Limites da Teoria Neoclássica do Monopólio Natural [II]: Não Existe Custo ‘Social’

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Este segundo artigo da série procura apresentar por que a noção ‘custo social’ é tão importante para o raciocínio envolvendo a teoria tradicional do monopólio. Fazendo questionamentos relativos à sua pertinência, e sendo guiado por um raciocínio econômico relativamente bem elaborado, termino por contestar sua validade pratica, contestando também a concepção particular que lhe é conferida no plano teórico. 

Introdução

{1} Como vimos na primeira parte deste trabalho, um conceito relativamente importante dentro da retórica do monopólio é o de ‘custo social’. Em ciências econômicas, e segundo a teoria tradicional, o ‘custo social’ diz respeito ao total de todos os custos ligados a uma atividade econômica (1). Ele inclui todos os custos suportados pelos agentes ocupados em atividades econômicas ou comerciais acrescentados dos custos suportados pela sociedade como um todo e associados às atividades em questão. Por serem descritos ou caracterizados como essencialmente ‘privados’, os custos que refletem diretamente uma organização produtiva e comercial são colocados em oposição aos custos ‘essencialmente’ sociais: não é incomum se referir aos ‘custos sociais’ apenas como o conjunto de custos externos diferente dos ‘custos privados’.

{2} Custos sociais podem ser definidos, desta forma, como o conjunto de custos envolvendo os agentes que não participam diretamente à operação produtiva ou transação mercatória (2). A noção de ‘custo social’ pode então ser associada, em economia do bem-estar, à idéia de externalidade, que significa simplesmente que um certo número de trocas entre agentes não encontra respaldo nas operações de mercado. Em outras palavras, as ações econômicas implicariam consequências positivas ou negativas sobre outros agentes sem que isto passe pelo mercado (3).

{3} Neste caso, os custos sociais correspondem ao conjunto de custos non-marchands envolvendo uma ou mais atividades econômicas. Embora um número destes custos e efeitos externos possa, mesmo que parcialmente, ser internalizado às transações, existiria frequentemente margem para o aleatório, o que colocaria dificuldades à resolução concreta de um  problema que a teoria econômica apontou relativamente bem, isto quer dizer, as situações envolvendo efeitos externos (4).

{4} Tendo como referência de optimalidade e como plano de trabalho argumentativo o ‘equilíbrio estático em concorrência pura e perfeita’, a existência de custos de transação (5) e custos sociais poderia tornar ‘legítimas’ ou justificáveis as intervenções regulamentárias desde que seus ‘custos sociais’ sejam inferiores aos seus benefícios.

Custo Social e Monopólio 

{5} Richard Posner (1975) nos apresentou uma ilustração tornando ainda mais acessível a compreensão e apreensão do conceito ‘custo social’ quando transposta ao problema do monopólio. Quando os preços de mercado aumentam e se encontram acima do nível considerado competitivo (equalizando os custos marginais e custo médio), os consumidores que continuarem a comprar por este preço mais alto, estariam sofrendo uma perda de bem estar (região L).

{6} Este aumento de preços significa simplesmente uma transferência de benefícios em bem estar dos consumidores aos vendedores e não descreve, todavia, um ‘custo social’. No entanto, supõe-se que inúmeros consumidores deixarão de comprar ou realizar negócios em decorrência deste preço mais elevado, deixando então de se beneficiar dos ganhos associados ao comércio. Esta perda em volume de negociações é representada pela região D da figura, ela descreve os custos ‘sociais’.

{7} Se levássemos em conta unicamente as transações que não podem ser realizadas, os custos sociais associados à produção em monopólio seriam ainda subestimados. Muitas vezes, a busca do estabelecimento da firma em situação monopolística para garantir acesso às rendas de monopólio, em determinados mercados, significa um dispêndio de recursos utilizados estritamente para atingir estes fins (6). Como sublinhou muito bem Gordon Tullock (1967), fazendo uma alusão comparativa entre o roubo e atividade monopolista (7), existiria umcusto de oportunidade associado ao uso destes recursos nestas atividades improdutivas ao invés de investimentos em atividades consideradas produtivas(8).

