O homem por trás do milagre de Hong Kong
LAWRENCE W. REED *
Três vivas para Hong Kong, esse minúsculo pedaço de rocha do Sudeste Asiático. Pelo vigésimo ano consecutivo, o Índice de Liberdade Econômica, elaborado pelo The Wall Street Journal e pela Heritage Foundation – classifica Hong Kong (HK) como a economia mais livre do mundo.
Apesar de fazer parte da China continental desde que os britânicos cederam o território em 1997, HK é governada diariamente pelo governo local. Até agora, os chineses têm-se mantido razoavelmente fiéis à sua promessa de deixar em paz a economia de HK. O que a torna tão livre é algo que quem ama a liberdade quer ouvir: corrupção mínima, em termos relativos. Um Judiciário eficiente e independente. O respeito pelo Estado de Direito e pelos direitos de propriedade. Um sistema fiscal simples com impostos baixos tanto para as pessoas quanto para as empresas e uma carga tributária global de apenas 14 por cento do PIB (metade da carga dos EUA). Não há impostos sobre ganhos de capital ou rendimento de juros ou mesmo sobre os ganhos de fora de HK. Não há imposto sobre vendas nem o IVA. Um toque regulamentador muito leve. Não há déficit no orçamento público e é quase inexistente a dívida pública. Ah, e não se esqueça de que sua tarifa média é perto de zero. Isso mesmo: zero!
Esta última avaliação no relatório WSJ / Heritage confirma o que o Fraser Institute, do Canadá, descobriu em seu último Índice Mundial de Liberdade Econômica, que também classificou HK como o lugar mais livre do mundo. O Banco Mundial classifica a “facilidade de fazer negócios” em Hong Kong como simplesmente a melhor do Planeta.
Dizer que uma economia é “a mais livre” é o mesmo que dizer que é “a mais capitalista”. Capitalismo é o que acontece quando você deixa as pessoas pacíficas viverem em paz. Não requer certos arranjos elaborados e artificiais, à la Rube Goldberg[1], inventados pelos planejadores centrais de plantão em suas torres de marfim insulares. Mas se quisermos acreditar nos críticos do capitalismo, HK deve ser também uma verdadeira Cozinha do Inferno de ganância, pobreza, exploração e desespero.
Não é nada disso. Nem chega perto.
Talvez seja por isso que os socialistas não gostam de falar sobre Hong Kong: não é apenas a economia mais livre, é também uma das mais ricas. Sua renda per capita, que equivale a 264 por cento da média do mundo, mais do que duplicou nos últimos 15 anos. As pessoas não fogem de HK, elas migram para lá. No final da Segunda Guerra Mundial, a população era de 750.000 habitantes. Hoje é quase dez vezes isso, com 7,1 milhões.
Não intervencionismo positivo
A notícia de que a economia de HK é mais uma vez avaliada como a mais livre do mundo é ocasião para se enaltecer o maior responsável por essa conquista perene.
O nome de Sir John James Cowperthwaite (1915-2006) deve ocupar para sempre o topo do panteão dos grandes libertários. Alguns de nós apenas escrevemos sobre ideias libertárias[2]. Esse cara fez delas política pública, de fato, para milhões de cidadãos.
O falecido Milton Friedman explicou em um tributo de 1997 a Cowperthwaite como é notável seu legado econômico: “Compare-se a Grã-Bretanha – o berço da Revolução Industrial, a superpotência econômica do século XIX, em cujo império o sol nunca se punha, com Hong Kong, uma nesga de terra, superpovoada, sem recursos naturais, exceto por um grande porto. No entanto, em quatro décadas, os moradores deste pedaço de terra superpovoado alcançaram um nível de renda um terço maior do que a desfrutada pelos moradores de sua antiga metrópole”.
Escocês de nascimento, Cowperthwaite cursou a Merchiston Castle School, em Edimburgo, e em seguida estudou o Clássico na St Andrews University e no Christ’s College em Cambridge. Serviu em Hong Kong pelo Serviço Administrativo das Colônias Britânicas no início da década de 1940. Depois da guerra, foi convidado a apresentar planos para o governo para impulsionar o crescimento econômico. A seu favor, ele tinha os olhos abertos e percebeu que a economia já estava se recuperando muito bem, sem a direção do governo. Assim, enquanto a metrópole se embrenhava numa direção socialista sob Clement Attlee, Cowperthwaite se tornou um defensor do que ele chamou de “não intervencionismo positivo” em HK. Mais tarde, como Secretário de Finanças da colônia de 1961 a1971, ele mesmo administrou HK.
