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A Lei de Responsabilidade Fiscal não é grande coisa

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LDO-2014(1)O Brasil se encontra no meio de uma grave crise institucional em virtude da tentativa do Governo Federal de modificar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2014 no fim deste mesmo exercício, ou seja, após praticamente toda a execução orçamentária.

Um orçamento financeiro é um plano de receitas e despesas feitas por uma entidade, física ou jurídica, pública ou privada, no intuito de se planejar economicamente durante um determinado período de tempo, normalmente anual, de forma a se compatibilizar com o exercício fiscal público.

No que tange ao orçamento público, que tem a mesma finalidade, o Estado passa por um processo em três fases. No primeiro ano de gestão de um novo Governo, é criado um plano plurianual (PPA) que vai abarcar os quatro anos seguintes, com estimativas, objetivos e previsão de gastos de projetos de longa duração. Depois, anualmente, cria-se uma lei de diretrizes orçamentárias (LDO) que dará parâmetros à verdadeira lei orçamentária a ser elaborada posteriormente, que é chamada de lei orçamentária anual (LOA). Uma famosa lei complementar regulamenta a disposição constitucional relativa ao orçamento e à confecção dos três instrumentos citados, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Há uma grande lenda acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a maioria das pessoas com alguma consciência cidadã (dentre as quais me incluo) sabe da importância fundamental de um governo fiscalmente responsável. Mas se temos essa lei em vigor desde 2000, por que ainda assim sempre incorremos em sucessivos déficits nominais, ou seja, vemos o governo gastar mais dinheiro do que arrecada?

A resposta é muito simples: a Lei de Responsabilidade Fiscal não gera responsabilidade fiscal. Não há dentro dela parâmetros macros que imponham de maneira peremptória ao Governo a obrigação de não produzir déficits nominais. Essa Lei é bastante vaga, como no caso do art. 4, que dispõe que a lei de diretrizes orçamentárias disporá sobre o equilíbrio entre receitas e despesas. Essa é uma terminologia bastante interessante. A LRF não diz que a LDO obrigará a garantir esse equilíbrio, pelo contrário, afirma que a LDO é livre para dispor sobre a questão, e, nesse caso, ela poderia muito bem dispor pelo não equilíbrio das contas públicas na lei orçamentária baseada nessa LDO.

Quando a LRF não é extremamente vaga, como no caso citado, ela não tem conteúdo limitador para o todo orçamentário, mas apenas para partes, como é o caso do art. 19, que traça limites com despesas de pessoal, mas não limita as outras despesas, o que é insuficiente para produzir eficácia a princípios orçamentários constitucionais básicos, como a moralidade e a eficiência administrativa, e se mostra incapaz de evitar déficits públicos.

O próprio debate recente corrobora essa visão. Quando o tresloucado Governo brasileiro resolve rediscutir o limite de gastos impostos pela LDO, o que ele está dizendo é que a LDO, desde sua origem, já poderia ter sido elaborada sem os limites aprovados, o que não ocorreu apenas por questões políticas, e não por questões legais e institucionais.

Talvez o grande erro do Governo, dentro da visão de que desde sempre ele gostaria de ter sido um gastador descontrolado, tenha sido impor limites a si próprio na LDO quando não há uma obrigatoriedade institucional para tanto. Quando precisou ser esse gastador para ganhar a eleição, se viu diante de um problema criado por ele mesmo, e que pode gerar, nesse diapasão, o conhecido crime de responsabilidade por não cumprimento da lei.

E o mais irônico nessa discussão toda é que o Governo está lutando para criar déficit primário, o que não chega nem perto do verdadeiro problema do déficit nominal, que é o déficit de verdade. A moralidade orçamentária no Brasil é tão patética que o Governo está brigando para criar um tipo de superávit (primário) que já não é superávit de verdade (nominal), porque exclui do cálculo as despesas com encargos da dívida.

Uma coisa deve deixada clara: quando o Governo se dá o direito de mudar um orçamento posteriormente à sua execução, o que ele está querendo dizer é que na verdade não existe orçamento, sendo uma mera peça de ficção jurídica. Orçamento, como já visto, é planejamento e execução, e sem esses dois elementos, não há orçamento de verdade, mas mero documento de intenções. O que o Governo está fazendo na prática com a reforma a posteriori da LDO 2014 é declarar que a sua legislação orçamentária é uma mentira. Mas o que se argumenta aqui é que o sistema orçamentário brasileiro sempre foi mera carta de intenções, nunca foi real. O PPA é uma carta de princípios pela sua própria lógica. A LDO é uma carta de diretrizes pela sua própria lógica. E a LOA, embora pela sua lógica natural deva ser seguida à risca, possui internamente uma série de mecanismos de burla desse planejamento e execução, tais como os créditos adicionais (suplementares, extraordinários e especiais) e a interpretação do que cabe ou não em determinada rubrica.

A inútil Lei de Responsabilidade Fiscal poderia ser toda substituída por uma frase: “na elaboração e execução das leis orçamentárias, o Governo não pode gastar mais do que arrecada, sendo vedada a criação de déficit nominal”. Mas leis simples e objetivas sempre foram artigo fora de moda por aqui.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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