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Armadilhas e dilemas de um tirano (segunda parte)

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Já tratei por aqui alguns motivos que vão levar a Rússia a perder a guerra, como, por exemplo a péssima logística, a “Armadilha do Ditador”, o pesado apoio ocidental para a Ucrânia, as sanções econômicas, a baixa moral das tropas, entre outros. Porém, o que não citei foram os motivos que levaram a Rússia à guerra. Eles são importantes para entender a cabeça de Putin e por que essa história não vai acabar bem para os agressores.

Para tal, temos que analisar duas coisas: o que Putin disse antes da invasão e o que aconteceu de verdade.

No dia 21/02, poucos dias antes da invasão que começou no dia 24/02 (mesmo dia da fundação do NSDAP), o ex-burocrata da KGB fez um pronunciamento na televisão de aproximadamente uma hora. Em seu testemunho, tentou explicar porque a Ucrânia não é um país de verdade: “A Ucrânia moderna foi totalmente criada pela Rússia”, cujos “pais fundadores” foram os revolucionários russos de 1917. Depois, ele argumentou que a Ucrânia – que é apenas uma extensão da Rússia – foi sequestrada pelos EUA e UE, que instalaram neonazistas para governar o país. De acordo com sua narrativa, o Ocidente fez isso para forçar os ucranianos a entrarem na OTAN, com o objetivo de transformar o país numa espécie de trampolim para a invasão da organização à Rússia, exatamente como Hitler havia feito 80 anos atrás. “Não vamos cometer este erro pela segunda vez”, disse o autocrata.

“Você (Ucrânia) quer a descomunização? Ok, sem problemas. Mas por que parar na metade do caminho? Vamos mostrar o que uma descomunização significa de verdade para a Ucrânia”, disse Putin. Colocando em outras palavras, para ele, se os ucranianos querem rejeitar a União Soviética, isso significa rejeitar também as terras que a Rússia deu a eles.

Sim, sei que muitos de vocês estão pensando que eu inventei a maior parte das loucuras nos dois parágrafos anteriores. A boa notícia é que hoje em dia existe o Youtube e vocês podem ver o pronunciamento com legendas em inglês. Agora voltemos ao assunto principal.

O problema é que levantar um debate sobre a quem o território pertence de verdade não é o suficiente para convencer os russos a embarcarem nessa empreitada. Pode ter sido assim no século XIX, mas hoje claramente não funciona dessa forma – ele precisa também enquadrar o governo ucraniano como um vilão. Por isso, ele afirmou aos seus conterrâneos que o país é controlado por neonazistas anti-russos, apoiados pelos EUA, que sequestraram os ucranianos através de lavagem cerebral e transformaram a nação em algo que nem é “um protetorado político ou econômico, mas sim (algo) que foi reduzido a uma colônia com um regime fantoche”.

Assim, em resumo, a narrativa de Putin é a seguinte:

1 – A Ucrânia sempre pertenceu à Rússia
2 – Os ucranianos foram sequestrados pelo Ocidente
3 – O país é controlado por neonazistas que querem exterminar aqueles que têm o russo como primeira língua.
4 – Como consequência dos pontos anteriores, Putin se diz obrigado a invadir a Ucrânia para: (1) libertar os ucranianos e (2) proteger a Rússia da Otan.

Em que Putin se baseia para dizer que a Ucrânia é governada por nazistas? No Batalhão de Azov, um grupo paramilitar altamente motivado e bem-treinado que neste instante defende Mariupol. Formado por nacionalistas, o grupo surgiu 8 anos atrás logo após a invasão russa à Crimeia e seu objetivo era evitar que a Rússia tomasse mais terras da Ucrânia; mas qual é a importância real da milícia? Alguns fatos falam por si: eles têm menos de 900 homens e o seu líder, Andriy Biletsky, não foi eleito em 2019.

Sobre o seu radicalismo, sem dúvida há neonazistas entre eles, mas não são nem de perto a maioria (os relatos são entre 10-20%). Há judeus no regimento (Nathan Khazin é o líder informal) e a língua franca deles é o russo. Assim, a narrativa de que neonazistas controlam a Ucrânia e que querem exterminar russos étnicos simplesmente não se sustenta. Além disso, vale ressaltar que Putin usa o grupo Wagner, declaradamente neonazista e comandado por Dmitriy Valeryevich “Wagner” Utkin, para atacar os ucranianos.

Agora, vamos supor que Putin estivesse correto… O que vocês acham que ia acontecer? Seguramente os ucranianos iriam receber os russos de braços abertos, mas isso foi justamente o que não aconteceu. Aqueles que não fugiram seguem lutando e a resistência ucraniana – tanto civil quanto militar – é o que faz com que a narrativa do Kremlin não se sustente. Aliás, há inúmeros relatos do país estando mais unido do que nunca, algo refletido pelo índice de popularidade de Zelensky, que passa dos 90% (estava 30% antes da agressão). Também merecem destaque as “Forças Terrestres Ucranianas”, que são basicamente compostas por civis e atualmente há uma lista de espera para conseguir um rifle.

Putin esperava que os ucranianos iriam receber seus homens com flores, mas não é o que está acontecendo.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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