Marx estava certo – ou quase
O marxismo “raiz” possui teses perfeitamente justificáveis. Por exemplo, a história da humanidade é a história da luta de classes. Pois, o que seriam a escravidão e o feudalismo senão relações de opressores sobre oprimidos que perduraram por muitos séculos? Além dessa, podemos encontrar outras teses válidas na doutrina marxista.
Porém, da mesma forma que um relógio quebrado pode apontar a hora certa num contexto muito particular da realidade — e nem por isso torna-se útil — , Karl Marx acertou em algumas observações do mundo, porém foi incapaz de retratar a realidade para além de sua métrica materialista e cúpida — criando uma ideologia nefasta e falsa.
Quais as principais teses marxistas?
Além da (1) história da luta de classes, as demais crenças do marxismo são:
(2) Os membros da classe dominante possuem o interesse comum de defender sua posição privilegiada e maximizar os ganhos apropriados da classe explorada, sendo a melhor maneira de manter o status quo a formação, o controle e a legitimação do Estado.
(3) A hierarquia dos dominantes tende à concentração, uma vez que a disputa de vários polos de exploração resulta em polos oligárquicos ou monopolistas. As consequências internacionais desse arranjo são o expansionismo e as guerras imperialistas.
(4) Os marxistas defendiam que, ao final desse longo processo de dominação mundial, ocorreria o colapso do capitalismo: a economia se estagnaria. Nesse cenário, se criariam as condições para o surgimento de uma consciência de classe revolucionária para derrubar o Estado e alcançar uma prosperidade econômica jamais vista.
Meia-verdade nº 1 — Luta de Classes
Já concordamos que o dono de escravo e o senhor feudal possuem interesses antagônicos aos do escravo e do camponês. O ganho de um representa a perda do outro. Mas e quanto ao capitalismo? A mais-valia também não é a apropriação de parte do trabalho não remunerado em benefício do detentor dos meios de produção?
Realmente, a maior parte das propriedades capitalistas originárias resultaram de pilhagens e conquistas. Também é verdade que a expansão do capitalismo para o “Terceiro Mundo” se deu por meio da força. Porém, há um truque aqui. Marx construiu uma narrativa na qual, mesmo sob um capitalismo “limpo” — cuja apropriação originária do capital foi resultado de trabalho e poupança — , a relação de trabalho será opressora.
A mais-valia não existe. O que existe é a preferência temporal. Toda relação de trabalho — e a respetiva remuneração — baseia-se no quanto o trabalhador valoriza bens presentes em detrimento de possíveis ganhos futuros e quanto o empresário espera de retorno por seu capital já investido. O trabalho é uma relação econômica e, como tal, intercambia bens presentes e futuros por meio de um desconto, com ganho para todos os envolvidos.
Meia-verdade nº 2 — A elite se protege
Outra crença marxista diz respeito à perpetuação da elite no poder. Como o seu domínio não se baseia em trocas voluntárias, mas em coerção e coação, a classe dominante só será destituída pelo uso da força. Portanto, o Estado só consegue se estabelecer possuindo o monopólio da força em um determinado território; ou que os próprios explorados o legitimem — ou como dizem os marxistas, que não possuam “consciência de classe”.
Porém, mais uma vez os marxistas erraram o alvo. O modelo de exploração não é do capitalista contra o assalariado, mas sim o do apropriador não original (o saqueador, explorador ou tributador) contra o apropriador original (o produtor, poupador ou pagador de imposto). Ou seja, a premissa marxista de que o Estado é explorador porque protege a propriedade privada dos capitalista é falsa; o Estado é explorador porque não precisa adquirir propriedade de maneira produtiva, basta dar-se o direito de tomar a produção de terceiros.
Pelo menos, os marxistas consideram o Estado como um ente opressor e, como tal, mantenedor da consciência de classe em níveis baixos. Por meio da distribuição de renda, promessa de participação democrática e eufemismos — como “contribuinte” em vez de pagador de imposto — , o Estado angaria apoio, divide a classe dominada e reduz resistências.
