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Ocultar informações é característica de governos autoritários

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O Brasil é hoje o terceiro país com o maior número de mortes acumuladas (aproximadamente 35 mil) e foi esta semana criticado pelo próprio presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chegou a alegar que, se a América optasse por seguir as medidas (ou falta delas) tomadas no Brasil, poderia chegar a dois milhões de mortes. O país, que vai completar um mês sem um ministro da saúde, tendo sido dois deles demitidos (um deles pediu a demissão) na maior pandemia do século 21 e com o governo federal vivendo sua maior crise interna desde que assumiu, é hoje considerado por muitos um exemplo mundial daquilo que não se deve fazer nesta crise do coronavírus.

Muitos ainda se iludem com as fake news, reproduzem nos grupos de WhatsApp e repassam para amigos, colegas e parentes. Infelizmente, em casos como esse, o máximo que podemos fazer é informar, visto que a internet é um ambiente descentralizado (e que continue assim!) onde não há controle do que as pessoas deixam ou não de replicar. No entanto, há um problema muito grande quando o próprio presidente da República se torna um dos responsáveis por fomentar esse clima negacionista e faz uso da máquina pública para ludibriar milhões de brasileiros – e foi, na prática, o que ele fez neste sábado (6).

O governo federal restringiu a divulgação de dados sobre a pandemia. O portal do Ministério da Saúde, que saiu do ar no dia anterior e voltou somente às 16:30 da tarde, simplesmente parou de informar o número de casos e de mortes causados pela pandemia. Curiosamente, tal mudança ocorreu justamente após o Brasil registrar durante dois dias seguidos o recorde de mortes causadas pela pandemia. Ocultar os dados apenas fortalece essa rede de fake news, pois, com uma população sem acesso direto a dados sobre o vírus, fica muito mais fácil manipulá-los – e as consequências disso em um país que está batendo recorde de mortes só podem ser algo ainda mais grave.

Nada disso é por acaso: ontem o presidente já tinha dado indícios do que aconteceria, ao afirmar que agora a divulgação do número de mortos pela doença só ocorreria a partir das 22 horas, após o término do Jornal Nacional, com o propósito de que a imprensa não noticiasse o ocorrido, mantendo a população desinformada. Para seu azar, o tiro saiu pela culatra: a Rede Globo conseguiu dar o furo interrompendo a novela e anunciando o plantão só para divulgar os números, uma jogada inteligente do apresentador William Bonner.

Com a notícia de hoje, os meios governistas fizeram um completo silêncio. Ao invés de tentar controlar o dano inventando alguma narrativa, preferiram agir como se nada tivesse acontecido, com o presidente Bolsonaro tendo somente lançado uma postagem sobre a hidroxicloroquina no seu Twitter – uma clara tentativa de desviar o foco da notícia e criar uma cortina de fumaça, desviando a atenção do que foi feito hoje. Muitos da oposição também trataram do tema com tranquilidade, fazendo suas críticas pontuais, mas sem a postura incisiva necessária e sem dar-lhe a devida ênfase, como se fosse só mais um erro comum como tantos outros que o presidente viria cometendo diariamente.

O grande problema é que estão ignorando completamente o perigo antiliberal do que foi feito hoje. O que o presidente fez nada mais é do que uma variante da mesma tática que líderes autoritários e totalitários fazem e fizeram para controlar o acesso à informação. Xi Jinping, o ditador da China, fez algo parecido no começo do ano para ocultar as informações referentes ao covid19, o que acabou fazendo com que a doença se espalhasse pelo resto do mundo e com que presenciássemos a pandemia que estamos vivendo. Vladimir Lênin na União Soviética, por meio da Direção Geral de proteção aos segredos de Estado na imprensa (Glavlit), instituiu o controle da informação que era disseminada no país. Stalin literalmente perseguiu e executou em seus expurgos aqueles que noticiavam informações que “conspiravam” contra a revolução de outubro. Maduro na Venezuela fechou jornais, mantendo somente a imprensa estatal para noticiar as “informações oficiais”. A ocultação de informações é sempre o primeiro passo para instituir o controle governamental. Um povo desinformado está sempre mais sujeito a ser manipulado e controlado pelo Estado. Isso foi muito bem explicado pelo escritor britânico George Orwell, em sua famosa distopia 1984, em que, para a manutenção do socialismo inglês, toda forma de controle social era necessária, inclusive o controle da liberdade de emitir opiniões e de pensar aquilo que desagradava o governo, instituindo o crime e a polícia do pensamento.

