O conserto do Obamacare e a saúde no Brasil
BERNARDO SANTORO*
A imprensa brasileira, por algum motivo que desconheço, está ignorando um dos maiores fatos políticos dos últimos tempos: a incrível crise do Obamacare, o ousado plano de universalização da prestação de saúde nos EUA. Ontem o Presidente Obama fez um pronunciamento onde ele tentou consertar (o termo é exatamente esse, “to fix”) um problema grave do Obamacare: os planos de saúde que não alcançam o padrão mínimo de cobertura exigido por lei.
Durante a aprovação da lei, o Governo Obama se comprometeu a fazer todo o esforço para garantir aos usuários de planos que eles mantivessem seus antigos contratos, mesmo que esses não estivessem totalmente de acordo com a lei. Ao longo dos três anos de implementação, não foi possível uma compensação financeira em que o governo arcasse com a diferença de preço, de modo que o contrato antigo pudesse migrar para o novo, com a cobertura legal, sem aumento dos custos para o particular.
O resultado foi uma enxurrada de cancelamento de planos de saúde e um aumento exponencial de americanos revoltados. Até mesmo senadores democratas começam a se preocupar em perder suas cadeiras para republicanos no ano que vem por causa do Obamacare.
Com isso, Obama resolveu estender o prazo de adequação dos planos à nova lei em um ano, para ver se os planos só sejam cancelados no ano que vem, após a eleições que renovarão em 1/3 as cadeiras do Senado.
Esse problema do rol mínimo de cobertura é apenas um dos problemas do Obamacare. Ele faz com que usuário e operadoras de plano não tenham liberdade de negociação, as operadoras perdem o direito de fazer planos específicos para cada um mais baratos, de acordo com o gosto do freguês, e em última análise simplesmente restringe o acesso dos mais pobres a planos de saúde.
Aqui no Brasil já temos essa chaga, com a ANS dispondo sobre esse rol mínimo. Aqui, pelo menos, houve um real respeito os antigos contratos, que puderam ser mantidos, mas os efeitos deletérios da imposição do rol impediu a livre-contratação de planos para todas as gerações seguintes.
Outro problema do Obamacare é que ele obriga os planos de saúde a aceitar qualquer um, independentemente do histórico de doenças. Nem mesmo a ANS faz isso aqui no Brasil, dispondo, por lei, de certos prazos de carência. E quando os EUA, em qualquer matéria, se torna mais interventor que o Brasil, então está na hora dos americanos realmente pararem para reflexão. Essa imposição legal acaba por encarecer o plano de saúde de todas as pessoas sem doenças pré-existentes.
Temos ainda a obrigatoriedade de todas as pessoas terem um plano de saúde. Esse é o problema mais complexo do Obamacare, pois ele tanto encarece os planos quanto, em longo prazo, leva a um aumento do risco moral.
Quando se aumenta a demanda de um serviço sem um aumento da oferta, o preço sobe exponencialmente. Esse custo passa a ser bancado pelo falido estado americano para os pobres, e o aumento do preço dos que já tinham planos é coberto por eles mesmos.
No que tange ao risco moral, a existência de um plano com cobertura universal cria um incentivo contra o bom cuidado com a saúde. É claro que é apenas um incentivo, mas no longo prazo tal incentivo leva a um uso excessivo do sistema, que por ser escasso, acaba por prejudicar a qualidade da prestação do serviço de saúde.
Esse problema do risco moral é uma realidade do SUS brasileiro, que ainda tem o problema da lógica da verba, em que quanto pior o serviço, maior a demanda política por mais recursos, e mais dinheiro o burocrata tem. É uma lógica invertida que leva a um ininterrupto prejuízo sócio-econômico.
Como se vê, cada vez mais o governo americano incorpora problemas que já são conhecidos pela população brasileira, mas pouco analisados do ponto de vista liberal. Talvez se os espiões americanos tivessem feito o trabalho direito, nada disso estaria acontecendo por lá. O governo Obama ainda não tem resposta para nenhum desses problemas, apenas adiando a resolução de alguns por um ano. Mas essa conta vai chegar, e pode ser paga na urna. Será?
*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL