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O Governo é o Mais Negligenciado Motor de Desigualdades

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Aqui é disponibilizado mais um trecho recentemente redigido e relativo ao dossiê sobre as desigualdades, trata-se da sequência e conclusão referente à critica da segunda parte do que descrevo como retórica das desigualdades, parte esta que diz respeito à associação do suposto aumento ou variação das desigualdades e a evolução de algumas variáveis socioeconômicas. Dando então término a esta etapa, se pretende apresentar a ideia geral de que mesmo que consideremos por puro exercício de estudo o argumento sobre a evolução das desigualdades, ainda resta que boa parte das análises negligencia o papel de um elemento explicativo que poderia ser significativamente importante: o próprio governo. Sublinhemos que o que se desenvolverá aqui é uma espécie de apelo procurando propor que os estudiosos ‘igualitários’ – frequentemente pedindo mais intervenção e ação dos poderes públicos para lidar ou resolver os ‘problemas’ associados às desigualdades – negligenciam repetidamente o papel que o próprio estado operaria na perpetuação e manutenção de desigualdades que ele próprio supostamente teria responsabilidade de atenuar. Não procurando legitimar qualquer ação governamental mesmo que supostamente compensatória, sem credenciar qualquer responsabilidade moral do governo para manipular ou gerenciar a ‘distribuição dos recursos’, a mensagem principal é, primeiramente, chamar a atenção para um eventual impacto das atividades governamentais no que possa dizer respeito às desigualdades, mas ainda, propor justamente que o erro dos analistas se encontra na busca de instrumentalização do governo para que fins redistributivos sejam atingidos.   

leviathan

{1} Se a influência das desigualdades sobre o crescimento econômico é dúbia ou desconhecida, e se o mesmo ocorre para o que diz respeito à criminalidade, não muito diferente ocorre para um conjunto maior de ‘males sociais’ que ela supostamente influenciaria, como por exemplo, as condições de saúde da população – mortalidade infantil, obesidade, esperança de vida e etc. –, a mobilidade social, os índices de confiança entre as pessoas ou o acesso ao ensino. Todos estes males podem muito bem não o ser resultado da diferença de renda entre indivíduos per se, mas nos parece muito mais o reflexo das características institucionais, do nível de desenvolvimento dos países, de escolhas políticas inapropriadas ou da qualidade dos serviços prestados pelos poderes públicos nestes diferentes campos da vida social. E estes males não podem, de qualquer forma e sem dificuldades, serem imputados às instituições da liberdade e nem ao capitalismo pois, como já pudemos expor de forma introdutória, estes mecanismos seriam pelo contrário os maiores motores de geração de riqueza até então conhecidos pelo homem, mecanismo então justamente atenuando estes supostos males que teriam sido engendrados pelas desigualdades. E no entanto, muitas das análises buscando estudar as origens e as consequências dos males supostamente engendrados pelas desigualdades não levam suficientemente em consideração algo que poderia ser de uma evidência verdadeiramente clara: se as desigualdades evoluem ou não em determinado sentido – caso isto fosse realmente possível de ser analisado de forma clara, e caso isto tivesse realmente alguma importância para o estudo dos fenômenos socioeconômicos –, não estaria o próprio Estado entre os maiores geradores, conservadores e potencializadores das desigualdades sociais e de sua evolução?

{2} Antes de prosseguir parece importante ressaltar neste momento que aqui não se procura invalidar o que foi dito anteriormente, a saber, todas as críticas relativas ao estudo das desigualdades. A mensagem que este trecho tenta passar é que, mesmo que as desigualdades fossem um elemento importante para análise dos fenômenos socioeconômicos (o que é contestável), não deixa de ser flagrante que muitas vezes os ‘estudiosos da matéria’ fazem vista grossa ou negligenciam enviezadamente que o próprio motor ou perpetuador das desigualdades poderia se encontrar não no comércio e na liberdade dos mercados, mas no próprio governo.

