputado Wilmer Azueaje, “preso desde maio, sequestrado em um avião militar”, “vítima de tortura física e psicológica, de acordo com muitos líderes de oposição venezuelanos”. A líder de oposição Maria Corína Machado também denunciou que o deputado Azueaje “é brutalmente torturado fisicamente e psicologicamente”, detido nessas condições por 114 dias.

Jornalistas brasileiros também foram presos no país por tentar reportar uma atividade incompleta da Odebrecht implicada no escândalo do Petrolão. A esposa de Leopoldo López, Lilian Tintori, está impedida de deixar o país para denunciar a ditadura venezuelana, porque foi aprovada uma “Lei Contra o Ódio”, estabelecendo “até 20 dias de prisão para quem publicar mensagens prejudiciais ao regime”. Essa lei permite ao Estado cortar sinais de TV, como foi feito com a “Caracol Television” e a CNN espanhola.

Finalmente, durante as manifestações públicas, aconteceram “eventos sangrentos”. “Centenas de pessoas foram presas, dezenas foram mortas, milhares foram feridas, como resultado de ações truculentas, nunca vistas antes na América do Sul. Abusos sexuais também foram reportados”. Isso ocorreu, por exemplo, com dez jovens presos em maio, no estado de Aragua: “um deles foi forçado a se ajoelhar, teve seus braços imobilizados, com um capuz na cabeça, e teve um tubo inserido no ânus. E este não foi um caso isolado”. Há algum tipo de abuso sexual em 70 % dos casos reportados, segundo a advogada Tamara Suju. A ONG Criminal Forum, então coordenada por essa advogada, documentou desde 2002 um total de 600 casos de tortura, dos quais 200 ocorreram após 2014, sob o tacão de Maduro; a Human Rights Watch e a Penal Forum documentaram 88 casos envolvendo ao menos 314 pessoas que “foram vítimas de sérias violações de direitos humanos”.

As alegações jurídicas

Descritos os absurdos que ocorrem na Venezuela, os juristas passaram às alegações jurídicas. Aqui, eles partem da conclusão óbvia diante dos fatos: ergueu-se um Estado criminoso na Venezuela, que não tem instrumentos internos de controle e pratica violência sistemática contra seus próprios cidadãos. “O Estado Criminoso não tem nenhuma legitimidade e, em vez de proteger o povo, se volta contra ele, aniquilando quer sua integridade moral, quer física”.

O Estatuto de Roma, do qual a Venezuela é signatária, estabelece instrumentos que oferecem uma suprema e última salvaguarda internacional para crimes contra a dignidade humana, devendo ser a lei internacional aplicada diante de “ofensas aos valores básicos da coexistência internacional, desrespeito aos direitos humanos, especialmente quando não há observância por parte do Estado, o principal agressor desses princípios”. Por isso, “quando as instituições internas de um Estado membro não têm meios de suprimir ataques aos direitos humanos, a Lei Penal Internacional deve intervir”.

Estando a Venezuela incapaz de punir crimes e proteger vítimas e de dar andamento à investigação e ao processo, de acordo com os artigos 1 e 17 do Estatuto de Roma, a Corte deve agir. O regime venezuelano apresenta todos os requisitos necessários para ser alvo de processo na Corte, tendo aceito sua jurisdição com respeito aos crimes referidos no artigo 5 e previstos no artigo 12. Entre eles, o crime de “genocídio”, “deliberadamente cometido contra o povo venezuelano, mais precisamente contra todos que não apoiam ou não são subservientes à ditadura”. Genocídio implica, segundo o artigo 6, “matar membros de um grupo”, “causar sério dano mental ou corporal” ou “deliberadamente infligir no grupo condições de vida calculadas para levá-lo próximo à sua destruição física total ou em parcial”.