{8} Apesar disso, devemos lembrar que estas considerações relativas à formação e busca de estabelecimento em monopólio setorial não dizem exatamente respeito aos dilemas e processos decorrendo do monopólio natural(9). O processo de formação do monopólio natural, segundo a teoria standard, tem cunho estritamente tecnológico. Isto quer dizer que os custos relativos à busca de estabelecimento monopolístico no mercado não tem aqui nenhum papel a desempenhar. Mas é curioso notar, e anotar neste momento, três considerações importantes.

{9} A primeira é que os supostos ‘custos sociais’ – decorrendo da utilização de recursos em busca de rendas (rent seeking) e favores privilegiando determinado produtor –, dependem intrinsecamente da aceitação de um papel ativo do governo, ou seja, sua existência implica indissociavelmente a admissibilidade da utilização do aparato estatal, e de seus integrantes, para a instrumentalização do processo administrativo e regulamentário.

{10} Em segundo lugar, no caso da interpretação relativa ao monopólio, notemos que a noção de ‘custo social’ parece apresentar um relativo distanciamento do seu sentido original, ou do sentido apresentado quando tratamos as questões das externalidades. Enquanto os ‘custos sociais’ no primeiro caso fazem alusão às consequências diretas das transações e atividades produtivas de uns sobre o comportamento e bem-estar de outros, e da impossibilidade de realização de transações em decorrência da dificuldade de reconhecimento dos direitos de propriedade ou limites da extensão deapropriabilidade de determinados ‘bens’; no segundo caso, temos um quadro de direitos de propriedade relativamente bem definido, e atividades e transações que não têm a priori nenhum efeito externo direto sobre o comportamento e bem estar de outros indivíduos (10).

{11} Em terceiro lugar, embora nos seja claro que o conceito possa adquirir um caráter relativamente extensivo, visto que ele descreve todo e qualquer ‘custo’ que os teóricos desejem justificar e supostamente fazer decorrer diretamente de uma atividade comercial ou produtiva; parece saltar aos olhos que tal definição pode ser estendida até um ponto em que perde qualquer sentido, ou ainda, que descreva fenômenos aparentemente sem ligação direta, justificando aleatoriamente toda e qualquer intervenção que venha a ser estabelecida por um governo. E é isto uma das coisas que veremos mais adiante no artigo.

A Crítica da Análise Comparativa

{12} Antes de prosseguir, gostaria de deixar claro que não tenho interesse em dizer que a empresa privada é um lugar onde não ocorrem ineficiências, e muito menos tenho interesse em fazer julgamento de valor sobre o tema e estudo proposto. Estamos analisando questões ‘estruturais’ e fazendo simplesmente uso do rigor da análise econômica para fazer dela emergir intuições elementares. Em situação de monopólio natural o Estado intervém, em princípio, para restituir aos consumidores a disposição de um excedente econômico (de consumo) que lhes teria sido subtraído pelo monopólio privado naturalmente estabelecido e atuando em livre funcionamento dos mecanismos de mercado e precificação. No entanto, em teoria, não basta simplesmente dizer aos dirigentes das empresas que eles devem vender a um preço inferior ao preço compatível ao custo médio (ou custo marginal); ainda é necessário assegurar que suas diretivas administrativas serão respeitadas, e que a gestão da empresa deva ser submetida às regras impostas pelo governo devido às questões associadas (11).

{13} Todavia, um problema recorrente é que as únicas informações que dispõem os governantes provêem e são repassadas pelos colaboradores e gestionários das empresas sob sua tutela. Lembremos que, qualquer que seja o quadro de direitos de propriedade em vigor, os funcionários não têm forçosamente interesse em transmitir informações perfeitamente compatíveis com as reais  necessidades das empresas: informações relativas a suas tarefas, às necessidades de seu cargo e trabalho pessoal, relativas ao trabalho de sua equipe ou seção de produção, e principalmente, eles não tem forçosamente interesse em revelar precisamente importantes informações sobre os custos e investimentos requeridos e as possibilidades de economia associadas. No entanto, a diferença em termos de consequências que estasassimetrias informacionais podem acarretar deveriam ser organizadas segundo a natureza da atribuição dos direitos de propriedade e regime organizacional vigorando.