Não estou dizendo que o Brasil é uma ditadura ou se tornará uma. A questão aqui discutida são as pretensões do presidente da república. Muitos liberais se iludem com as críticas de Bolsonaro à imprensa, em que ele a acusa de espalhar notícias falsas e de ser tendenciosa. Não sou advogado de jornal nenhum, não assino nenhum deles, reconheço que possuem uma tendência progressista (o que não é proibido) e já critiquei diversas vezes veículos da grande mídia quando julgo que eles foram tendenciosos ou fabricaram uma notícia falsa. A grande questão é que essa onda bolsonarista de combate à imprensa não se mostra de forma alguma um combate a notícias falsas que tal imprensa possa ter propagado, muito menos uma crítica à tendenciosidade dos veículos, visto que a mídia alternativa governista também publica muitas notícias falsas e é tendenciosa. Também não é uma oposição pelo mero fato de serem veículos supostamente de esquerda. Vale ressaltar que, de uns tempos para cá, os principais alvos dos bolsonaristas têm sido justamente veículos como Revista Crusoé e Gazeta do Povo, que possuem um viés de direita – ou seja, tais grupos militantes combatem a imprensa não por uma suposta ideologia que ela possua, mas por ela exercer seu mero papel de noticiar, inclusive noticiar fatos que vão de encontro à narrativa governista.

Não é uma crítica saudável que liberais podem fazer pelo viés que o veículo possui, mas uma tentativa de deslegitimar toda a imprensa (tradicional ou alternativa) que noticie aquilo que desagrada ao presidente, independentemente da ideologia do veículo, sendo verdade somente aquilo que é noticiado em portais governistas. Num ponto extremo, fenômeno similar foi produzido pelo chavismo na Venezuela, com a imprensa “privada” sendo considerada traidora, difusora de mentiras e responsável por “jogar contra” o país, enquanto somente a imprensa estatal difundia a verdade. A única diferença nesse caso é que os veículos bolsonaristas são privados, mas totalmente instrumentalizados pelo governismo. Isso também foi muito comum durante os governos petistas. Lula e Dilma atacavam ferozmente veículos como a Globo e a Veja, enquanto exaltavam jornais como Carta Capital e Caros Amigos, e nem por isso era uma luta que nós liberais deveríamos ter abraçado naquela época – afinal, tais governos flertavam abertamente com a censura.

O presidente não fala abertamente em regular a imprensa, mas o seu discurso e dos militantes governistas contra os veículos é similar ao que o PT, Hugo Chávez e Maduro sempre utilizaram sobre o assunto. A intenção é clara: conseguir a deslegitimação da imprensa (como se absolutamente tudo que ela veicula fosse mentira, o que não condiz com a realidade; a maior parte do que foi noticiado em veículos tradicionais este ano, por exemplo, se mostrou verdade) e propor uma alternativa – e qual seria ela? Pois bem, há alguns meses um dos membros do Terça Livre propôs exatamente o que o governo tentou fazer esta semana: impedir a imprensa de veicular notícias sobre o coronavírus. O sujeito em questão propôs até que o presidente fechasse a Folha de SP. Essa é a verdadeira intenção desse grupo: nunca foi um combate legítimo à tendenciosidade, mas uma tentativa de impedir que a verdade chegue ao público, dando-lhe a chance de fazer seus próprios julgamentos com as informações disponíveis.

Ocultar dados sobre a pandemia e tentar impedir que veículos noticiem isso não é apenas uma tentativa de regular a imprensa, mas de regular a própria população, que estará tendo propositadamente obstaculizado o seu acesso à informação – quase uma institucionalização do crime de pensamento. De fato, é algo de dar inveja à distopia orwelliana.

*Sobre o autor: Lucas Sampaio é um liberal radicalmente pragmático, defensor da polarização e adepto dos métodos da Guerra Política de David Horowitz e Saul Alinsky. Estudante de Direito e Presidente da Juventude Libertária de Sergipe, membro da Rede Liberdade. Faz análises políticas sob um viés liberal/libertário e escreve sobre realpolitik, Guerra Política, Guerra de Narrativas, táticas de persuasão, como debater e como difundir as ideias de liberdade de maneira prática e sem ideologismos.

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Lucas Sampaio

Lucas Sampaio

Advogado, assistente jurídico do ILISP, conselheiro do Instituto Liberal e fundador da Juventude Libertária de Sergipe.

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