Não olhe para cima… Encare-os de volta!
Após adiar por alguns dias, decidi assistir à Não olhe para cima, mais novo filme da Netflix. Minha relutância se devia, principal e paradoxalmente, pelo sucesso que a produção alcançou nos portais de “notícias”. Átila Iamarino colocou o protagonista interpretado por Leonardo di Caprio em seu avatar no twitter. Especialistas—sempre
eles—afirmaram que o filme era uma crítica ao “negacionismo bolsonarista” (sic). Eu não iria perder tempo assistindo a um filme cheio de clichês.
Porém, surgiram outras críticas elogiosas ao filme, desta vez vindo do outro lado do espectro ideológico. E pensei se Não olhe para cima poderia ser apenas mais um bom filme sendo cooptado para proselitismos sectários — como ocorreu com o Pantera Negra, do Universo Cinematográfico da Marvel. Resolvi, então, assistir. A produção da Netflix tem o mérito de criticar muita gente de muitas formas, mas ele não é neutro—o que não é necessariamente ruim. A história de um filme satírico naturalmente conterá uma visão de mundo com a qual o público pode se identificar ou não. Porém, o que importa é o filme conseguir entregar o que se propõe e Não olhe para cima consegue: é uma divertida sátira da sociedade norte-americana atual.
Nada mais contemporâneo do que a polarização política em todos os aspectos de nosso cotidiano, inclusive na hora de elogiar ou criticar um filme. E eis-me aqui para fazer exatamente isso: dizer o que eu— também munido de todo o meu viés — achei do filme. Os poucos erros não prejudicaram a experiência, tampouco eclipsaram as duas grandes
mensagens—uma libertária e outra conservadora—que são apresentadas no final da trama… e deste artigo.
O que vi de errado
Cientificismo. O filme parte da premissa de que os verdadeiros cientistas são os únicos capazes de salvar a humanidade de uma catástrofe natural. Premissa essa, faça-se justiça, que está impregnada em toda nossa intelligentsia—ou os “ungidos”, de Tomas Sowell. Se os cientistas nos apresentarem uma solução “científica”—muito complicada para ser entendida pelos leigos —, devemos acreditar. Pois quem, em sã consciência, refutaria um artigo “revisado por pares”? Cientificismo não é o mesmo que ciência. Ciência busca a verdade por meio da negação de uma verdade anterior; cientificismo é a crença na verdade revelada, não por Deus, mas por qualquer um que vista um jaleco.
Capitalismo malvadão. A “mentalidade anticapitalista”, como alertava Mises, está mais uma vez presente em uma obra cultural. Como assim, a solução científica foi substituída por uma solução capitalista? Que absurdo empresas estarem visando ao lucro! O filme claramente favorece a solução estatal quando o primeiro lançamento é um sucesso sem erros, enquanto que o segundo, capitaneado pela empresa privada, falha miseravelmente. Talvez
os responsáveis pelo roteiro tenham esquecido das tragédias da Apollo 3 ou da Challenger; ou tenham terminado a produção do filme antes de testemunharem os recentes voos privados da SpaceX.
Paternalismo. Os roteiristas parecem ter compreendido parte dos anseios da classe média norte-americana quando mostram o esforço do governo—em campanhas publicitárias com o “cientista sexy” — de abrir uma linha telefônica para tirar dúvidas quanto aos empregos a serem criados pelo asteroide. Porém, o erro, ao meu ver, está no paternalismo com que o cidadão comum é visto: um ignorante que precisa ouvir o que é o melhor para ele. Da mesma forma, o candidato à Suprema Corte, um depravado cowboy texano, não detinha as capacidades para tal cargo, claramente uma crítica aos juízes indicados por Donald Trump. Uma crítica que não se sustenta nos fatos.
Movimento ambientalista. O filme mostra um movimento ambientalista global sem nenhum tipo de financiamento — público ou privado —, sem apoio da mídia tradicional e de repercussão totalmente orgânica. Nada mais falso. As causa ambientais são sustentadas por um sem número de entes governamentais e bilionários, além de possuírem ampla divulgação midiática. Ah, e catástrofes ambientais já foram previstas desde o século XVIII por Thomas Malthus e segundo Al Gore, em seu apocalíptico filme Uma verdade inconveniente, o ártico deveria estar sem gelo desde 2013.
Acertou em cheio
As caricaturas. A maioria das personagens são caricaturas divertidas—e constrangedoras. a) Um general capaz de furtar dinheiro de salgadinhos e ainda manter, inexplicavelmente, sua aura de respeitabilidade. b) Um herói de guerra, genuíno representante dos WASP, exala um racismo inconsciente, mas é “perdoado” por pertencer a uma “outra geração”. c) A presidente — uma quimera entre Trump e Hillary — é uma psicopata populista, cujo partido recebe bilhões de doações de uma big tech, e com um filho drogado interferindo nos rumos da nação (Hunter Biden?). d) A gigante de tecnologia BASH parece uma Apple com algoritmos da Google e naves espaciais da SpaceX, e o seu CEO possui a simpatia do Mark Zuckerberg. e) Nem as celebridades do cinema foram esquecidas: um ator de Hollywood confessa que seu engajamento social é uma “sinalização de virtude”. Políticos só se preocupam com as eleições. Esta verdade incontestável deve ser sempre lembrada a todos nós, pois parece que preferimos ignorá-la. No filme, como na vida real, o governo se apropria das pautas urgentes da sociedade para o seu próprio benefício. Até as políticas identitárias foram mostradas no filme como apenas mais um interesse de manipulação do eleitorado.
Capitalismo de compadrio. A esquerda sempre criticou a captura do governo pelo “grande capital”. Porém, é natural, por uma dedução lógica, que essa aproximação ocorra em qualquer governo, não importando a sua coloração ideológica. Em breve, escrevei a respeito. Quanto ao filme, ele acerta em mostrar essa promiscuidade, uma relação simbiótica de sobrevivência entre dois organismos—um público e outro privado.
Algoritmos. O filme retrata a enorme penetração das big techs em nossas vidas. Com seus algoritmos construídos para saberem tudo sobre nós—e para lucrar em cima disso—, os aparelhos celulares ganham vida própria e até fazem compras sem ordem de seus proprietários. O detalhe da vida real é que nós consentimos com isso: por mais praticidade em nossas vidas, não nos importamos em ceder um pouco mais de nossa privacidade.
Imprensa. Os interesses da mídia tradicional são motivados pelos mesmos incentivos de grandes empresas em um Estado intervencionista: por um lado, visam ao lucro e ao seu público; por outro, devem atender a quem garante a licença de seu funcionamento, o governo. Por isso que no filme uma tragédia de escala global é transmitida num telejornal de fofocas (nada como uma fofoquinha de manhã, não?) e com um discurso alinhado ao oficial, sem precisar que ocorra uma pressão direta do governo para isso. Não é necessário.
O poder é sedutor. Da mesma forma que empresas, pessoas também são atraídas pelo poder. Se corporações o fazem por dinheiro, um ingênuo e ético cientista “sexy” pode ser cooptado pelo governo e pela mídia por pura vaidade. Nada como o status social para melhorar até seus problemas de saúde e autoestima.
Polarização. Uma verdade triste de nossos tempos, é como a polarização política divide até os laços familiares. A cisão social é artificial, instigada pelos governantes por interesses eleitoreiros. Exatamente isso que vemos no filme, quando os slogans políticos dividem a sociedade em “nós contra eles”, e termina por expulsar a estudante de astronomia da casa de seus próprios pais.
Conclusão—As duas mensagens finais
O arco final da trama evoca dois dos mais importantes valores morais da sociedade norte-americana: a família e a desconfiança no governo. Aquele país foi erigido sob alicerces muito sólidos — o conservadorismo e o libertarianismo —, os quais não podem ser demolidos tão facilmente, e o filme reconhece isso. Foi necessário que
um asteroide ameaçasse a vida na Terra para que a sociedade norte-americana colapsasse.
As cenas finais são claramente uma representação de um jantar em família do Thanksgiving — o feriado mais importante nos EUA. Em um determinado momento, o responsável pela oração é o adolescente que criticava a criação dada por seus pais, mas foi ela quem o preparou para aquele momento. Os personagens estão confraternizando e agradecendo as graças alcançadas em suas vidas, não importando o quão caótico o mundo esteja, pois é no seio da família onde se encontra um refúgio de paz e de comunhão com Deus.
O filme também lembra aos americanos que o governo não é merecedor de confiança, não importa se Maryl Streep veste vermelho ou azul. Quando os Founding Fathers limitaram o tamanho do Estado, eles estavam preocupados em garantir um EUA livre do controle central, pois sabiam que, quanto maior o poder do governo, menor é a liberdade do indivíduo. Não olhe para cima é cirúrgico ao mostrar que o governo é motivado por autopreservação, nem que isso custe a extinção da vida na Terra.
Por isso, caro leitor, fique de olhos bem abertos e guiados por quem realmente importa: você mesmo! Apenas torço para que olhemos todos para dentro e cuidemos de nós mesmos; olhemos ao nosso redor, onde estão nossa família e amigos; e olhemos, principalmente, diretamente nos olhos daqueles que são as verdadeiras ameaças contra nós: os
governantes.