{14} Isto quer dizer que a propriedade privada, a responsabilidade, e a autonomia de gestão, associadas ao objetivo de maximizar os lucros; conferem um poder de decisão naturalmente constringente das margens de manobra e especulação informativa remontando dos colaboradores. Cada um destes atributos não podendo ser transmitido identicamente a um quadro estrutural onde o regime de propriedade e a organização são diferentes. Disto decorre que na organização pública, nem a responsabilidade é verdadeiramente engajada, nem a gestão e administração são efetivamente autônomas, nem as atividades funcionam ou dependem de critérios de lucro. Geralmente, em uma verdadeira rotina de ausência de direitos privados de propriedade, estas características engendram ineficiências.

{15} O motivo é simples, enquanto não existir a propriedade, e for ausente o regime de responsabilidade, não existe motivo superior fazendo que a generalização do desperdício não se imponha, ou que a gestão seja viciosamente corrompida pelos diferentes agentes participando à organização produtiva pública e processos políticos envolvidos.

{16} Procurando tirar proveito e lucro das assimetrias informacionais não contrabalanceadas pela propriedade e verdadeira autonomia de gestão – característica da iniciativa privada –, quando as empresas se encontram sob tutela do governo cada agente participando ao processo produtivo (engenheiros, direção, arquitetos, técnicos, sindicatos e gestores) consegue mais facilmente se comportar de tal maneira que consiga se apropriar – sob desculpa de supostamente enfrentar custos mais elevados em sua seção, projeto de engenharia ou qualquer outra alocação de recursos – da maior parte do excedente econômico que o Estado estaria disposto, incialmente, a transferir aos consumidores através da imposição de uma política tarifária mais suave seguida de subvenção, ou através da gestão indireta das diretivas administrativas da empresa.

{17} E este primeiro elemento sequer leva em conta o fato de que tal esquema organizacional se mantém, frequentemente, sob vastos esquemas desubvenções diretas e subvenções cruzadas tornando ainda mais difícil aceitar a idéia de que o excedente supostamente surrupiado do consumidor em razão da produção de monopólio terminará por ser recuperado e redistribuído em seu favor (12). Mas ainda, não temos nenhuma garantia de que a perda e ‘custo social’ decorrendo do preço de monopólio, e supostamente as transações que deixam de ocorrer devido a este preço (deadweight loss) sejam de fato inferiores aos ‘custos sociais’ auferidos pela fiscalidade (que também produz, desde este mesmo quadro de  análise, incondicionalmente perdas secas à sociedade) e pelas transações que deixam de ocorrer devido à tomada de parte da renda dos indivíduos para consagrar a uma atividade que talvez lhes fosse indiferente, ou ainda, relativamente substituível.

{18} A progressão e existência de todos estes custos não nos fornece garantia nenhuma de que eles serão inferiores ou terminarão por ser menores que o suposto excedente que beneficiaria os consumidores sob outro arranjo organizacional. Enquanto a renda de monopólio obtida via alta precificação – comparada à situação de concorrência pura e perfeita – engendraria perdas secas que traduziriam uma realização inferior de trocas comerciais em volume – novamente em comparação com a situação de concorrência pura e perfeita; assubvenções cruzadas, a fiscalidade, a ineficiência burocrática e oferta de bens e serviços tendo qualidade inferior engendrariam, igualmente, uma redução do benefício líquido – em termos de bem estar ou de renda – associado aos consumidores.

{19} Dito de outra forma, não existe nenhum motivo para acreditarmos que estes custos terminem por se dissipar e não se estender até o nível que supostamente garantiria que o excedente, que teria existido, permaneça positivo ou igual ao nível que vigora sob regime de organização da firma regulamentada (ou nacionalizada) e que, por consequência, o excedente repassado ao consumidor, seja inferior a este da organização do monopólio não regulamentado.

