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O fim dos “anos 10”: o que aguarda o Brasil do século XXI?

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Revisitei o que andei escrevendo nestes últimos tempos de agitação política que vivemos, desde a ebulição de junho de 2013, para comparar as expectativas que nos tomam ao fim de cada ano e às vésperas de outro – a bem dizer, desta vez, às vésperas do alvorecer dos anos 20 do século XXI.

Os “anos 10” foram marcados inicialmente pela continuidade do império lulopetista, depois dos dois mandatos de Lula. Sua presença por detrás de Dilma Rousseff garantiu-lhe a eleição, em mais um mandato da estrela vermelha marcado pela Nova Matriz Econômica e o descalabro financeiro, anunciado por meia dúzia de economistas antevidentes, em alerta desprezado por uma grande massa ludibriada. As caóticas manifestações de 2013, similares a fenômenos de massa em outros países, não tiveram efeito prático sólido algum.

Em 2014, primeiro ano – tão próximo e ao mesmo tempo tão distante – em que passei a acompanhar com os nossos leitores as peripécias tupiniquins, não exatamente em dezembro, mas logo após a tragédia de outubro, em que Dilma Rousseff foi reeleita, eu bradava contra o que considerava um crime cometido pelo Brasil contra si mesmo. Mantivemos no poder um projeto tirânico, calcado na corrupção generalizada, no desprezo de normas eleitorais, no uso de notória manipulação de instituições aparelhadas. Mesmo abatido pelo triunfo da mentira e da sordidez e pela vitória daqueles que já estavam destruindo o Brasil, mas ainda conseguiam iludir os incautos, clamava para a mobilização e para a ação, a fim de procurar impedir seus novos malfeitos. Dizia também para ficarmos de olho no doleiro Yousseff e nas descobertas relativas à Petrobras, sem ter ainda uma mínima ideia das dimensões que a Operação Lava Jato alcançaria.

Em meio às manobras de Dilma para se livrar do desafio orçamentário e suas reuniões com a Unasul, queixava-me de que o que ocupava os noticiários eram as acusações ao então deputado Jair Bolsonaro por um desaforo dito à petista Maria do Rosário dez anos antes. Tal comportamento seletivo e estúpido da “bolha” midiática e acadêmica já estava gestando a futura presidência de Jair Bolsonaro, consagrada dali a quatro anos, naqueles estertores de 2014. O futuro, por óbvio, está sempre nascendo no passado, sem que se possa ou se queira perceber.

Em 2015, estávamos mais animados com as pretensas reformas liberais que Maurício Macri prometia realizar na Argentina – triste malogro, pois o poder passa agora de volta às mãos kirchneristas. Ao mesmo tempo, porém, conduzíamos o impeachment. Liberais, conservadores e quejandos já brigavam intensamente entre si nas redes sociais e eu participava do clamor para que estivéssemos unidos em torno da queda de nossa obtusa mandatária. Também apontava esforços de intelectuais esquerdistas e parlamentares contra a Operação Lava Jato e, na vizinha Venezuela, o aprofundamento das manobras autoritárias de Maduro.

Já em 2016, encerrava o ano com otimismo: as maiores manifestações da história do Brasil haviam protagonizado a derrubada do projeto de poder lulopetista. Dilma havia caído. O STF já se deixava contaminar, em boa medida constituído dos restolhos do PT, do anseio autoritário que passou a caracterizá-lo, mas um inimigo muito poderoso havia sido alijado do Poder Executivo. Obtivemos uma conquista histórica. A ascensão de Trump e o Brexit no Reino Unido exibiam uma faceta internacional do fenômeno das elites culturais enclausuradas em “bolhas” escarnecendo das sensibilidades populares, que teimavam em contrariá-las.

Em 2017, reconhecia no governo Temer uma transição marcada pela responsabilidade da equipe econômica, pelo fim do imposto sindical – a extinção de uma desgraça getulista que ainda se tenta recriar -, pela reforma trabalhista e pela reforma do ensino médio. O Brasil começava a absorver a necessidade reformista para nos livrar do atoleiro da profunda recessão em que mergulhamos. Sofria, no entanto, da quantidade de investigados no governo e do caráter duvidoso do próprio presidente, um aliado de longa data do PT que procurava consertar a imundície que ajudou a erguer. A redução ministerial esperada, a reforma previdenciária urgente e a quantidade desejada de privatizações não aconteceram. Entrementes, lentamente, saíamos do buraco.

Finalmente, em 2018, Jair Bolsonaro era eleito. Não há como olhar para os fatos que se sucederam ao longo de tão turbulenta década e não enxergar em tudo isso a sequência causal para que tão improvável presidente do Brasil se sentasse na cadeira do Planalto. Um deputado de baixo clero, conhecido por sua falta de traquejo, há anos na política sem atingir posições de relevo, alcançava o posto máximo do Executivo empregando uma campanha intensa nas redes sociais à base de memes, captando o sentimento reinante de insegurança e bradando virulentamente contra a podridão que havia caracterizado o ciclo anterior.

