O “Mein Kampf” de Adolf Hitler: prenúncio de um pesadelo
Depois de muito tempo praticamente como tabu, a entrada em domínio público da obra magna do nazismo, o Mein Kampf (Minha Luta), este ano reacendeu polêmicas, com a possibilidade de que editoras, especialmente alemãs, se interessem por publicá-lo. Há quem acredite que, em sendo as feridas muito recentes em termos históricos, em tendo sido quase ontem que as figuras do movimento político conhecido como nazismo/nacional-socialismo e de seu ícone, o ditador Adolf Hitler (1889-1945), se tornaram símbolos do mal e do terror sobre a Terra, essa publicação seria de mau tom. Há quem acredite que ela daria munição a insanidades neonazistas. Há ainda os loucos que acreditam que o pensamento de Hitler foi mal interpretado e que a leitura do livro por um público mais amplo permitiria uma revisão das “versões oficiais”, supostamente manipuladas, a seu respeito.
Discordo de todas essas opiniões. Originalmente lançado em dois volumes e ditado pelo próprio Führer a alguns de seus consortes no movimento do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, vindo à luz em 1925 e transformado em uma espécie de guia ideológico – mais propriamente uma “Bíblia” diabólica – pelo governo ditatorial de seu autor entre os anos 30 e 40 na Alemanha, o Mein Kampf deveria ser lido. Acima de tudo e apesar das tristezas e massacres perpetrados em seu nome, porque não podemos acreditar na censura como um caminho de crescimento e amadurecimento da sociedade. Porque conhecer em detalhes cada vez mais ricos as lacunas do passado, conhecer as culturas e ideologias que desafiam as virtudes do nosso modo de vida e da nossa organização social, deve ser visto não como ameaça a estes últimos, mas como estímulo maior ainda a que sejam valorizados. Porque, finalmente, as distorções que têm sido feitas, em benefício de interesses ideológicos baixos, a respeito do nacional-socialismo, para favorecer esse ou aquele partido que deseja identificar o adversário com Hitler – o famoso reductio ad hitlerum – teriam muito mais dificuldade de prosperar se olhássemos com destemor e clareza para a face original do monstro totalitário que assassinou milhões de pessoas.
Ver Hitler desnudando sua alma torta para o leitor de ontem e de hoje provoca várias reações naturais e nos deixa intrigados com muitas questões. A primeira delas é o quanto parece inusitado que o conteúdo do Mein Kampf tenha sido subestimado nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. O livro estampa, entre pregações insanas e excertos autobiográficos, todas as linhas gerais do programa que seria implementado quando, a partir de 1933, a doutrina de Hitler se tornou o fundamento político do Estado alemão. Está tudo lá. Nem mesmo o apelo do nazismo à sua retórica e dom de oratória escapam de ser mencionados; Hitler deixa claro em seu livro que “se conquistam adeptos menos pela palavra escrita do que pela palavra falada e que, neste mundo, as grandes causas devem seu desenvolvimento não aos grandes escritores, mas aos grandes oradores”.
Além do tom inflamado, incensário, e das referências fartas à história alemã e ao contexto geopolítico, o Mein Kampf não contém nada de muito singular. Em estilo, em fluência, em organização, está longe de ser um trabalho muito atrativo. Suas duas partes mesclam, de forma pouco equilibrada, narrativas – na primeira parte acerca da própria vida de Hitler, suas desventuras e frustrações, e como, em suas observações, foi percebendo os “problemas” da Alemanha, e na segunda, a mobilização original do próprio partido nazista – e panfletagem ideológica, girando em torno de algumas ideias centrais bem básicas. O suficiente para seduzir e inspirar centenas de pessoas.
A teoria de Hitler se baseia na vivência do regime social-democrata alemão de Weimar, com suas bandeiras sociais e assistencialistas, somadas, no entanto, a um sistema parlamentar e representativo. Uma burguesia desvitalizada, dentro desse sistema, convivia com seu esquerdismo vacilante e com o comunismo mais radical, promovendo suas bandeiras perigosas e vinculadas ao bolchevismo soviético. Nesse ambiente, Hitler enxergava a ineficiência em todos os lados do espectro político. Aqui começam a ficar claras algumas distorções; as esquerdas modernas gostam de apontar o nazismo como um fenômeno político “liberal capitalista” ou “conservador”; entretanto, Hitler não ruboriza ao apresentá-lo como uma ideologia “revolucionária”.