{20} A intervenção do Estado termina por servir, nestes casos, simplesmente ou praticamente apenas os interesses dos dirigentes das empresas, dos burocratas, dos colaboradores e diferentes grupos e associações que tiram diretamente proveito – político e econômico – deste arranjo, e não forçosamente os consumidores. Todos estes grupos tendo interesses claros de capturar uma parte do excedente que supostamente deveria ter sido repassado aos consumidores.

Não Existem Custos ‘Sociais’

{21} Notem que, até agora, nossas considerações levam apenas em conta uma questão puramente utilitarista do problema, que consiste, em alguma escala, em dizer que determinado arranjo fornece ou apresenta um nível de custos diferente, superior ou igual a determinado outro arranjo.

{22} Como vimos na introdução da retórica do monopólio, os analistas que levaram em consideração as premissas e conclusões relativas aos modelos tradicionais estabelecem caricaturalmente o seguinte tipo de proposta: comparativamente à situação de concorrência pura e perfeita, determinada situação econômica imposta pela particularidade tecnológica do processo produtivo oferece um nível de eficiência e bem estar ‘social’ inferior.

{23} Notem ainda que estas conclusões não precisam ser levantadas segundo os arranjos referenciais ‘perfeitos’, isto quer dizer, elas podem ter caráter estritamente aproximativo, avançando, por exemplo, que uma situação concebida como mais próxima do quadro referencial de concorrência pura e perfeita é mais desejável (em eficiência e ‘bem-estar’) do que a situação mais próxima da situação naturalmente monopolística. O que demonstramos simplesmente, até agora, é que tomar em consideração os custos envolvendo a regulamentação e a distinção do regime de propriedade e responsabilidade, e as consequências que as assimetrias informacionais fazem disto decorrer; fez com que fossem reveladas as supostas ineficiências que são associadas a cada um destes arranjos; colocando em questão, forçosamente, um contrabalanceamento dos ‘custos sociais’ envolvidos. Isto é o que qualifiquei como uma perspectiva puramente utilitarista e comparativa.

{24} Agora chegamos, então, em um ponto ainda mais crucial, avançando considerações que, eu acredito, nos impediriam mesmo de apreciar a validade da própria existência do suposto custo ‘social’, ao menos, tal como ele é concebido tradicionalmente. O próprio Ronald Coase (1960) reconheceu que a arbitragem entre diferentes arranjos organizacionais deve levar em conta aspectos indo além das simples questões relativas aos supostos custos (‘sociais’) apontados pela teoria neoclássica, devendo ainda evitar conclusões automáticas fazendo com que qualquer custo supostamente apontado pela teoria deva significar uma medida ou política procurando minimizá-lo:

“It is my belief that the failure of economists to reach correct conclusions about the treatment of harmful effects cannot be ascribed simply to a few slips in analysis. It stems from basic defects in the current approach to problems of welfare economics. What is needed is a change of approach. Analysis in terms of divergencies between private and social products concentrates attention on particular deficiencies in the system and tends to nourish the belief that any measure that will remove the deficiency is necessarily desirable. It diverts attention from those other changes in the system which are inevitably associated with the corrective measure, changes which may well produce more harm than the original deficiency (…) But it is, of course, desirable that the choice between different social arrangements for the solution of economic problems should be carried out in broader terms than this and that the total effect of these arrangements in all spheres of life should be taken into account. As Frank H. Knight has so often emphasized, problems of welfare economics must ultimately dissolve into a study of aesthetics and morals (…) In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advocating.” (Coase 1960, p. 42)

{25} É muito tênue a diferença em matéria de custos ‘sociais’ entre arranjos supostamente tão distintos. Mas ainda, um ponto que me parece de extrema relevância é que as ditas condições de concorrência pura e perfeita, em nenhuma escala, devem ser consideradas uma referência para aplicação de políticas econômicas. Em outras palavras, se a alternativa concreta a um monopólio natural privado e não regulamentado é uma firma privada regulamentada; ou um monopólio público praticando políticas de oferta idênticas (em termos de bem estar) a esta do monopólio privado antes da intervenção governamental; resulta – por simples utilização da lógica – que a própria idéia de que uma empresa em posição de ofertador único sobre o mercado imporia forçosamente um custo ‘social’, cuja correção cabe ao Estado, é destituída de real sentido prático.

