O Jogo “Banco Imobiliário” versus Economia na Vida Real

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Ricardo Bordin*

Era um jogo que estimulava a acumulação de capitais e ativos imobiliários, lançado em 1935, durante a grande depressão econômica causada pelo crash da bolsa de Nova York, que tinha tudo para dar certo. E deu mesmo: a Hasbro,  empresa que produz o jogo, estima que mais de 200 milhões de unidades já tenham sido vendidas, e hoje já é possível jogar até mesmo pelo celular ou Facebook. Em razão de seu conteúdo que, supostamente, incita o “capitalismo desenfreado”, o jogo foi proibido na União Soviética até 1987.

Inspirado no “jogo do senhorio”, o Monopoly (que não tinha esse nome nos USA à toa) e seu antecessor pretendiam – além de proporcionar lucros a seus desenvolvedores, por certo – ilustrar a injustiça social que seria criada pela propriedade da terra, e que monopólios seriam fontes de desigualdade e pobreza. Todavia, as lições que podem ser aprendidas a partir de uma simples partida desse clássico da diversão demonstram que, na verdade, o que faz com que os perdedores acabem “à míngua” são as barreiras impostas pelas regras do jogo – e que muito se assemelham ao intervencionismo estatal experimentado pelo Brasil e outros países de economia pouco Liberal.

A “riqueza” existente no jogo é limitada. Se um jogador ganhar muito dinheiro e amealhar propriedades por todo o tabuleiro, os demais jogadores, necessariamente, estarão prestes a falir, ou seja, trata-se de um sistema de “soma zero”, onde a abastança de um passa obrigatoriamente pelo empobrecimento dos demais. Tal característica do jogo, gerada pelo fato de que o capital disponível está adstrito às peças de papel e plástico (nem poderia ser diferente ou a partida não teria fim), já o difere por completo da vida real, onde é possível gerar riqueza de forma infinita. Desde que não haja muitas regras e empecilhos de ordem prática restringindo essa geração, tal qual no jogo.

Tome-se o próprio Monopoly como exemplo: uma determinada quantidade de plástico, papel e tinta, dispostos sem nenhum arranjo, possui valor de mercado muito baixo. Entretanto, somem-se esses insumos a uma boa ideia (e aí entra educação), à intenção de empreender e ganhar dinheiro (sem que isso seja visto como um crime), à tecnologia que permite a impressão em série e a baixo custo de várias unidades, aos transportes que farão a distribuição do produto acabado (infraestrutura), dentre outros fatores que compõe a cadeia produtiva, e o resultado é a concepção de um jogo que movimentou bilhões de dólares desde sua criação, gerando muitos empregos e prosperidade – e lucro, claro – além de entretenimento. Obviamente, o universo do jogo precisa ser circunscrito ao tabuleiro e suas regras, mas a economia real não, muito embora diversos governantes não pareçam concordar.

 

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Outra crítica contumaz que costuma ser feita é que, durante uma partida de Banco Imobiliário, é comum ocorrer a formação de monopólios, onde somente um jogador vai possuir quase todos os hotéis e terrenos da cidade. Trata-se, no caso, de um monopólio artificial, pelo fato de que existem barreiras que impedem a entrada de novos investidores na atividade econômica em questão – no caso, o número limitado de peças de plástico, de cartas e de jogadores.

Eis aí outra faceta do jogo que difere da economia real, onde na formação de monopólios naturais (isto é, sem que imposições legais ou estruturais dificultem ou impossibilitem o ingresso de novos empreendedores no mercado), caso o monopolista abuse do preço praticado, ocorre, invariavelmente, o seguinte ciclo: o consumidor considera que o preço daquele produto ou serviço está além de sua margem de renda e para de consumir à surge a demanda por aquele mesmo produto ou serviço dentro de patamares razoáveis de preço à surgem novos fornecedores visando atender a essa demanda reprimida pelo monopolista à a concorrência volta ao mercado, junto com preços mais baixos e melhor qualidade. Isto tudo, claro, se empreender no país considerado não for uma aventura ingrata através de uma selva de tributos, legislação e pagamentos de propina, como no Brasil.

