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Liberté, Egalité, Fraternité

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NEY CARVALHO *

O lema da Revolução Francesa, que agitou o mundo a partir de fins do século XVIII, concentra graves contradições. Entretanto, escolas de pensamento, partidos políticos e governos buscam, desde então, Liberdade, Igualdade e Fraternidade para os seres humanos. A força emblemática dessas ideias dominou o discurso das gerações que sucederam à mais importante revolução da história.

Fraternidade é conceito de menor persuasão. Não pode ser imposta a quem quer que seja. Ninguém é obrigado a ser fraterno, ou coagido a ser solidário. Os sistemas legais não dispõem de ferramental jurídico capaz de dobrar consciências. Fraternidade e a sociedade fraterna existem mais na eloqüência política do que na vida prática, apenas devaneios retóricos.

Já liberdade e igualdade podem ser buscadas dependendo do poder de que dispõe o Estado. A sociedade concede ao Estado o monopólio da força e estabelece barreiras, que impedem o uso discricionário da mesma. A liberdade será tanto mais intensa quanto maiores forem os limites que a comunidade, na Constituição, impuser ao Estado. Em linguagem matemática pode-se dizer que as dimensões da liberdade são inversamente proporcionais aos poderes transferidos ao Estado. Por sua vez a busca da igualdade age em sentido oposto ao da perseguição da liberdade. Quanto mais livre uma sociedade, mais tenderá a ser desigual. Os homens nascem diferentes. E na luta pela vida, quanto mais liberdade houver, mais sobressairão hábeis e competentes. E o sucesso econômico apenas confirma a existência de desigualdades originárias. A procura de igualdade passa, necessariamente, pela compressão da liberdade, para que as diferenças de habilidades não se transformem em desproporções de fortuna.

As heranças da Revolução Francesa são antagonismos obrigatórios. Quanto mais liberdade, menos igualdade; quanto mais igualdade, menos liberdade. Essa a escolha crucial das sociedades modernas: atingir o equilíbrio, em que a existência de liberdade não prejudique a procura de igualdade e a tentativa de atingir a essa não cerceie a latitude daquela. Mas a opção não é tão simples. Ambas se decompõem e surgem novos dilemas.

A liberdade se cristalizou como objetivo universal. É exaltada em todos os tratados, discursos, manifestações e figura imprescindível da retórica política. Foi biombo até para as mais ásperas e violentas ditaduras. Mas o conceito é bipartido, e a partição raramente ressaltada. A liberdade de que trata a eloquência diz respeito à política. Seja o voto para escolha de governantes, direitos individuais ou proteções à cidadania. Mesmo os regimes autoritários tentam convencer os que se encontram sob seu tacão de que vivem num sistema de liberdade, cuja alternativa seria a submissão a outro despotismo.

A segunda faceta de tal instituto é corolário essencial da primeira. Liberdade política supõe liberdade econômica. Por essa entenda-se a capacidade de cada qual empreender, agir e fazer escolhas econômicas, livremente. Ocorre que esta é a fonte primária das desigualdades de fortuna. Assim como a liberdade política prevê a competição entre adversários, na disputa por poder, a econômica assiste à concorrência entre todos, na luta pela riqueza. Abstraindo-nos da existência de torpeza no uso de meios, o resultado presumível de qualquer peleja é a vitória do mais preparado. Como regra geral, tanto quanto em qualquer certame, são o mérito e a competência que conduzem ao sucesso na vida econômica.

A televisão propagou a beleza das contendas esportivas. Dessa difusão surgiu encanto por heróis vitoriosos. No esporte a diversidade é endeusada, merecimento e habilidade glorificados. Assim também, em outros setores o mérito é engrandecido, como em vestibulares, concursos, prêmios artísticos, literários etc. Nessas áreas prevalece regra elementar da vida: que vença o melhor, mais bem preparado, de maior merecimento.

No entanto a vitória e o sucesso na competição econômica são vistos com olhos desconfiados. Nas disputas esportivas ou intelectuais os pódios são únicos, visíveis. Já os combates da vida econômica distribuem, dia-a-dia, uma miríade infinita de primeiros prêmios. Seus triunfos são individuais e dispersos por toda a coletividade, o que os encobre com o véu diáfano do anonimato. Só se evidenciam pelo enriquecimento, que oculta sem número de pequenas e sucessivas conquistas. E opulência é fonte de suspeitas e prevenções. O êxito econômico se constrói nas brumas de cada dia. É desconhecido, o que o faz objeto de dúvidas. Mas a respaldar cada triunfo se oculta componente essencial: mérito.

Após breve essa digressão sobre liberdade, voltemos ao outro princípio da Revolução Francesa: igualdade. Também se subdivide, tanto quanto a liberdade, em conceitos de ordem política e econômica. A igualdade política é de fácil compreensão. Sintetiza-se no sufrágio universal, no direito de votar e ser votado. A cada cidadão corresponde um voto. Todos são iguais politicamente. A igualdade política é o apanágio das democracias modernas. Chega a ser objetiva, material, palpável.

Já igualdade econômica é ideal onírico, que jamais será atingido. Mas que segue sendo buscado. Sua persecução só pode ser realizada pelo Estado com o poder coercitivo de que dispõe. Quanto mais força determinado Estado usar no sentido de equalizar economicamente a sociedade tanto mais ela tenderá ao nivelamento. Voltando à linguagem matemática, é possível dizer que igualdade econômica é diretamente proporcional à violência do Estado no sentido de obtê-la. Exemplo clássico de igualdade econômica foi a China de Mao. Para evidenciar o igualitarismo, todos eram obrigados a vestir túnica idêntica à que usava o “Grande Timoneiro”.

Igualdade econômica será sempre imposição, jamais conquista. Não é demanda da sociedade. Os homens, em sua sabedoria, não se pretendem iguais. Reagem à igualdade econômica, não a desejam. O ser humano busca felicidade, não igualdade. Essa é mais causa de pensadores e ativistas políticos.

Liberdade e Igualdade são ideais contraditórios e, tanto quanto a Fraternidade, inatingíveis.

* HISTORIADOR E ESCRITOR

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