{26} De forma mais categórica, nada nos impede de dizer que o estabelecimento a priori de um monopólio legal é mais desejável do que a liberdade de entrada, ou que um suposto estabelecimento, via concorrência, de um monopólio setorial natural é menos desejável, ou implicaria mais custos ‘sociais’. Além disso, caso realmente o monopólio se imponha via ganhos de escala e melhor aproveitamento das supostas características tecnológicas do setor, culminando em uma eliminação de quase toda concorrência, o governo poderá sempre regulamentar suas tarifas, ou ameaçar de o fazer. Ou seja, a pré-determinação do monopólio legal não se sustenta formalmente se o objetivo do regulamentador era simplesmente controlar as tarifas, garantir a universalização do serviço ou minimizar os custos ‘sociais’.

{27} Mas ainda, é incrível que não salte aos olhos de todos, logo à primeira vista, que a aceitação do referencial de concorrência perfeita para justificação do monopólio legal por questões tecnológicas termina por negligenciar, justamente, a evolução das técnicas produtivas e tecnologias de produção. Ou seja, o progresso técnico poderia certamente permitir o surgimento de uma tecnologia que eliminaria eventuais tendências monopolistas de alguns setores. Mas as empresas instaladas não teriam nenhum incentivo em revelar este progresso que eventualmente coloque em questão sua situação monopolística, por exemplo, assimilando atividades que modificariam sua estrutura de custos para que ela se mantenha compatível com esta do monopólio supostamente ‘natural’. Existe uma forte intuição apontando que o grau de evolução das tecnologias depende certamente do livre funcionamento dos mecanismos de preços e liberdade de entrada em mercados concorrenciais, o que de certa forma é desestimulado pela permanência de monopólios legais.

{28} Os custos são, em sua concepção mais essencial, apenas julgamentos pessoais de valor instantâneos e fugitivos que, por definição, excluem o que os outros possam julgar ser o valor objetivo (Henry Lepage 1989). Existe em teoria, nitidamente, uma confusão entre custos objetivos e subjetivos. Não existe custo fora da escolha, os custos implicam uma decisão. O custo de uma ação é o que sacrificamos quando escolhemos este empreendimento relativamente a outro. Desta forma, deve ser distinguida a idéia de ‘custo’ da idéia de ‘preço de custo’, que é a expressão em valores monetários e contáveis de transações de mercado. Como havia notado James Buchanan (1969, p. 65-69):

“Pigovian principle embodies a failure to make the distinction between costs that may influence choice and costs that may be objectively measured (…) This Pigovian framework provides us with perhaps the best single example of confusion between classically derived objective cost concepts and thesubjective cost concepts that influence individual choice. There is an obvious inconsistency. The Pigovian norm aims at bringing marginal private costs, as these influence choice, into line with social costs, as these are objectively measured. Only with objective measurability can the proper corrective devices be introduced. But under what conditions can objectively measurable costs, external and internal, be taken to reflect, with even reasonable accuracy, the costs that the effective decision-maker may take into account. In conditions of ideal competitive equilibrium, the costs that can be measured by the observer provide a reasonable proxy for the subjective evaluations of decision-makers. However, almost by definition, external effects are not imposed in such a setting.”

{29 Ao procurar transformar os teoremas deduzidos da pura análise lógica das escolhas individuais em ferramentas utilizadas para realização de política econômica, muitos economistas cometeram um erro irreparável: um divorcio radical entre o conceito de ‘custo’ e toda noção de decisão individual. Passamos de um universo onde toda representação conceitual de ‘valor’ é fundamentada em escolhas ‘subjetivas’ dos seres humanos, a um mundo diferente, onde o custo de oportunidade é considerado como noção objetiva e quantificável através de grandezas físicas independentemente de todo processo de avaliação individual.