Tome-se como exemplo a Apple, que logo após a invenção do smartphone por Steve Jobs, possuía o monopólio da venda deste aparelho (somente ela detinha a tecnologia inovadora). Como se tratava de um monopólio natural, não havia empecilhos legais à entrada de novos fornecedores do mesmo produto no mercado. Foi exatamente o que ocorreu, quando a Samsung (seguida, na sequência, por diversas outras companhias) passou a competir pelo mesmo segmento, fazendo com que surgissem smartphones mais baratos e com praticamente as mesmas funções do Iphone. Durante o período de monopólio, a Apple poderia cobrar o quanto quisesse por seus celulares, sabedora, porém, de que não deveria extrapolar a margem de renda disponível de uma parcela alta de seus consumidores, sob o risco de criar uma demanda por aparelhos mais baratos – precisamente como ocorreu!

 

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Há outra diferença entre o jogo e a vida real, mas esta seria interessante que não existisse: não há como o banqueiro do jogo imprimir mais dinheiro (notas) durante a partida, ao passo que governos perdulários adotam (e como adotam) a estratégia de emitir títulos da dívida para cobrir o déficit público, criando dinheiro “do nada”, sem lastro em aumento da atividade produtiva – gerando, indefectivelmente, o imposto mais severo com os pobres: a inflação.

Ficar sem dinheiro no jogo significa a derrota, o fim, sair do tabuleiro e só voltar na próxima rodada. Mas em uma economia saudável, uma empresa vir a falir não apenas faz parte do processo natural em que os consumidores escolhem livremente quais fornecedores atendem melhor suas necessidades, como também não constitui, necessariamente, o final da linha para os empreendedores falidos. No Brasil, infelizmente, encerrar as atividades de uma empresa é um processo desgastante, muito burocrático e que requer tempo e paciência do empresário. Dependendo da quantidade de pendências que possui, o tempo para fechar a empresa pode chegar a um ano. Além disso, o custo de fechamento de uma microempresa de serviços, por exemplo, que não estiver com nenhuma dívida pendente, pode ultrapassar mil reais entre taxas e encargos.

Por isso falir, em nosso país, pode significar o fim da linha, como no Monopoly; mas em países que seguem as recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), nos quais o número de procedimentos requeridos para abertura e fechamento de um negócio não costuma passar de cinco (em torno de 12 dias), fica bem mais fácil virar a página e partir para outra. São muitos os casos de empresários que fracassaram e deram a volta por cima, como Walt Disney, cujo primeiro estúdio de animação faliu em 1922, e em 1928, em seu novo estúdio, criou o personagem Mickey Mouse. O resto da história todos conhecem.

O Estado, portanto, deve facilitar a vida de empreendedores que foram à bancarrota e pretendem reerguerem-se, não apenas visando a manutenção dos empregos gerados, mas também para que o empresário consiga, pelo método de tentativa e erro, encontrar o foco correto para seu negócio – como definir melhor seu público alvo (nicho) ou voltar seus recursos para outra atividade econômica, por exemplo – e possa assumir, assim, mais riscos na condução de seus investimentos. Caso contrário, ele ficará com receio de ampliar esses investimentos, travando o crescimento do país.

Monopoly

 

Chama atenção no Banco Imobiliário o fato de que todo o dinheiro vem do “banqueiro”, do qual advém todas as notas do jogo. Este monopólio do agente emprestador lembra bastante a realidade brasileira e seus juros altos – estabelecidos, entre diversos outros fatores, pela falta de concorrência entre instituições financeiras. Existem nos EUA 7.597 cooperativas de crédito, que administram US$ 916 bilhões em ativos originários de 92 milhões de associados, as quais concorrem com os bancos na oferta de empréstimos. No Brasil há apenas duas grandes cooperativas do gênero – SICREDI e SICOOB.