Segundo ainda o artigo 7, há crimes contra a humanidade quando certas atividades são praticadas como “parte de um ataque generalizado e sistemático direcionado contra qualquer população civil”, em uma lista que inclui assassinatos, prisões em severas privações, tortura mental ou física, violência sexual, perseguição contra um grupo específico da sociedade (incluindo grupos políticos), detenção de pessoas sem processo e sem acesso a informações exteriores – todos eles verificados na situação venezuelana. Também devidamente vinculadas às práticas e interesses do regime e de seu líder, Nicolás Maduro, que controla a organização dos crimes e teria, portanto, com base em alguns doutrinadores do Direito Internacional cujas explanações são anexas ao documento, total possibilidade de ser julgado pela Corte.

Considerações finais e testemunhas

“Considerando que as Nações Unidas e organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, reportaram violações na Venezuela em diversas ocasiões.

Considerando que em agosto de 2017, em resposta à brutal repressão contra manifestantes em abril de 2017, a ONU denunciou que ao menos 5000 pessoas foram detidas pelas Forças Armadas na Venezuela de maneira generalizada e sistemática. Em adição ao total de 124 mortos, cerca de 2000 pessoas foram feridas.

Considerando que muitas autoridades na América Latina têm se levantado contra o regime autoritário venezuelano e crimes contra a humanidade perpetrados por esse regime. A esse respeito, senadores da Colômbia e  Chile recentemente, em 18 de julho de 2017, apresentaram uma queixa ao gabinete do Procurador da Corte, que lista vários crimes cometidos, tais como tortura, segregação, homicídios seletivos, sequestros e deportações.

Considerando que a própria procuradora geral da Venezuela, que teve de fugir do país, sendo outra vítima do regime de Maduro, registrou uma queixa pelos crimes cometidos na Venezuela.

Finalmente, considerando todos os fatos apresentados nesta petição, que são bem conhecidos ao redor do mundo, já tendo sido objeto de muitas outras queixas, desde que há bases razoáveis para proceder com uma investigação, respeitosamente nós requeremos que Sua Excelência a comece. Os venezuelanos precisam da ajuda da Corte Penal Internacional!”

O documento encerra com uma breve lista de testemunhas sugeridas, entre elas a própria Lilian Tintori, esposa de Leopoldo López.

Diante disso…

Compreendemos – aliás, compartilhamos – o receio de se estar cedendo autoridade demais a esferas supranacionais em detrimento da autoridade nacional. Ao mesmo tempo, por outro lado, esse receio não significa repudiar ou descartar todos os instrumentos criados pela comunidade internacional para organizar o relacionamento entre os Estados e tentar promover soluções diplomáticas e prudentes para os problemas mais sérios.

O Tribunal Penal Internacional é um instrumento existente e precisamos fazer uso de todos que pudermos. Enfrentar a hediondez da ditadura venezuelana é não apenas um imperativo de moralidade, mas também algo do nosso interesse nacional. Não temos nenhum motivo para sermos indiferentes ou estarmos satisfeitos com tal regime assassino criando confusão em nossa vizinhança e provocando uma onda migratória desenfreada para o norte de nosso país.

O Brasil sempre se gabou de ser uma liderança regional. Por mais que o realismo nos diga que o Itamaraty não é mais o mesmo, no dia em que pararmos de exigir o certo e o melhor, pararemos também de escrever e de nos importarmos com a pátria.

Já escrevemos no sentido de acreditar que uma ação militar estrangeira na Venezuela deve estar nas considerações, pelo menos como forma de pressão retórica, e a mesma possibilidade foi levada a sério pelo ex-ministro do Planejamento venezuelano, Ricardo Haussmann. Evidentemente, porém, há várias etapas de pressão internacional anteriores a essa medida radical que poderíamos estar atravessando e, por tibieza e falta de envergadura moral de nossos representantes, não estamos.

Por isso, leiam, analisem os argumentos, compartilhem este material e pressionem as lideranças brasileiras a apoiar a denúncia contra Maduro. Sem dar um único tiro, é uma atitude que, como povo, podemos tomar. Ficaremos quietos?

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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