{30} Disto tudo resulta que, por uma simples questão de rigor metodológico e aprofundamento das questões conceituais, a idéia de que uma empresa privada em posição de único ofertador sobre um mercado geraria forçosamente um custo ‘social’ deve ser rejeitada. Ao menos se concebermos propriamente a noção de ‘custo’, e a distinção entre custo objetivo e subjetivo. Como afirmou Henry Lepage (1989, p. 70):

“Il n’y a tout simplement pas de ‘coût social’. Il s’agit d’une pure invention de la théorie.”

{31} A idéia de custo ‘social’ tal qual concebida atualmente poderia dar margem pra toda e qualquer intervenção estatal, mesmo em setores que tecnicamente não apresentariam características de monopólio natural. Ora, se um mercado é relativamente menos competitivo que outro, nos dirão, e se os preços praticados são considerados acima do desejado, se impõe que determinados consumidores não terão acesso; logo uma intervenção procurando atenuar estes efeitos também se impõe. A expressão ‘monopólio natural’, com todas as conotações negativas que dela decorrem, e sua suposta justificação para o controle direto da produção de certos bens e serviços pelo Estado; perde todo seu sentido ou compatibilidade com a realidade quando concebemos corretamente a distinção entre as duas concepções de custo. O monopólio natural, os custos sociais e as condições de concorrência pura e perfeita são coisas que simplesmente não existem.

Notas

(1) De maneira mais detalhada, os ‘custos sociais’ descreveriam:

Le coût social est l’ensemble des coûts supportés, à l’occasion d’une activité économique donnée, par les agents, ceux qui en retirent les bénéfices comme les autres. Le coût privé est traditionnellement mesuré par le ‘coût alternatif’, c’est-à-dire l’utilité maximale à laquelle on renonce en utilisant des ressources pour la mise en œuvre de cette activité, valeur censée être représentée par son coût monétaire sur le marché. Cette démarche se fonde donc sur l’optimisation des choix. Mais, si l’on y ajoute le coût externe pour atteindre le coût social, le raisonnement ne peut plus être tenu de la même manière. Pour ce qui est du coût externe, les agents qui le supportent ne le désirent pas et ne sont donc pas pris ici dans une logique de maximisation de l’utilité. Quant au coût social, la société ne s’engage pas ici dans un processus d’optimisation.”  (Encyclopedia Universalis)

(2) Este foi, por exemplo, o procedimento empreendido por Xavier Greffe (1997, p. 559), que definiu o ‘custo social’ como:

Un coût supporté par les agentes qui n’ont pas participé aux transactions ou échanges donnant naissance à l’activité concernée et qui n’ont donc pas été indemnisés à ce titre.”

(3) Na realidade, se o processo produtivo e as trocas comerciais envolvem custos diretamente associáveis às atividades e ações produtivas de indivíduos e grupos de indivíduos, estas atividades e ações engendrariam ainda custos sobre agentes que não participam diretamente às trocas ou processos produtivos.

(4) Deve-se guardar em mente que a palavra ‘transação’ faz referência a umatransferência de direitos de propriedade entre entidades tecnologicamente distinguíveis.

(5) Os trabalhos de Ronald Coase (1960) deram origem ao teorema (Teorema de Coase) no qual se estatua que, em ausência de custos de transação, e em presença de direitos de propriedade bem definidos, as alocações produtivas são, por definição, ótimas ou eficientes segundo a referência de Pareto.