Para ele, “o dever do Estado para com o capital era relativamente simples e claro; ele simplesmente tinha que ver que o capital continua a ser o servidor do Estado e não contemplado com a obtenção do controle da Nação”. O capital internacional, subvertendo a soberania nacional, era, para o nazismo, um grande inimigo – algo familiar? Hitler resume que “só há uma doutrina a ser seguida: Nação e Pátria. O motivo pelo qual nós temos que lutar tem de ser a segurança da existência e o crescimento da nossa raça e da nossa nação, a nutrição de seus filhos e a pureza de seu sangue, a liberdade e a independência da Pátria, e para que a nossa nação seja capaz de amadurecer para o cumprimento da missão que lhe foi confiada pelo nosso Criador universal”. Exaltando o nacionalismo estatizante de Bismarck, estadista unificador da Alemanha, e sua política da força, Hitler acreditava piamente que a social-democracia, o liberalismo e o comunismo eram penetrações culturais que degradavam a grandeza nacional e desgraçavam a Alemanha. Sua glória somente brilharia quando o Estado e a Pátria fossem o centro das atenções, em uma política verdadeiramente alemã.
Parece-se muito com a teoria fascista clássica, do ditador italiano Benito Mussolini, inclusive elogiado no Mein Kampf e, não por acaso, aliado de Hitler, ao lado dos japoneses, na Segunda Guerra Mundial, contra os Aliados (países ocidentais, do mundo livre, e os comunistas da União Soviética). No entanto, mesmo o sistema político exposto em A Doutrina do Fascismo, junto à prática política que dele decorreu, soam moderados perto da concepção nazista de sociedade e mundo. Em especial, porque, desde sua matriz teórica, o sistema hitlerista é fundamentado no mais declarado e franco racismo. Para ele, a cultura ocidental, as belezas e grandezas da filosofia e da arte, da música, a “cultura superior”, são criações de uma raça humana, a Raça Ariana, da qual os germânicos seriam eminentes representantes. Para atingir o progresso que atingiu, o povo ariano teve que se sobrepor às “raças inferiores”, empregadas nas atividades subalternas para a glória de sua civilização; Hitler, aqui, deprecia o pacifismo moderno. De fato, sua paixão pelo espírito militar agressivo e pelo belicismo, sua visão idealizada da violência e da força, da conquista, da expansão de poder, fica patente nas linhas de sua lavra.
Toda a concepção de mundo hitlerista se baseia nas diferenças raciais. Nesse sentido, como todo movimento coletivista, ele elegeu um inimigo para odiar e centralizar a hostilidade, unindo o espírito nacionalista de seu povo em torno do combate a esse alvo: os judeus. Para Hitler, os judeus eram um povo pútrido, uma raça inferior, com projetos de conquista mundial (sim, era esse o nível da paranóia, digna dos Protocolos dos Sábios de Sião e dos conspiracionismos mais vis). Todas aquelas invenções políticas que agrediam o espírito nacional e “afrouxavam” a alma alemã, tais como parlamentarismo, marxismo e liberalismo, eram uma obra judaica. Identificando tudo aquilo a que era ideologicamente avesso com uma face concreta, a de uma cultura e um povo, Hitler tinha a arma retórica perfeita para mobilizar a sociedade alemã, abalada pelas derrotas em conflitos bélicos e com o moral destroçado. Tudo em seu sistema se direcionava para a rejeição do internacionalismo, da sociedade aberta, do mercado livre, do intercâmbio entre nações, e o fechamento idólatra em uma atmosfera nacionalista cega. Novamente: algo familiar? Não nos lembra os nossos esquerdistas “anti-imperialistas” e “anti-americanos”?
De fato, para Hitler, o movimento nazista era essencialmente “antiparlamentar”, por rejeitar, em princípio, “qualquer teoria da maioria de votos, o que implica que o líder é degradado a estar meramente lá para executar as ordens e opiniões dos outros. Em pequenas e grandes coisas, o movimento defende o princípio da autoridade inquestionável do líder, combinada com o máximo de responsabilidade”. O modelo liberal-democrático era excessivamente fraco e sensível para os ânimos nazistas; Hitler deplorava rituais eleitorais. Detestava, principalmente, a ideia de os partidos terem que negociar para atingir objetivos, fazer concessões. Qualquer “ideal de mundo”, como Hitler enxergava sua ideologia, “ainda estará sem força para a vida de uma nação até que seus princípios sejam feitos à base de um movimento de combate, capaz de manter-se como um partido até que a ação seja coroada pelo triunfo e até seus dogmas tornarem-se uma nova lei fundamental do Estado”.