{3} Ao expor esta ideia apenas não fazemos mais do que direcionar a atenção dos estudiosos para causas que eles frequentemente marginalizam. Gostaria de relembrar no entanto que, embora rejeite copiosamente grande parte destes diagnósticos que associariam as desigualdades a todos os males sociais, e acredite que a existência de diferenças de renda não seja a priori um problema, e que a igualdade material não seja um objetivo moralmente defensável, economicamente realizável ou politicamente desejável; penso que assim como acontece com o colesterol em nossa massa corpórea ou, dito de outra forma, a gordura que acumulamos em nosso corpo, é possível que existam boas e más diferenças de renda. Neste ponto e em qualquer escala concordo então com o que foi proposto pelo professor François Facchini (2008) (1). Desigualdades naturalmente decorrem da atividade empreendedora e do sucesso no mundo dos negócios, estas desigualdades, precisamente, teriam muito mais tendência a serem promotoras de crescimento econômico e progresso social: elas seriam então boas desigualdades. O canal de compreensão é relativamente simples, e vale repetir: empreendedores, empresários, comerciantes e trabalhadores promovem o progresso social mediante satisfação das aspirações produtivas e desejos de consumo dos indivíduos, notadamente via ganhos de produtividade e bons resultados em inovação e progresso técnico e tecnológico.

{4} Não obstante, e por outro lado, muitos empresários, e burocratas, e políticos e grupos de pressão de toda sorte por intermédio do lobby e de atividades de rent-seeking utilizam-se da máquina pública para garantir rendas políticas que não obteriam facilmente em um livre mercado, ou seja, via impedimentos regulamentários, restrições à concorrência, obtenção de concessões e favores em ofertas públicas, e redistribuição via facilidades fiscais, e créditos especiais ou subvenções etc. Estes empresários obviamente estariam igualmente ofertando serviços de qualidade relativamente satisfatória, e promovendo em alguma escala também o progresso social, mas não engendrando os níveis de ‘bem-estar’ que encontraríamos em um livre mercado, e não sem consequências: além de diminuírem o potencial de concorrência e inovação, terminam por acumular recursos desta renda política obtida graças aos canais propostos em democracia representativa. Esta é a desigualdade ruim, ruim inclusive para o crescimento econômico. Facchini propôs em seu artigo que:

“It makes (this article) the hypothesis that there exist good and bad growth inequalities. This distinction originates in the distinction production-predation of Baumol’s model (1990). Inequalities of revenue do not originate solely in capitation of profit. They are also the result of capitation of private or public rent in the sense of Murphy, Shleifer and Vishny (1993). There are no effects as such of revenues inequality on growth. The inequalities originate from productive activity are favourable to growth, while inequalities originating in unproductive activity, on the contrary, harm the creation of wealth and prosperity of a nation. The positive or negative relationship between inequalities and growth in production depends upon the way individuals are enriched. If they are enriched by the discovery of a market profit, this has a positive effect on growth and economic progress. If they are enriched by the discovery of a rent, that on the other hand, has a negative effect on growth. It is not inequality as such which has an effect on growth, but the origin of the inequality.”

{5} O professor Facchini reduz bem o sentimento que tenho no que diz respeito às desigualdades materiais e sua evolução. E ele ainda ajuda a abrir espaço para um dos canais que considero o mais promissor para a compreensão das desigualdades: a intromissão exacerbada do governo nas atividades socioeconômicas. O primeiro e mais flagrante canal de redistribuição e/ou potencial gerador e perpetuador de desigualdades vem da inerente e histórica intromissão dos governos nas atividades monetárias, a estatização da moeda e ação operada pelas instâncias da responsáveis pela política monetária, sobretudo nas economias modernas, um fenômeno bem apontado ou estudado pelos estudiosos da dita Escola Austríaca de economia. A política monetária pode funcionar como um mecanismo de redistribuição e ajudar a perpetuar desigualdades entre indivíduos ou grupos de indivíduos, segundo o economista Henry Hazlitt (1960):