(6) A demonstração destes custos ‘escondidos’ foi a iniciativa de um trabalho do economista Gordon Tullock (1960), segundo o autor:

“It is my purpose to take the other route suggested by Mundell and demonstrate that the ‘tools on which these studies are founded’ produce an underestimation of welfare costs of tariffs and monopolies (…) There are considerable number of costs that are ignored by this procedure (…) As a starter, collection of a tariff involves expenditure on customs inspectors, etc., who do the actual collection and coast guards who prevent smuggling (…) The tariff cannot involves a similar waste of resources and consequently its social cost cannot be measured simply by the welfare triangle (…) The situation is identical to that which would arise if the government required an established domestic industry to abandon an efficient method of production and adopt an inefficient (…) Monopolies involve costs of somewhat similar nature, and It follows that I will not be able to produce a method to measure their social costs. I will, however, be able to demonstrate that the welfare triangle method greatly underestimates these costs.” (Tullock 1960, p. 224-228)

(7) A análise de busca por uma situação monopolística e a compreensão da idéia de ‘custo social’  poderia ser feita segundo uma perspectiva comparativa da ‘economia do roubo’. O roubo em si representa apenas uma transferência de recursos entre indivíduos, os custos sociais deveriam considerar não o roubo em si, mas os dispêndios que ambos os atores realizaram em capital e trabalho para direcionar seus esforços e recursos a uma atividade de roubo ou proteção pessoal. As transferências elas mesmas não consistem, segundo Tullock, em custos sociais, mas as pessoas engajando seus esforços nestas atividades implicam que elas consagram investimentos que poderiam ser produtivos em atividades meramente prevenindo ou buscando transferências de recursos.

(8) Esta atividade é descrita frequentemente como a busca de renda (rent seeking), e representaria efetivamente um desperdício de recursos quando tomamos por referência uma situação onde os agentes consagram unicamente esforços em atividades produtivas. Geralmente os modelos buscando representar os ‘custos sociais’ envolvendo o monopólio tomam como principais informações a soma das perdas secas (deadweight loss) e custos adicionais associados à busca e investimento de recursos em atividades não produtivas(Posner 1975).

(9) Poderíamos imaginar que exista este tipo de mecanismo se concebermos que tem lugar um sistema de compra busca de favores políticos no momento de atribuição de um setor consideram ex ante naturalmente monopolístico, que será desta sorte atribuído a um operador privado qualquer quando o governo decide optar por um arranjo envolvendo a iniciativa privada, este operador procurando então corromper o processo de leilão via política ou via acordos com seus eventuais concorrentes. Mas isto foge à proposta tradicional da teoria do monopólio natural, que dá ênfase às questões puramente tecnológicas.

(10) Explicando de outra maneira, além da transferência de recursos entre produtores e consumidores decorrendo da política tarifária do monopólio, que não descreve, como vimos, o conceito de ‘custo social’; e mesmo que seja amplamente pertinente descrever que dado o preço praticado pelo monopólio natural aparece que menos consumidores terão acesso ao consumo, e que mais consumidores estarão descontentes relativamente à situação de preços mais baixos; não muda que não é a transação entre o monopólio e os consumidores que engendra supostos custos a quem não tem acesso ao bem pelo preço ofertado, mas ainda, a própria atividade produtiva do monopólio não parece ela própria engendrar efeitos externos: a única coisa que tem lugar nesta situação é a prática tarifária.

(11) Como vimos no primeiro artigo da retórica do monopólio, a suposta generalização dos benesses do monopólio e da produção ao custo mínimo, e a possibilidade de determinação da estrutura tarifária atendendo às reivindicações do regulamentador, mas ainda, a universalização e a política de subvenções deve responder e justificar politicamente para a opinião pública a produção em  monopólio legal.

(12) Uma dificuldade suplementar decorrendo deste quadro de interpretação surgiria quando lidamos com países onde a corrupção e fraqueza das instituições são regra, como no caso de muitos países em desenvolvimento. Os custos associados à estas atividades e as ineficiências poderiam atingir níveis consideráveis.

Referências

Buchanan, J., Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory, Markham Publishing Co., Chicago, 1969.

Coase, R., The problem of social cost. Journal of Law and Economics, Vol. 3, p. 1-44, 1960.

Greffe, X., Economie des politiques publiques, Dalloz 1997.

Posner, R. A., The Social Cost of Monopoly and Regulation, Journal of Political Economy, Vol. 83 (4), p. 807-828, 1975.

Tullock, G., The Welfare Costs of Tariffs, Monopolies, and Theft, Western Economic Journal, Vol. 5 (3), p. 224-32, 1967.

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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