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O “projeto de país” dos liberais

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Corriqueiramente, estatistas e desenvolvimentistas preconizam, sob o disfarce muito bem engendrado de um linguajar contundente, eivado de números e termos técnicos referentes à administração pública, um amontoado de regulações excessivas, impostos sobre importações, subsídios a setores econômicos considerados “estratégicos” ou monopólios espúrios, apresentando todas essas medidas como elementos integrantes, precisamente, dessa entidade estranha que chamam de “projeto de país”. Os liberais brasileiros, por sua vez, são criticados por não conseguirem idealizar semelhante projeto.

Essa abordagem desenvolvimentista estabelece um conceito de “país” ou “pátria” que, em vez de equivaler ao conjunto dos indivíduos que perfazem a comunidade política, consolidada a partir de uma história comum de desenvolvimento e parecenças culturais, seria algo a mais, superior e desvinculado das individualidades. Tais individualidades teriam que servir ao “projeto” deliberado pelos políticos e tecnocratas desenvolvimentistas para “desenvolver” essa entidade superior, de acordo com um desenho minucioso, supostamente capaz de antecipar movimentos e consequências com a precisão de um arquiteto ao desenhar um edifício.

Milton Friedman, em seu excelente livro Capitalismo e Liberdade, argumenta que nem o governo é “o protetor, e o cidadão, o tutelado – uma visão que contraria a crença do homem livre em sua própria responsabilidade com relação a seu próprio destino”, nem é “o senhor ou a deidade, e o cidadão, o servo ou o adorador”. Ao contrário, “para o homem livre, a pátria é o conjunto de indivíduos que a compõem, e não algo acima e além deles. O indivíduo tem orgulho de sua herança comum e mantém lealdade a uma tradição comum, mas considera o governo como um meio, um instrumento – nem um distribuidor de favores e doações nem um senhor ou um deus para ser cegamente servido e idolatrado. Não reconhece qualquer objetivo nacional senão o conjunto de objetivos a que os cidadãos servem separadamente”.

O economista da Escola de Chicago não negou em seu livro, em momento algum, o sentimento patriótico ou a existência de tradições, valores e heranças comuns a que um determinado povo se vincula. Contudo, tais aspectos não devem ser traduzidos em imposições centrais, aplicadas pela via da coerção. Nesse sentido, sem sombra de dúvidas, os liberais não apenas não têm um “projeto de país”, posto que não servem a um construto artificial que se alimenta de restringir as liberdades e a criatividade dos cidadãos, como se opõem a qualquer um que pretenda falar em nome de algo semelhante.

Contudo, não estou convencido de que a expressão “projeto de país” forçosamente se restrinja a esse significado desenvolvimentista. Se os liberais nitidamente são contrários ao planejamento centralizado e burocratizante, que capitaneia a atividade econômica e social para os fins de um esquema engessado concebido por um gabinete de arrogantes, isso não significa que não tenham seu próprio “plano, delineamento de empreendimentos” (conforme o dicionário, definições associadas ao termo “projeto”), sua própria concepção dos caminhos a serem seguidos, em diferentes setores, para atingirmos a prosperidade.

Todas as correntes políticas versam sobre a organização social e, portanto, apresentam algum “projeto”, no sentido essencial do termo, para como se deveria dar essa organização. O projeto pode visar à eliminação do Estado, como no dizer dos anarcocapitalistas, mas não deixa, por isso, de ser um projeto, uma concepção geral do caminho mínimo a seguir, das questões fundamentais a enfrentar. Para o anarcocapitalista, o projeto final de país é a extinção do Estado e sua completa substituição pelo mercado. Para o objetivista, sua concepção ideal de sociedade é aquela em que o Estado seja financiado voluntariamente e se restrinja à segurança e à justiça. São, sim, projetos sociais, que, aliás, jamais foram realizados, por isso permanecem como tais: projetos.

Os pais fundadores dos Estados Unidos tinham, a rigor, um “projeto de país”: uma nação baseada na ordem e na liberdade, tal como especificam sua Declaração de Independência e sua Constituição. Os fundadores do Brasil, conforme escrevo em meu livro recentemente publicado Os Fundadores – O projeto dos responsáveis pelo nascimento do Brasil, também conceberam um projeto de país. Em minha conclusão para esse livro, comento: “Ocorre que um país não se resume a um projeto. Na definição de seu destino, são muitas as forças que atuam à revelia do que tenham deliberado seus projetistas. Mesmo o conceito de “projeto” não está isento dos acidentes e das intempéries, a provocar desvios e refinar – ou desafinar – os contornos previamente estabelecidos. Quando uma ideia escapa da mente de quem a concebeu, apenas os caminhos misteriosos do tempo podem responder o que será feito dela. Nada que se funda está totalmente constituído; muito do que é essencial dependerá dos continuadores. Se poucos projetos poderiam ser mais amplos e importantes que uma nação, com ainda mais razão este princípio aí se aplicaria. (…)

Não houve um só momento em que todas essas pessoas tenham sentado ao redor de uma mesa e desenhado, em gabinete, o Brasil, perfeito e acabado; caso contrário, teríamos que culpá-los por todas as mazelas com que ainda lidamos. Desnecessário dizer que jamais poderiam sonhar com o que o Brasil efetivamente viria a ser nestes dias em que ora escrevemos.”

Mesmo assim, é inegável que conceberam a iniciativa, vinculada às condições e imperativos da realidade, de erguer um Estado constitucional monárquico, abrangendo toda a América Portuguesa. Alguns, como José Bonifácio, pretendiam avançar em processos que consumassem a emancipação dos escravos e a assimilação de segmentos indígenas, constituindo-se assim uma nação livre e miscigenada. Com uma visão abrangente dos problemas nacionais, o velho Andrada sugeriu uma série de legislações e etapas para preparar essa emancipação. Obviamente, isso pode ser considerado um “projeto de país”.

Da mesma maneira, os liberais das gerações mais contemporâneas vêm defendendo uma série de agendas que delineiam uma concepção geral de rumos sociais. Uma série de medidas liberalizantes e privatistas, sintetizadas comumente sob o jargão de “agenda reformista”, volta e meia aparecem em nossas discussões, alcançando mesmo o linguajar da grande imprensa. A agenda reformista faz parte de um projeto de país. Os liberais – ao menos os mais consistentes – têm um grande objetivo para o Brasil (isto é, para os brasileiros) e sabem o que querem alcançar.

A diferença para os “projetos de país” desenvolvimentistas é que o projeto de país dos liberais é um projeto de diminuição do Estado. É um projeto de diminuição de pretensões da esfera política e de máximo respeito possível aos projetos individuais e autônomos que circulam na sociedade, que podem e devem ser mais minuciosos e elaborados porque dizem respeito aos anseios e realidades imediatamente ao alcance de cada um. O Estado não pode se substituir a esses projetos individuais, alegando que, enquanto entidade autônoma, detém um conhecimento superior ou uma vocação especial para promover o “bem comum”.

O projeto dos liberais é de um país cujo Estado não seja tutor nem mestre dos cidadãos, mas sim restrito, como diria Friedman, aos fins a que pode servir como mero instrumento. Essa é a nossa alternativa. Ela existe. Cabe-nos aprender a apresentá-la.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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