O infanticídio de meninas na China e o silêncio das feministas
A boa notícia do dia foi que a China pôs fim à “política de filho-único”, em vigor no país há quase 40 anos. A partir de agora, os casais estão autorizados a ter até dois filhos. Não é nada, não é nada, já é um grande avanço, principalmente para as meninas.
Poucas tiranias são tão ou mais nojentas do que proibir indivíduos de terem quantos filhos desejarem. Tal política atenta contra os mais comezinhos direitos humanos, mais especificamente contra a liberdade individual. Além de, quando realizada em larga escala, produzir efeitos sociais terríveis. Apesar disso, as chamadas políticas de planejamento familiar compulsórias sempre foram defendidas com vigor pelos socialistas, planejadores centrais empedernidos por natureza.
A “política de filho-único” determinada pelo Partido Comunista Chinês foi implementada a partir de 1979, sob pena de altas multas e, até mesmo, perda de emprego, entre outras sanções, para não falar da burocracia necessária para obter a autorização estatal.
Aos olhos das autoridades chinesas, o direito de reprodução é efetivamente um privilégio concedido pelo Estado, cujo exercício está condicionado ao cumprimento de certos deveres para com o governo e seus agentes.
Numa sociedade com os costumes patriarcais arraigados, como na China, geralmente é a mulher a responsável legal pelo controle de natalidade familiar, sendo contra ela também aplicadas as sanções previstas. Mas este não foi, nem de longe, o maior dano impingido contra as mulheres pela famigerada política.
Como os meninos são culturalmente preferíveis, a prática do infanticídio feminino tornou-se endêmica em algumas áreas do país, desde que a referida política entrou em vigor. O desequilíbrio de gênero resultante, entretanto, ficou mais acentuado depois de 1986, quando testes de ultra-som tornaram-se mais fáceis de realizar e provocaram abortos em massa de fetos femininos. A coisa tomou tal dimensão que, em 1994, o governo proibiu os médicos de divulgarem o sexo dos bebês durante o pré-natal.
No total, estima-se que os chineses realizaram mais de 336 milhões de abortos, desde então. Além disso, os funcionários médicos chineses esterilizaram quase 200 milhões de pessoas, a maioria mulheres, desde que a política foi implantada. Esses mesmos agentes também inseriram mais de 400 milhões de dispositivos intra-uterinos (DIU) em mulheres jovens, muitas vezes pela força.
Em resumo, o infanticídio de meninas, o aborto de fetos femininos e os constantes abusos contra as mulheres chinesas são uma constante há, pelo menos, 35 anos na China. Malgrado tudo isso, foram muito poucas as vozes feministas que se levantaram contra esse verdadeiro genocídio, a exemplo, aliás, do que também ocorre em relação aos freqüentes abusos contra as mulheres nos países islâmicos.
Por que será? Minha suspeita é que a causa feminista, muito além dos direitos das mulheres que alega defender, transborda ideologia para todos os lados.