Se olharmos para estes anos 10 que se despedem, podemos abrangê-los por diferentes perspectivas. Prefiro a mais positiva: saímos deles melhores do que entramos. Insistimos no erro de alimentar os ladrões e assassinos da pátria ao reeleger o PT, mas, com uma força nunca antes vista, mobilizamo-nos para enxotá-los de lá. Institutos, influenciadores e formadores de opinião liberais e conservadores ganharam um destaque sem par no restante da Nova República. Muitos deles foram para o Parlamento. Uma história bonita foi escrita. Poderíamos estar fechando a década prontos a escrever novos capítulos de uma triste epopeia bolivariana, mas não estamos, porque conseguimos fazer escolhas melhores.

Não sem mortos e feridos. Em 2019, o STF continuou e continua aprontando das suas – ainda que possamos ter esperança com a iminente saída de Dias Toffoli da presidência para a entrada de Luiz Fux e de Celso de Mello da Corte. Daí veio o maior de todos os absurdos: o “inquérito AI-5” com que se pretende investigar uma série de supostas ofensas à instituição, estrovenga que passa sem maiores consequências para seus artífices, mesmo tendo motivado a censura a uma revista e a invasão da privacidade de cidadãos praticamente inofensivos.

O presidente ajudou a levar ao Legislativo também parlamentares de qualidade deprimente, alguns dos quais acabaram por se voltar contra ele. Muitas declarações irresponsáveis de ministros e aliados do presidente poderiam ter sido evitadas, inclusive algumas particularmente graves atacando personalidades de dentro do próprio governo com acusações de golpismo jamais comprovadas. Problemas que poderiam ser mais simples foram agravados por falta de tato. Investigações sobre possíveis crimes do passado no seio da família do presidente, quer se queira, quer não, complicam inevitavelmente a imagem do governo. O Legislativo continua teimando em avançar agendas que nos atrasam e prejudicam, como o fundão eleitoral. Insensatez, infantilidade e interesses menores continuam levando a trocas de ataques estúpidos, tanto dos entusiastas fanáticos do bolsonarismo quanto dos opositores sistemáticos. Não foi nem de longe um ano tranquilo, de paz e harmonia entre as forças que depuseram o PT. Foi difícil.

Mesmo assim, meus amigos, cabe fazer um esforço para observar o conjunto da obra, numa tentativa de distanciamento histórico das disputas de egos e interesses do momento: o maior escândalo de corrupção da história foi desmontado. A recessão se vai despedindo, todos os números da economia vão melhorando, os números da (in) segurança também. A infraestrutura, com o apoio dos militares, vai sendo tocada magistralmente. Os problemas e intempéries que enfrentamos servem para mostrar a alguns que os políticos são humanos, não mitos ou deuses. Servem para mostrar que não há soluções em passe de mágica e que há muito trabalho a fazer. Servem para mostrar que a luta pela liberdade exige constante vigilância e todos precisam participar.

Disse em janeiro que o Brasil já era um país melhor do que há pouco tempo simplesmente porque não tinha mais um governo que apoiava Nicolás Maduro. Isso continua a ser verdade, com todos os problemas que seguimos encarando.

Há cem anos, o país era governado por uma oligarquia praticamente intransponível. Epitácio Pessoa era o presidente desde julho de 1919. Os anos 20 do século XX foram de revoltas tenentistas, governos quase inteiros sob estado de sítio, incremento do autoritarismo, greves, violência política, crise econômica e uma revolta que, na década seguinte, estabeleceria a ditadura de Getúlio Vargas. Hoje, às vésperas de 2020, não se vê golpe militar no horizonte, não há estado de sítio em vigor ou na iminência de ser instalado, o desafio econômico continua grande – mas vai sendo enfrentado por uma equipe econômica imbuída de ideias liberais. O Brasil é um jovem país de caminhos tortuosos, mas, a trancos e barrancos, sob vários aspectos, estruturalmente, nós caminhamos.

A década de 10 já foi perdida para a economia, mas sua segunda metade valeu a pena pelo brado do gigante contra os tiranos que o oprimiam. Que nos anos 20 saibamos ignorar os cantos de sereia do autoritarismo – de qualquer espécie e infiltrado em qualquer poder da República – e fortalecer a prosperidade e o vigor do indivíduo brasileiro. Que tenhamos mais sabedoria para criticar e combater o que está errado, sem fechar os olhos ao absurdo, mas também sem desperdiçar a chance de solidificar o que está dando certo.

Feliz ano novo!

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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