“Para grande parte de nossa economia o melhor caminho ainda é confiar na “mão invisível” do século XIX do que lançar os incompetentes dedos burocráticos sobre seu mecanismo sensível”, declarou Cowperthwaite em 1962. “Em particular, não podemos nos dar ao luxo de danificar a sua mola mestra, a liberdade de concorrência entre as empresas”. Ele não gostava de protecionismo nem de subsídios, nem mesmo para as chamadas indústrias novas, “nascentes”: “uma indústria nascente, se mimada, tende a permanecer como indústria nascente e não cresce nunca nem se expande”. Ele acreditava firmemente que “a longo prazo, o agregado das decisões individuais dos empresários, exercendo julgamento individual numa economia livre, ainda que muitas vezes de forma errada, tem maior probabilidade de fazer menos mal do que as decisões centralizadas de um governo; e, certamente, a probabilidade é de que os danos serão mitigados o mais rápido possível”.
Desde os dias de John Maynard Keynes, a economia foi amaldiçoada pela noção de que a ação humana deve ser destilada em números, o que, então, se torna uma “pretensão de conhecimento” por parte dos tipos do planejamento central. Em muitos cursos de economia em universidades, é difícil dizer onde termina a matemática e onde começa a economia real. Para Cowperthwaite, a busca dos planejadores pelas estatísticas era um anátema. Então, ele se recusou a compilar estatísticas. Quando Friedman lhe perguntou, em 1963, sobre a “escassez de estatísticas”, Cowperthwaite respondeu: “Se eu deixá-los computar essas estatísticas, vão querer usá-las para planejamento”.
Se isso soa estranhamente atrasado ou arcaico, deixe-me lembrar-lhe que os maiores fracassos econômicos do século passado foram tanto centralmente planejados quanto cegamente apaixonados por números. Ministérios inteiros eram dedicados a sua compilação porque até mesmo números ruins davam aos planejadores a ilusão de controle. Mas não em Hong Kong!
Estatísticas, não importa quão precisas ou volumosas, não são substitutos para princípios saudáveis. Lastreada por estes princípios em abundância, sob o governo de Cowperthwaite, a economia de HK subiu às alturas em seu mandato. Escrevendo na edição de novembro de 2008 de The Freeman, Andrew P. Morriss observou [sobre Cowperthwaite] que, em sua década como secretário de finanças”, os salários reais aumentaram em 50 por cento e a parcela da população em extrema pobreza caiu de 50 para 15 por cento”. É difícil discutir com o sucesso. Depois da saída de Cowperthwaite em 1971, os sucessores, menos apegados a princípios, se envolveram com gastos em assistência social, mas os financiaram através da venda de terras, não do aumento de tributação. Os impostos até hoje estão exatamente no mesmo nível em que o velho comandante os deixou.
Post Script sobre a Mont Pelerin Society
Em setembro de 2014, a Sociedade Mont Pelerin – a prestigiosa organização internacional de economistas, intelectuais e empresários comprometidos com uma sociedade livre – realizará sua próxima reunião geral em Hong Kong. Sir John foi, por muitos anos, membro da Sociedade. Como membro também, espero fazer um brinde lá em sua homenagem. Nunca devemos esquecer o homem que provou, em Hong Kong, que a livre iniciativa é boa teoria por muitas razões, não sendo a menor a de que, em contraste com o socialismo, ela realmente funciona na prática.
* PRESIDENTE DA FEE – FOUNDATION FOR ECONOMIC EDUCATION
TRADUÇÃO / ADAPTAÇÃO: LIGIA FILGUEIRAS
Artigo originalmente publicado no site da FEE.
FONTE DA IMAGEM: WIKIPÉDIA E SITE GWULO
[1] A expressão ‘Rube Goldberg’ é usada como adjetivo definindo todo ato de se obter algo simples por meios complicados. [N.T.] Vide Rube Golberg na Wikipedia.
[2] O termo “libertário” é usado nos EUA no lugar de “liberal”, que hoje tem no país o sentido de socialdemocrata, ou aquele que aceita o intervencionismo estatal no campo econômico enquanto defende a liberdade de expressão.