“Um dos efeitos da inflação é provocar uma redistribuição da riqueza e da renda. Em sua fase inicial (até que ela alcance o ponto em que distorça e debilite totalmente a estrutura de produção da economia), ela beneficia alguns grupos às custas de outros. Os primeiros são aqueles privilegiados que recebem antes de todos os outros o dinheiro que é recém criado. Nesse momento, o valor do dinheiro ainda não foi diluído e, assim, esse grupo, que está mais rico, tem acesso privilegiado a todos os bens disponíveis, que ainda estão com os preços antigos. À medida que esse novo dinheiro vai perpassando os vários setores da economia, os preços vão subindo. Quando esse dinheiro chega à base da pirâmide, todos preços já aumentaram. Houve, assim, uma transferência de riqueza dos mais pobres, que arcam com o ônus da inflação, para os mais ricos, que adquiriram bens a preços anteriores à inflação. Dessa forma, um número cada vez maior de cidadãos passa a integrar o segundo grupo, que não consegue desfrutar do alto padrão de vida que a inflação monetária traz para os poucos privilegiados do primeiro grupo.”

{6} O mecanismo apontado por Hazlitt havia também sido descrito ou demonstrado, anteriormente, por Ludwig Von Mises (1938):

“Ou seja: os primeiros a receber o novo dinheiro obtiveram ganhos específicos; eles são os exploradores.  Os últimos a receber o novo dinheiro são os perdedores, os explorados, de cujos bolsos saem os ganhos extras obtidos pelos exploradores.  Enquanto durar o processo de inflação, estará havendo uma alteração contínua na renda e na riqueza dos indivíduos.  Um grupo social ganha à custa de outros.  Quando todas as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem consumadas, pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os grupos sociais.  Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de riqueza e renda.”

{7} Para a maioria dos economistas austríacos “o sistema monetário dominante está no cerne da crescente desigualdade de renda que observamos na maioria dos países atuais.  Não obstante, o estado continua aumentando seu poder com a desculpa de estar justamente domando o sistema de mercado que supostamente gerou esta desigualdade e este empobrecimento relativo criados pelo estado e seus aliados.” (Marquart 2014).

{8} O que é válido para a moeda, também pode valer para a maioria dos serviços que o governo se dá o luxo de financiar, estimular, ajudar, ou se tornar ele mesmo produtor. Sem querer entrar em detalhes ou abordar exaustivamente estas questões, analisaremos brevemente o raciocínio ou lógica que permitira esboçar a compreensão da ideia geral em alguns dos principais setores onde atuam os estados através de suas ‘políticas públicas’: a segurança, a saúde e o ensino. Por mais que sejam campos da vida social e serviços distintos, a lógica segue basicamente o mesmo paradigma. Na verdade, o governo pode terminar por ajudar a perpetuar desigualdades entre regiões, indivíduos ou grupos de indivíduos em função das escolhas políticas e arbitragens decidindo, por exemplo, as localidades desservindo os serviços, as prioridades e os critérios que utilizam para direcionar suas políticas, seu financiamento ou mesmo as escolhas técnicas que vão enquadrar o fornecimento dos serviços. Antes de prosseguir nos parece bom apontar que, em qualquer escala, toda atividade governamental é redistributiva, uma vez que ela subsiste graças à fiscalidade e sempre realoca recursos de alguns para outros. E não pouco frequentemente os canais de decisão e alocação dos recursos públicos nestes setores descritos mais acima seguem uma agenda oriunda de compromissos, acórdãos ou conluios entre grupos de pressão e representantes do governo, desde decisões tomadas em instâncias administrativas, seguindo relatórios e estudos definindo e enquadrando como serão desenvolvidos os parâmetros e como serão determinadas as política nestes setores.

