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O conceito de “liberalismo aristocrático”

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No debate contemporâneo sobre o liberalismo e suas várias vertentes (dominado hoje por hordas autoproclamadas de “convertidos” austríacos e um liberalismo haurido nas redes sociais de maneira trôpega, assimilando mal e mal conceitos superficiais de liberalismo econômico, fazendo com que, muitas vezes, as posições se reduzam a um “imposto é crime” ou algum clichê que o valha), explicitam-se às vezes omissões e esquecimentos gritantes, como é o caso do liberalismo clássico de pensadores robustos como Adam Smith ou John Locke (os liberais “originais”, por assim dizer), que foi nada menos do que a base dos demais modelos liberais e da democracia liberal e representativa vigente no Ocidente ao longo dos últimos duzentos anos.

Um caso particular de liberalismo clássico é o chamado “liberalismo aristocrático”[1] expressão cunhada diretamente da obra do Barão de Montesquieu (1689-1755), o renomado autor a quem se credita a teoria moderna da tripartição dos poderes que influenciou, sobremaneira, a composição e divisão das instâncias políticas na modernidade.

Este liberalismo é caracterizado pela ênfase na limitação dos poderes para além das leis e do sistema de pesos e contrapesos da divisão tripartite por meio dos chamados “corpos intermédios” ou intermediários. Montesquieu, assim como o filósofo político Alexis de Tocqueville (1805-1859), temiam que o igualitarismo transformasse o liberalismo numa força despótica ao retirar privilégios e prerrogativas do Antigo Regime, que refletiam costumes e instituições ancestrais, convertendo todos em cidadãos indistintos dentro de uma ordem quase homogênea onde Estado e indivíduos constituiriam as duas únicas categorias políticas relevantes – com um peso muito maior, é claro, para o Estado, que era e é o poder político constituído. Restaria ao cidadão atomizado, portanto, sem distinção e sem poderes intermediários entre ele e o Estado, submeter-se a este último, que poderia centralizar-se mais e mais, convertendo a ordem liberal, paradoxalmente, em uma tirania.

Para contrapor-se ao igualitarismo abstrato e atomizante e em nome de uma autêntica igualdade que respeitasse as origens e a dinâmica real da sociedade, bem como para preservar os vínculos sociais e as afinidades coletivas naturais, é preciso, portanto, preservar a autonomia dos corpos intermediários, que nada mais são que as instâncias gregárias que estão entre o indivíduo puro e a comunidade política total (sociedade e Estado). Tais grupamentos podem ser naturais, como a família ou o clã; ou institucionais de variadas finalidades e espécies ( a religião, o sindicato, o partido político, o clube, as associações civis, as corporações profissionais, universidades, entidades filantrópicas, a mídia etc).

Esta configuração política pluralista, por essência, viabiliza os variados interesses individuais por meio de grupos maiores e, assim, se contrapõe a uma sociedade engessada e monolítica, dissipando pretensões autoritárias e centralizadoras, ao mesmo tempo em que promove instâncias variadas de poder que, por sua vez, reforçam os limites do poder central. Isso evita o fortalecimento desproporcional do Estado, no melhor estilo liberal clássico, que pretende o mesmo por meio do reconhecimento das liberdades e direitos individuais.

É de se notar que a teoria social dos corpos intermédios, embora seja uma característica nominal do liberalismo “aristocrático”, é comum também tanto ao liberalismo conservador quanto ao liberalismo social, bem como foi adotada pelo pensamento social da Igreja católica, vindo a se integrar ao que é conhecido como “doutrina social da Igreja” – mas, ao contrário do que muitos pensam, não é um tema próprio desta corrente de ideias, tendo nascido e se desenvolvido no liberalismo.

Por meio da teoria social dos corpos intermédios, portanto, juntamente com o reconhecimento dos já mencionados direitos e liberdades fundamentais, da democracia representativa-partidária e do império da lei, que asseguram os limites ao poder político-estatal, vemos o esplendor da filosofia liberal, que não pode ser entendida nem como um violento  democratismo a la Rousseau, com um igualitarismo exacerbado, tampouco como uma visão atomizada de indivíduos que se contrapõe a um Estado “tirânico” que deve ser eliminado a qualquer custo, como nas utopias libertárias contemporâneas.

*Leonardo Barboza Mesquita é advogado formado pela UFF/RJ, pós-graduado em filosofia pela Faculdade São Bento/RJ e articulista.

[1] A expressão “liberalismo aristocrático” não se encontra presente nem nas obras de Montesquieu e tampouco nas de Tocqueville, sendo um acréscimo tardio de intérpretes posteriores, em especial os pós-revolução francesa, como forma de identificar aqueles liberais que propunham antepor instâncias que atenuassem o poder e centralização excessiva do Estado.

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