Desde o começo, a obsessão de Hitler era abolir o sistema representativo e tolerante à divergência e confundir sua doutrina com o Estado e a sociedade: o totalitarismo, enfim, tal como em Mussolini, mas de maneira ainda mais violenta e assassina, é endeusado às claras. A tirania é um sinal de grandeza; a coexistência pacífica, de fraqueza. Hitler diz que, perseguindo a pureza e a supremacia da raça – o que, bem sabemos e ele insinua no livro, parte para a prática em políticas eugenistas, que também valorizavam o cuidado do corpo, a estética do homem alemão, e a educação dos meninos voltada decisivamente para o militarismo -, visa proteger as grandezas da cultura “ariana”, ocidental, mas, paradoxalmente, odeia e joga ao lixo as conquistas mais belas e sublimes que essa mesma cultura logrou êxito em produzir. Favorece a autoridade dos mais célebres, fortes e hábeis, dos “líderes”, em uma associação que prefere a estrutura antiga e tradicional dos “conselhos” à modernidade da liberal-democracia.
Ele cultua, também, o fanatismo; em uma comparação no mínimo discutível com a Igreja Católica, Hitler diz que a força de instituições como ela está em agarrarem-se a seus dogmas e postulados originários, e não em acompanhar as descobertas e reflexões científicas e intelectuais. Também os partidos políticos, sobretudo o nacional-socialista, deveriam ser profundamente dogmáticos, encastelando-se em ideias fundamentais e forçando a realidade e os fatos a curvarem-se a esses princípios. Movidos por esse combustível, os alemães deveriam ter por grande objetivo fortalecer a dinâmica autoritária, cultural e física da raça ariana, destruir os planos das raças inferiores de submetê-la e diminuí-la (em especial, os judeus), e expandir seu território de controle para os limites desejáveis (o que envolvia, sobretudo, a conquista dos povos eslavos, das terras soviéticas, também pervertidas, como poucas, pela infâmia judaica).
Da leitura do Mein Kampf, extrai-se a certeza de que a mente perturbada de Hitler, que mais não faz que exalar ódio a cada linha, já estava decidida, muito antes, a perpetrar todas as abominações que tiveram lugar ao seu tempo e até hoje assombram o imaginário do mundo. Seu anticomunismo, que compartilhamos, cientes de ser o comunismo uma doutrina ainda mais persistente, habilidosa, e por isso mesmo perigosa e assassina – apesar de não o vincularmos, de forma alguma, ao estúpido e monstruoso anti-semitismo e ao racismo asqueroso do nazismo –, bem como seu apreço estético e moral por características de uma sociedade pré-moderna, não permitem associar o nazismo ao liberalismo clássico ou ao conservadorismo de viés burkeano. Como bem dizia Hayek, em uma multidão de doutrinas estatizantes e socialistas, o que existe é a concorrência entre facções rivais. Tal como no caso de Mussolini, Hitler fala com entusiasmo de socialistas que não tiveram dificuldade em abraçar sua concepção e sua bandeira. Não por acaso; deformando a cultura ocidental, o nacional-socialismo apostava na invasão do Estado na vida das pessoas, na identificação de um alvo imaginário a ser combatido – isto é, na simplificação da realidade para mobilizar os sentimentos e aspirações do povo em uma única direção; apostava no controle do “capitalismo selvagem”, na domesticação do espírito empreendedor e da livre iniciativa aos interesses do Estado, em nome de uma concepção destrambelhada de amor à Pátria, que desprezava conscientemente o bom e velho “patriotismo burguês” em favor do nacionalismo totalitário.
Que o conhecimento dessas verdades nos ajude a refutar acusações infames feitas por quem acredita que o mundo é apenas binário, e aposta em reducionismos infantis para vencer a disputa política. Que os amantes do coletivismo e do sectarismo reconheçam que são eles, e não nós, os “primos” ideológicos, mais ou menos distantes, mais ou menos próximos, do pesadelo do século XX que o mundo aprendeu a repudiar.
Se o que Kristian Kotov fez,e acontecer mais vezes, a esquerda tera de ler os discursos de Hitler para saber se nao foi plagio, ou se estasra plagiando ele.
Kristian Kotov
November 2
“I quoted Hitler on my last face book status, replaced “Germany” with “America”, “Germans” with “Americans”, and “comrade” with “brother”. It was liked by 12 of my left-leaning facebook friends.
#feelthebern”
Kristian Kotov
November 1
“The United States social welfare system must be more than just charity. We should not just be saying to the rich people, “please give something to the poor”. Instead, we should say, “Americans, help yourselves!” Everyone must help, whether you are rich or poor.
Everyone must have the belief that there is always someone in a much worse situation than I am, and this person I want to help as a brother.”