Jogar Banco Imobiliário implica, necessariamente, em adotar uma estratégia pouco recomendável em se tratando de investimentos: colocar todas as moedas no mesmo pote (no caso, apenas no mercado imobiliário). Eis aí outra distorção entre o jogo e a vida real, na qual o investidor precisa diversificar seus investimentos, de modo a ficar menos exposto a oscilações do mercado – principalmente porque o sucesso no jogo depende de um fator que desempenha pouca influência em nossos destinos (a não ser na hora de jogar na loteria): SORTE! Jogar dados e ganhar dinheiro são ações que só combinam em cassinos. No mundo real, obter rendimentos tem muito mais a ver com dedicação e perseverança (no caso do Brasil, BASTANTE perseverança).

Por tudo isso, pessoas com inclinações socialistas costumam apontar as situações criadas durante uma partida de Monopoly como a demonstração clara da frieza e crueldade do Capitalismo. Nada mais irreal: no jogo, os recursos são escassos, e precisariam, de fato, ser distribuídos – como se os participantes estivessem em uma ilha deserta, onde não há possibilidade de produzir mais riqueza. Na economia real, porém, sempre há a possibilidade de ir além e criar, inclusive, outros jogos. Não à toa, os videogames fizeram minguar os jogos de tabuleiro, outrora muito populares.

Thinking out of the box, eis o lema. Se eu me deparo, durante minha vida, em uma situação como a de alguém que está indo mal em uma partida de Monopoly, eu paro de rodar o tabuleiro pagando aluguéis altos, apenas torcendo para passar logo pelo início para ganhar mais 200 dinheiros (equivalente a esperar o fim do mês para receber o salário, empurrando as dívidas com a barriga). Vou procurar alguém para dividir apê (como já fiz), de modo a viver dentro de minhas possibilidades financeiras; me mudo para outra região mais barata da cidade, ou até para outra cidade, buscando novos horizontes. Enfim, não há necessidade de virar o tabuleiro e aloprar, desde que tenhamos liberdade e possibilidade de buscar melhores condições de vida.

 

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Percebe-se, portanto, que há um ponto de interseção entre a diversão e a economia capitalista: não há limites para a prosperidade, tanto considerando os jogadores de Banco Imobiliário quanto os investidores, desde que haja níveis altos de poupança e pouca intervenção. Em relação aos empresários, considere-se poupança como o capital economizado hoje para investimentos futuros, e intervenção como excesso de regulação estatal. Em relação aos jogadores, tome-se poupança como salário ou mesmo mesada economizados para comprar jogos “menos violentos”, e intervenção como a ingerência indevida de terceiros no gasto da remuneração. Em suma: ninguém deve ser obrigado, no mundo real, a permanecer indefinidamente racionando recursos escassos na base do tapa, tal qual no jogo. Bom, talvez em Cuba, Coréia do Norte e Venezuela…

Antes de encerrar, um último aspecto a ser considerado: em um jogo, seja qual for sua natureza, ganha-se ou perde-se. É tudo ou nada. Ao vencedor (e apenas a ele), as batatas. Em uma economia saudável, diferentemente, o perdedor também pode ter algumas batatas, na forma de uma vida digna, mesmo sendo um microempresário ou em trabalhador que desenvolve um trabalho menos complexo – como ocorre em diversas nações desenvolvidas, onde muitos daqueles considerados pobres vivem melhor do que a classe média brasileira.

E se ainda assim o perdedor encontrar dificuldades demais em conseguir algumas batatas por conta própria, nada impede que, para tais cidadãos, seja implantado um sistema temporário de imposto de renda negativo, tal qual postulado por Milton Friedman e Friedrich Von Hayek – os verdadeiros “avôs” dos programas de transferência de renda. Ou, melhor ainda, quem sabe possamos estimular mais, em nossa cultura, as doações e ajudas voluntárias, não apenas em espécie, mas também por meio da criação de hospitais e outras organizações sem fins lucrativos, por exemplo.

Nada disso significa que eu vá aliviar na próxima vez que eu for jogar Monopoly. Lá é pé no pescoço!

 

*Ricardo Bordin é Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2011, e no exercício dessa profissão vem testemunhando de perto as dificuldades dos empresários para produzir no Brasil.

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