{9} Tomemos então primeiramente como exemplo o caso da segurança. Mesmo que todos tenham proporcionalmente contribuído de forma relativamente similar para o financiamento dos serviços de segurança pública, é possível que políticas privilegiem determinadas regiões, ou ofereçam serviços de segurança de melhor qualidade para determinadas regiões, e que outras estejam menos bem desservidas. Regiões que não são bem desservidas por serviços de segurança tenderiam mais facilmente a ver seus índices de criminalidade aumentar, o aumento da criminalidade pode, por exemplo e por sua vez, conduzir a uma desvalorização do preço dos imóveis nestas regiões, os próprios comerciantes podem tender a procurar com menor frequência aí se instalar, e não sem motivos a própria confiança dos empregadores vis-à-vis dos habitantes destas localidades poderia diminuir, atividades ilegais aí poderiam se desenvolver mais facilmente etc. e etc. Ou seja, por mais que estas regiões hipoteticamente mereçam maior atenção dos serviços de polícia e justiça, e por mais que ulteriormente sejam direcionados esforços de suprir esta demanda, não deixa de ser verdade que o impacto socioeconômico deste desserviço termine por comprometer a vida financeira das famílias e ajude a consolidar um sistema onde estas que se encontrem instaladas nestas localidades tenham maiores obstáculos a superar, e tenham os valores de sua propriedade desvalorizados: o governo termina bel et bien por ajudar a perpetuar, engendrar ou estimular que desigualdades se desenvolvam.

{10} Isto é o mesmo que dizer que é impossível que o governo forneça igualitariamente e para todos os que necessitem a mesma quantidade e qualidade de serviços de segurança. Além de elaborar todo um aparato de regulamentações dificultando a realização da segurança privada e pessoal – como normas contra o porte de armas, normas enquadrando a criação e operação de firmas privadas de segurança, regimentos dizendo respeito à extensão e modo de funcionamento dos serviços privados em função de eventos, localidades etc. –, o que termina por garantir que apenas quem tenha poder de barganha suficientemente alto poderá financiar um serviço eficiente de segurança privada; o quase monopólio em direito do governo ainda organiza os serviços em razão dos próprios objetivos ou segundo uma agenda que ele próprio considera referencial, que pode muitas vezes não ter efetivamente nenhuma ligação com as necessidades de segurança da população ou busca por controle da criminalidade, e muito menos em função da segurança da população de mais baixa renda. Um exemplo flagrante, no Brasil, é a mobilização de forças policiais para realização de controles de alcoolemia no trânsito, o controle das fronteiras ou a proteção de eventos privados como a copa do mundo, e por outro lado, a incapacidade de desservir adequadamente regiões mais carentes. Enquanto regiões mais pobres necessitariam reforço policial ou serviços de segurança de qualidade superior, o que se vê na verdade, frequentemente, é a melhor prestação de serviços em outras áreas, ou eventos como os descritos logo acima. Se fizer perdurar uma oferta de serviços flagrantemente desproporcional e desigual, o governo terminará por contribuir a acentuar as desigualdades entre regiões, indivíduos e grupos de indivíduos – regiões onde as instituições não são tão respeitadas, onde a violência é maior, onde o valor do m2 tende a cair etc.

{11} O mesmo raciocínio permanece válido para o ensino e para a saúde. Onde ficam as melhores escolas públicas? A existência de um sistema de ensino público de má qualidade termina por penalizar quais alunos e estudantes? Os níveis dos serviços prestados por escolas particulares e escolas públicas é o mesmo? A uniformização do conteúdo neste cenário favorece a quem? Os melhores professores estão em quais estabelecimentos? Qual o impacto da obrigatoriedade do ensino para as famílias de baixa renda? E em termos de serviços de saúde, quais as regiões contam com os melhores hospitais, postos de atendimento, clínicas ou laboratórios? Quais as populações que mais são penalizadas pela existência de ruins serviços públicos de saúde? Retomem o mesmo raciocínio desenvolvido para o que diz respeito à segurança e o diagnóstico será relativamente similar. Mas ainda, assim como para a segurança, além de frequentemente dificultar o desenvolvimento dos setores de seguros, saúde e ensino nas diversas localidades através de normas e regulamentações enquadrando estas atividades, o governo muitas vezes pode impor uma política em que, é possível dizer, não se priorizaria forçosamente e prioritariamente o atendimento de pacientes, a possibilidade de ingresso e escolaridade em bons estabelecimentos, ou a obtenção de apólices de seguro mais razoáveis.

