O Movimento Duplo do PT
por JOÃO VICTOR GUEDES*
Autor conhecido da esquerda internacional, Karl Polanyi (1886-1964) foi um dos fundadores da Sociologia Econômica. Em seu livro mais conhecido, “A Grande Transformação” (1944), narrou seu entendimento sobre a evolução do capitalismo e dos métodos utilizados pela burguesia para se perpetuar no poder. É verdade que boa parte desta obra é panfletária e não pode ser tratada como ciência. Ainda assim, uma de suas teorias, o Movimento Duplo, faz enorme sentido até mesmo na atualidade, cinco décadas depois do livro.
O conceito é simples. Baseado em evidências históricas, Polanyi afirmou que ao chegar ao poder, a burguesia deixava de defender unicamente o mercado – melhor, o livre mercado – e passava a implementar medidas socialistas para acalmar a classe trabalhadora e, a partir daí, se perpetuar no poder. Salário mínimo, previdência pública e carga horária máxima são algumas das políticas apontadas pelo autor para comprovar sua teoria.
A crítica do autor, socialista ferrenho, estava no fato de que aquelas medidas seriam paliativas, intencionadas a evitar uma revolução socialista e, por terem sido adotadas como foram, só serviam para perpetuar a condição de pobreza e submissão do trabalhador frente à classe empresarial – ou burguesa.
Polanyi, no entanto, desconsiderou uma hipótese: será que o mesmo Movimento Duplo também aconteceria nos países governados pela classe trabalhadora? Seguindo a mesma linha teórica, isto significaria que o partido socialista, eleito pelas camadas mais pobres de um determino país, implementaria uma série de medidas para beneficiar agentes burgueses, como bancos, grandes empreiteiras, extratores de minério e frigoríficos a fim de perpetuar sua dominância. Ainda assim, seu objetivo teria sido gerar avanços em uma economia de mercado mas, pelo contrário, perpetuar sua posição soberana sobre todos daquela nação.
Por conta desta intenção, os burgueses beneficiados não necessariamente seriam aqueles cuja produção fosse a mais demandada pela sociedade. Também não seriam aqueles cujos departamentos de recursos humanos fossem os mais benevolentes com trabalhadores contratados. Pelo contrário, seriam os burgueses capazes de, não importa a forma, garantir a permanência daquele partido, dito representante da classe trabalhadora, no poder.
Às vezes me pego imaginando Karl Polanyi se revirando no túmulo vendo, cada dia mais, que a gestão do Partido dos Trabalhadores conseguiu, sem margem de erro, reproduzir fielmente o exato contrário de sua obra escrita ainda em 1944.
Após anos e anos se apresentando com a cara barbuda e suada do sindicalismo brasileiro, o PT se elege com uma carta direcionada a classe empresarial, beneficia o mercado, escolhe a dedo seus aliados burgueses e garante quatro mandatos consecutivos na presidência do Brasil. Entre um Eike e um Odebrecht, aparece um ministro banqueiro como salvador do proletariado que agoniza enquanto milhões, ou bilhões, são enviados para a Suíça.
No final das contas, três coisas servem de consolo: o mundo não é mais esta dualidade burguesia versus proletariado, o PT não representa ninguém e os burgueses corruptos, escolhidos a dedo por Lula e sua turma, cairão um por um até levar consigo os soberanos da dita classe trabalhadora.
* João Victor Guedes é especialista do Instituto Millenium, coordenador do Programa para a América Latina da International Federation of Liberal Youth, economista pela Universidade Federal de São João del-Rei, mestre em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal de Alfenas e atualmente estudo na Leuphana Universität Lüneburg na Alemanha.