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O “consenso social democrata” em xeque

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A atual fase “republicana” – se o que temos merece ser chamado de “República” – principiou na segunda metade dos anos 80, com o desfecho do regime militar. Na famigerada Constituinte de 88, o hoje centenário liberal Roberto Campos já denunciava a “democracia disfuncional” que criava, o “intervencionismo autoritário” que consagrava e o caráter “nacional-populista” que se patenteava na corrente majoritária dos seus idealizadores.

O monturo de entraves e determinações delirantes do documento fundante da Nova República, já então apontado pelo solitário liberal mato-grossense, associava a ela uma datada identidade estatizante, que ofereceria, pelas décadas seguintes e até hoje, obstáculos essenciais à modernização privatista. Esse problema, somado à própria natureza da classe política e intelectual que começou a configurar as maiorias absolutas no período, preparou o terreno para aquilo que o estimulante colunista da Revista Amálgama, Elton Flaubert, chamou apropriadamente de “consenso social democrata”.

A primeira eleição direta desde 1964 foi um ponto fora dessa curva, com a vitória de Fernando Collor adotando um discurso privatista e modernizante. Infelizmente a prática só acompanhou a retórica em alguns aspectos, enquanto em outros, mais pronunciados e dolorosos, a contrariou profundamente. O impeachment levou Itamar Franco e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso com seu PSDB, ao poder.

Do ponto de vista dessas lideranças políticas, reformas como o Plano Real, de sólida importância para a estabilidade da economia brasileira e que não podemos deixar de reconhecer, não se deram sob o influxo de uma convicção enraizada e esteticamente realçada no valor dessas medidas em si mesmas. O propósito foi tão somente equacionar as dificuldades do Estado. Tanto assim que, não obstante seus sucessos econômicos, algumas das privatizações não se deram sem a manutenção de uma significativa presença do Estado no rumo das empresas, a carga tributária não cessou de aumentar e o BNDES já começou a ser usado para financiar particularmente indústrias nacionais – e tudo isso era, para FHC, motivo de orgulho.

No plano cultural e intelectual, os oito anos do sociólogo uspiano refletiram sua visão de mundo à esquerda, com o princípio do apelo às chamadas “ações afirmativas”, a condescendência com os “movimentos sociais” como o MST e a relação de amante surrada com o principal adversário, o PT de Lula. Esse desenho geral consolidou o “consenso”, uma disputa entre uma esquerda despudorada e uma esquerda refinada, em que a consequência, mais cedo ou mais tarde, haveria de ser a ascensão da primeira.

Como pano de fundo para isso, estavam o PMDB – berço do PSDB, abrigando entre nacional-populistas do grupo originário que encabeçou a Constituinte e lideranças fisiológicas, despidas de princípios, herdeiras de uma lamentável tradição brasileira de caciquismo local – e, em menor escala, o PFL, atual DEM – supostamente o partido “de direita”, mas asfixiado e reduzido em escala, ao mesmo tempo em que empurrado para o centro e acomodando-se ao “consenso”, a ponto de Rodrigo Maia ser figura de referência do partido no Rio -, compondo suas bases com o PT e o PSDB e ajudando a construir os governos.

O que hoje vivemos são as consequências desse concerto. O colapso do regime lulopetista nos livrou, com o magnífico concurso do povo, de um fechamento perigosamente autoritário do nosso sistema político, mas o “consenso social democrata” não foi derrubado. O governo Temer é inteiramente composto por lideranças comprometidas com ele, que só levam adiante reformas econômicas saudáveis, tais como a do Plano Real, por absoluta necessidade para equacionar as contas públicas, não vendo qualquer problema em recuar em avanços cruciais, como o fim do imposto sindical, para atingir esse objetivo “menor”. Não têm o temperamento para ir adiante. Nem a lisura, pois se beneficiaram todos, em posições de governo ou na oposição, das “mamatas” e “boquinhas” que o sistema, ancorado na corrupção e no Estado inchado, é capaz de oferecer.

A lista liberada pelo ministro do STF Edson Fachin, revelando lideranças implicadas em delações da Operação Lava Jato, é mais uma cereja para o bolo do desnudar de toda a imundície por trás desse “consenso”. O PT, que lidera a lista, já não é mais novidade alguma. Quase todos os principais ministros de Temer, egressos da classe política, estão envolvidos nos pedidos de inquérito. O próprio presidente poderia estar, não fosse o impedimento legal pelo cargo que ocupa.

Se considerarmos tanto a lista liberada no STF quanto os nomes enviados para a segunda instância, inúmeros partidos são atingidos, e todos os nomes que representaram o PSDB nas pusilânimes oposições ao PT durante os anos de lulopetismo – José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves, este com cinco inquéritos – estão na roda. O nome do vice de Tancredo Neves, José Sarney, já havia aparecido antes, e se completa com Collor, novamente, Lula, Dilma e o próprio Fernando Henrique Cardoso – todos os presidentes da Nova República. A infâmia alcança os presidentes das duas casas legislativas, além dos ex-presidentes Eduardo Cunha e Renan Calheiros, que já coleciona inquéritos. Ex-ministros como Guido Mantega e marqueteiros como João Santana também entram no radar.

Ao todo, são nove governadores de Estado implicados. No STF, 24 senadores, 8 ministros, 3 governadores e 39 deputados. Mais do que os números, impacta a expressão das lideranças. A moral da história que a lista de Fachin explicita é o retrato do fracasso anunciado do “consenso social democrata”. Ele está em xeque e não há nada nele que valha a pena salvar. Porém, as vítimas culpadas do turbilhão trabalharão para isso; cabe a nós manter a vigilância para proteger a Lava Jato de quem pouco terá a perder ao investir contra ela. Precisamos deixar o “consenso” morrer.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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