{12} O governo pode priorizar, na verdade e tendo em vista a agenda independente das particularidades e conjuntura de cada setor, uma política em que se busque apenas fazer com que ele próprio termine por ser o fornecedor destes bens e serviços, e possa então decidir quais são os atores privados participariam e atuariam nas atividades, e que papel cada um exerceria, e como estes atuariam em outras e diversas áreas, ou como se daria o financiamento das atividades e etc. Estes elementos permitem compreender como o governo poderia atuar enquanto entidade engendrando ou perpetuando desigualdades: a regulamentação ou controle de entrada em setores de ensino, saúde e segurança terminariam por facilitar que alguns players possam atuar oferecendo serviços de qualidade (quantidade) inferior ao que ocorreria em situação de maior concorrência. Por outro lado, uma escassez artificial terminaria por assegurar que os menos afortunados tivessem maior dificuldade de se procurar estes serviços. Inibir o empreendedorismo e encarecer o preço dos serviços sempre é uma bela maneira de facilitar que perdurem desigualdades.

{13} Não somente as pessoas de mais baixa renda têm uma parte da renda subtraída pela fiscalidade para o financiamento de ‘serviços sociais’ que talvez elas sequer utilizarão, mas elas teriam ainda mais dificuldades de se procurar serviços de boa qualidade, e muitas vezes teriam ainda de pagar uma segunda vez para se dispor de um serviço privado complementar (seguro de saúde, aulas particulares de reforço escolar, cercas elétricas etc.), e não com rara frequência ainda pagar diretamente, e por uma terceira vez, por parte do tratamento, ensino ou segurança pública que não são inteiramente ofertados pelo governo. É o pior cenário possível para os mais pobres.

{14} Agora imaginem o impacto que teria o protecionismo para o que possa dizer respeito às desigualdades: ele torna produtos, bens e serviços mais caros, logo, mais dificilmente acessíveis para os mais pobres, e isto penaliza não somente as escalas e setores de bens de consumo, mas o conjunto de todas as atividades econômicas. Se trata, entre outras coisas, de apenas e mais um mecanismo de redistribuição de renda que poderia explicar a evolução das desigualdades.

{15} Ou seja, não bastassem as regulamentações que dificultam o ingresso na formalidade e empreendedorismo para as camadas de mais baixa renda, não bastassem os serviços de péssima qualidade que muitos são obrigados a financiar duas ou três vezes, não bastassem estruturas potencialmente pouco concorrenciais e tendendo a encarecer diversos bens e serviços, não bastassem os lags socioculturais e de civilidade agravados pelo próprio governo (quando não consegue educar cidadãos por exemplo), não obstante e além de tudo isso, ainda é preciso praticar o protecionismo.

{16} O protecionismo pode engendrar desigualdades ou ajudar a perpetuá-las visto que dificulta e torna mais custoso para os mais pobres o acesso a bens e serviços que os mais ricos conseguirão adquirir malgrado eventuais dificuldades. E poderíamos nos estender extensivamente sobre diversos outras atividades, e enumerando diversos outros campos em que as atividades governamentais influenciam as desigualdades materiais. Se tomássemos como referência o que fez Hernando de Soto (1989) em um trabalho relativo à América do Sul, que se concentrava nas questões institucionais (e direitos de propriedade), o campo de estudo do impacto institucional sobre as desigualdades parece ser bastante vasto. Não parece difícil aceitar a hipótese que o governo esteja, de fato, entre os maiores agentes originando ou perpetuando desigualdades materiais.

{17} Um dos mantras que supostamente justificariam a ambição política é auniversalização do acesso a determinados serviços. Não se pretende dizer que este esforço é vão, ou não merece um mínimo de reconhecimento. O que se alega frequentemente e no entanto é que para atingir este objetivo, por mais que não saibamos o quão este objetivo seja desejável (ou que não concordemos que ele seja efetivamente desejável tal como apresentado), o governo não precisaria fornecer ele próprio estes serviços.

{18} Se os governos pretendem através da universalização atenuar as desigualdades, eles deveriam repensar se este método empregado para estes fins é realmente apropriado, e isto, pois os arranjos frequentemente privilegiados não ajudam forçosamente a combater as supostas desigualdades, pelo contrário! Além de ser frequentemente ineficiente, custosa e de baixa qualidade, a proposta frequente e geral dos governos (produção pública e regulamentação) termina por engendrar o efeito oposto ao fim desejado! Poderíamos passar horas aqui debatendo aspectos técnicos, comparações entre diferentes arranjos para o fornecimento destes serviços, a viabilidade para esta implementação, ou ainda, discutindo a moralidade que entorna o debate, ou questões relacionadas às epidemias no caso da saúde, e os benesses da “universalização do acesso ao ensino” e etc. Meu objetivo aqui é bem mais modesto, e não me darei por tarefa abordar detalhadamente estes tópicos, gostaria apenas de apontar brevemente que, colocados todos estes debates e embates em segundo plano, é inquestionável que o governo possa exercer um papel e que as políticas governamentais poderiam por consequência ajudar a aprofundar, engessar e perpetuar desigualdades em matéria de renda e, consequentemente, em acesso a estes serviços aqui mencionados. Desigualdades estas, como proposto na argumentação original do professor Facchini, tenderiam muito mais a serem ruins.

{19} Alegar que deveríamos por consequência simplesmente mudar os rumos das políticas do governo é exatamente demonstrar não ter entendido a natureza do dilema que se apresenta: a não ser que “mudar o rumo” seja uma forma de dizer “não mais agir segundo este paradigma e perspectiva” ou “se intrometer menos”. Primeiramente o papel do governo não deveria ser este de agente “compensador de diferenças de renda”, um instrumento permitindo que segundo sejam moldadas as vontades das elites políticas dominantes em matéria de justiça, moral e ideal distributivo, evoluam então seus objetivos redistributivos. Em seguida, é impossível que os objetivos em matéria de redistribuição, mesmo depois de sucessivas mudanças nos rumos das políticas dos governos, sejam atingidos sem que novos “problemas relacionados à distribuição” se apresentem. Em terceiro lugar, geralmente os anseios gerados por determinadas políticas terminam por se dissipar ou se frustrar quando estas terminam por engendrar o efeito inverso de seu objetivo primordial: e isto parece ser claramente exemplificado pelas políticas buscando “atenuar as desigualdades”.

{20} Sem pretender ser demasiadamente caricatural, notem que com frequência justamente nestes setores em que o governo se arroga a responsabilidade de produzir e/ou ajudar a fornecer os serviços (por motivações do tipo “o ensino é um direito”, “todos devem ter saúde” e etc.) as pessoas de mais baixa renda têm maior dificuldade de encontrar acesso. Ilustrativamente, não foi a importância das transmissões dos jogos da Copa do Mundo em alta definição  que tornou a aquisição de televisores plasma um direito, e não obstante, as camadas mais pobres da sociedade conseguem sem muita dificuldade adquirir estes bens (como a tv plasma), que eram até então considerados bens de luxo. O mesmo vale para o acesso à internet, para a aquisição de automóveis e etc. Existem obviamente diferenças no que diz respeito à produção de todos estes bens supracitados, mas cada vez mais, e mesmo para as pessoas leigas em questões econômicas, se percebe que o argumento segundo o qual o mercado seria incapaz de satisfazer as aspirações dos mais pobres em setores como os de saúde, ensino e segurança é deveras bem pouco consistente.

{21} De forma conclusiva, sempre que os Igualitários buscarem encontrar responsáveis pelo suposto aumento das desigualdades, e apontarem o capitalismo como principal responsável e apresentem o governo como melhor solução, e venham propor mais governo ou mais socialismo como resposta, não esqueçam de mencionar que entre os maiores responsáveis pela origem ou perpetuação do que chamam desigualdades pode se encontrar o próprio governo. A retórica das desigualdades se encontra em échec mais vez.

Notas

(1) Esta ilustração da gordura foi utilizada por Facchini para o estudo da relação entre crescimento econômico e desigualdades de renda, a idéia geral me parece seguir ou ter certa similaridade com a lógica proposta originalmente pela escola do Public

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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