Por fim, os marxistas estão certos em apontar a promiscuidade entre o governo e a burguesia. Pero no mucho. A elite não apoia o Estado porque o vê como garantidor de sua propriedade privada, como dizem os comunistas. Pelo contrário. Justamente por saber que o Estado é a antítese da propriedade privada e que só existe por meio de expropriação, o stablishment burguês se aproxima do “rei” para proteção especial contra a concorrência do mercado.
Meia-verdade nº 3 — A classe dominante tende à centralização
Com a concorrência interna da classe dominante, há uma tendência à maior concentração de poder, porém, isso não é característica do capitalismo. O “capitalismo selvagem” não cria monopólios, tampouco é uma relação de soma-zero. Na verdade, é um sistema capaz de criar riqueza.
Porém, basta a intervenção não contratual de um ente coercitivo para que a riqueza deixe de ser gerada e passe a ser apropriada. É quando uma classe dominante que nada produz (além de regulações) interfere que nascem os oligopólios. A concentração de negócios é um reflexo direto da estatização da economia.
A tendência à concentração, portanto, é característica da concorrência entre os próprios exploradores. Ao contrário do capitalismo, a exploração requer o monopólio sobre um território; caso contrário, terá que concorrer com serviços privados de previdência, educação, justiça e segurança. Uma vez garantido o monopólio dentro de seu território, o Estado volta-se para a concorrência externa: daí a necessidade de expandir-se por meio de guerra.
A correlação entre capitalismo e imperialismo conduz à conclusão falsa de que o capital busca a guerra. Na verdade, somente um ente livre das regras de mercado — e, portanto, essencialmente coercitivo — é que tem os incentivos para ser agressivo. Se bancos e grandes empresários financiam guerras, não é por culpa do capitalismo, mas porque essa elite privilegiada precisa estender sua proteção contra o livre mercado para além das fronteiras do Estado.
Meia-verdade nº 4 — A ruína do capitalismo
A crescente expansão imperialista resulta em uma exploração em níveis cada vez maiores, inclusive impondo a exportação de seu monopólio monetário. Atualmente, estamos presenciando a consequência desse arranjo pernicioso: o padrão-dólar nunca foi tão questionado e os Bancos Centrais de todo o mundo criam dinheiro para dar sobrevida a uma economia já estagnada.
Um colapso econômico de grandes proporções não pode ser ignorado — muito menos suas consequências, pois foi em momentos de crise que surgiram movimentos revolucionários. Entretanto, ao contrário do que diz o senso comum — e do que dizem os marxistas que não possuem senso algum — , os crash não foram culpa da farra capitalista, mas sim da sanha intervencionista dos Estados na economia.
Uma quebra financeira terá mais uma vez a marca de uma classe dominante, mas não capitalista, como dizem os marxistas. Qual classe possui monopólio na emissão de moedas? Impõe taxas de juros artificiais? Confina todos em suas casas, sem poder trabalhar?
Conclusão
O modelo monetário vigente no mundo hoje não é mais sustentável. Poderá, mesmo assim, perdurar por anos a fio antes de colapsar, graças à coerção e à expropriação; mas, ao contrário da tese marxista, não caminharemos para a socialização dos meios de produção, após a derrubada do Estado.
A história da humanidade, apesar das lutas de classes e guerras imperialistas, sempre caminhou em direção a mais liberdade, simplesmente por conduzir a mais prosperidade econômica e social. O Estado não será derrubado por meio de uma guerra revolucionária comunista, ele definhará por simples perda de relevância: os indivíduos buscam alternativas à coerção. Como afirma Hoppe, “o fim da exploração e o início da liberdade e de uma prosperidade econômica jamais vista, resultará no estabelecimento de uma sociedade de propriedade privada pura, regulada por nada além do direito privado.”