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Armadilhas e dilemas de um tirano

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Neste momento, já é bem compreensível que Putin se envolveu num atoleiro gigantesco e não irá conseguir ocupar (muito menos manter) toda a Ucrânia. Seus tanques estão sem combustível, seus homens estão saqueando lojas devido à fome, parte dos seus soldados se rendem ou desertam, material militar é abandonado por toda parte e os temíveis bayraktar turcos (que provavelmente se tornarão o símbolo da resistência ao lado dos javelins) destroem equipamentos de combate com enorme precisão. A situação de Putin é tão desesperadora que ele está apelando para “voluntários” estrangeiros (chechenos e sírios), e a notícia desta semana é que Moscou andou pedindo armamentos à China.

Além disso, Putin — um homem que foi descrito por Trump como um gênio estratégico — conseguiu revitalizar a OTAN, unir uma Europa pós-Brexit, transformar seu arqui-inimigo Zelensky em um herói global, destruir a economia russa e colocar crimes de guerra em seu legado. A pergunta que fica é: como pode um agente da KGB errar tanto o cálculo?

A primeira coisa que temos que ter em mente é que, apesar de Putin ter sido da KGB, ele nunca passou de um burocrata de média gerência. Jack Barsky, um ex-colega dele, disse que “o homem que ele é hoje não foi treinado pela KGB (…) eu conversei com um ex-chefe dele e ele se mostrou nada impressionado com Putin”. Sua biógrafa, Masha Gessen, também foi pouco generosa com ele ao retratar seu período na KGB: “Putin e seus colegas foram reduzidos principalmente a coletar recortes de imprensa, contribuindo assim para as montanhas de informações inúteis produzidas pela KGB”.

A segunda coisa que temos que entender é a chamada “Armadilha do Ditador”. Brian Klaas explica que os ditadores plantam as sementes de sua própria destruição desde o início, quando acabam com a liberdade de expressão, esmagam a dissidência e prendem os seus opositores. Isto tudo é muito racional do ponto de vista estratégico, pois, se seu objetivo é se manter no poder, o ideal é acabar com a oposição e criar uma cultura do medo para manter a população sob controle. Tal cultura, porém, tem um custo.

Mesmo em uma democracia, criticar o chefe é arriscado, mas nenhum brasileiro, por exemplo, tem medo de ser enviado para um gulag ou de ver sua família ser torturada por criticar quem ocupa o Planalto. Em regimes autoritários, porém, tal risco é real. Assim, não há dúvidas de que é muito mais arriscado falar a verdade ou coisas que o chefe não quer ouvir em uma autocracia.

Como resultado de tal medo, os déspotas são raramente informados de que suas ideias imbecis são imbecis, ou, mais especificamente neste caso, que suas guerras mal concebidas provavelmente serão catastróficas. Oferecer críticas honestas é um jogo mortal e a maioria dos conselheiros evita fazê-lo, pois aqueles que se atrevem acabam sendo expurgados ou demitidos. Assim, com o tempo, os conselheiros que permanecem geralmente são homens que agem como líderes de torcida, concordando quando o autocrata discorre sobre algum esquema maluco.

Mesmo com esses comparsas aparentemente leais, os déspotas enfrentam um dilema. Como seria possível confiar na lealdade de uma comitiva que possui todos os motivos para mentir e esconder seus verdadeiros pensamentos? Para resolver esse problema, os ditadores criam testes de lealdade, charadas macabras para separar os verdadeiros crentes daqueles que apenas fingem. Para serem confiáveis, os membros da “corte real” devem mentir em nome do regime, repetindo afirmações absurdas. Qualquer um que hesitar não é considerado digno de confiança.

É por isso que temos mentiras tão absurdas saindo da “corte russa”. Depois de Putin dizer que seu objetivo era desnazificar o país vizinho (que tem um presidente judeu), não é de se surpreender que Vasily Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU, disse que a guerra foi iniciada pela Ucrânia. Outra declaração absurda é de Sergey Lavrov, chanceler de Putin, que disse na semana passada que a Rússia não atacou a Ucrânia. Viktor Zolotov, chefe da Guarda Nacional e um dos homens mais próximos a Putin, disse que “forças de extrema direita que estão se escondendo atrás de civis”, e por isso que a “operação militar especial” não está indo como planejado. Aliás, é tanta mentira que sai de Moscou que eles nem conseguem chamar uma “guerra” de “guerra”.

Putin está cercado por um povo proibido de se manifestar, possui uma mídia totalmente controlada pelo governo e todos os seus conselheiros não passam de papagaios de pirata. Logo, ele vive em um mundo falso e, depois de um certo tempo, tal mundo pode começar a parecer real. Como explicou Klaas, “Ditadores e déspotas começam a acreditar em suas próprias mentiras, repetidas e propagadas pela mídia controlada pelo Estado”. Eu consigo imaginar a seguinte cena se passando no Kremlin:

Putin: – Conseguimos vencer o exército ucraniano?

“Sim”, responde Sergei Shoigu, ministro da defesa e general russo. “Nosso exército é o mais forte do mundo, devido à sua grandiosa liderança, ó grande Putin”.

Depois ele pergunta para Anton Siluanov, seu ministro da economia: “Nossa economia consegue aguentar as sanções do ocidente?” Que responde prontamente: “Sim, grande líder! Desde que você assumiu a presidência, nossa economia melhorou vertiginosamente! Graças ao seu regime, nossas finanças são uma fortaleza”. Por último, vem o já citado Lavrov: “Presidente, a informação que recebi AGORA é MUITO BOA. Assustadora, mas é boa. Ainda preciso verificar os detalhes, o resumo é esse: o Zelensky está doido para deixar o cargo de presidente e, para isso, vai nos deixar agir e tomar Kiev”.

O resultado de tamanho puxa saquismo e a falta de contraditório é esse atoleiro em que Putin se encontra.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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