O patrimonialismo judicializado, segundo o professor Adriano Gianturco
Poucas vezes um cientista político definiu, de forma tão contundente e tão clara, o que se passa no universo da política, como fez, em artigo publicado no dia 5 de Julho, o Professor Doutor Adriano Gianturco, na sua coluna no jornal Gazeta do Povo de Curitiba. Segundo o Professor, o Brasil está inovando em matéria de ditadura, ao instaurar, ao longo dos últimos anos, um “presidencialismo de judicialização”, no qual o primeiro mandatário se escora em decisões do Judiciário, que é provocado pelos aliados de Lula ou por ele próprio, a fim de impor as suas decisões, quando é contrariado pelo Poder Legislativo ou pela sociedade. Assim caracterizou o professor Giantuco o novo modus governandi, que substituiu ao “Presidencialismo de Coalizão” que imperava anteriormente. A respeito, o articulista frisou: “Presidencialismo de Coalizão é um termo de uso comum. O conceito cientifico foi cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches no artigo ‘Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro’, de 1988. Este trabalho analisa o sistema político brasileiro pós-1988, caracterizando-o como um arranjo institucional híbrido que combina o presidencialismo com a necessidade de formar coalizões multipartidárias para governar. (…) Não se trata de uma jabuticaba, e muito menos de uma questão cultural; é a simples mistura do presidencialismo com o multipartidarismo (devido ao sistema eleitoral proporcional). Mas agora estamos inaugurando um novo modelo: o presidencialismo de judicialização.(…). Lula decidiu ir ao STF contra a derrubada, no Congresso, de seu decreto que aumentava o IOF. O Legislativo considerou essa atitude uma ‘declaração de guerra’. O Executivo está no vermelho (não obstante a arrecadação bater recordes históricos) e, para fechar as contas, quer aumentar o IOF, medida que o Congresso anulou. A Advocacia-Geral da União e o Psol – uma linha auxiliar do PT – recorreram ao STF para burlar a decisão do Congresso. E quem é o relator do caso? Ele, Alexandre de Moraes, que na manhã de sexta-feira anulou os dois decretos (o do governo e o do Congresso) e convocou uma audiência de conciliação. Ao mesmo tempo, Lula está pedindo ao STF suspensão dos processos contra a fraude do INSS e quer abrir crédito extraordinário para não estourar as contas e não cometer crime de responsabilidade” GAZETA DO POVO – 05-07-2025
Como bem pergunta o Professor Gianturco, “Quem precisa do Congresso e do apoio popular quando se tem como aliado quem manda de verdade – o STF?” Evidente que Lula está com a faca e o queijo na mão. O atual Presidente está seguro de que o STF, que agora manda para valer, lhe garantirá a sobrevida e a governabilidade. O articulista mostra que, estatísticamente, o Supremo sempre se colocou como fiador de Lula. A respeito, frisa: “Não se trata de casos isolados. Entre 2023 e 2024, nas 111 ações constitucionais nas quais a Advocacia-Geral da União se manifestou, o STF decidiu a favor do Executivo 99 vezes – uma taxa de sucesso de 89%, segundo levantamento da mesma AGU. E não podia ser diferente, visto que quase todos os juízes do STF estão alinhados ao PT. Além disso, em 5.888 processos a AGU ganhou em 74% das vezes. Foi assim, por exemplo, nos casos de processos relacionados à restrição de acesso a armas de fogo, à PEC dos Precatórios, à desoneração da folha de pagamento e à abertura de crédito extraordinário para combate a queimadas. Graças a essas vitórias no STF, o governo economizou ao menos R$ 1 trilhão. As maiores vitórias vieram quando a corte derrubou a chamada ‘revisão da vida toda’ nas aposentadorias; quando validou o decreto de suspensão da desoneração do PIS/Cofins; na PEC dos Precatórios, quando suspendeu os processos sobre reajustes de créditos rurais; e quando decidiu que a receita bruta dos bancos integra a base para o cálculo do PIS/Cofins. O problema não é o presidencialismo. Não é o povo que manda, é a elite”.
Ora, o comportamento do Supremo em relação com o governo de Jair Bolsonaro, sugere que a fidelidade da Alta Magistratura na defesa dos interessses petistas, é para valer mesmo. A respeito, o Professor Gianturco frisa: “Com Jair Bolsonaro foi o contrário: entre 2019 e 2020, o STF tomou decisões contra o Executivo 123 vezes. Por exemplo, quando barrou a transferência de terras da Funai para o Ministério da Agricultura; quando decidiu que União, estados e municípios podiam impor as vacinas contra a Covid-19; quando pediu explicações sobre o decreto das armas; e quando anulou o indulto em favor de Daniel Silveira. Ampliando o olhar, a popularidade de Lula está em baixa histórica; as pesquisas mostram que hoje ele perderia em todos os cenários contra Bolsonaro, Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e outros possíveis candidatos. Já escrevemos aqui: nem quem gosta de Lula está gostando desse governo. O apoio no Congresso também vem minguando e ainda vai piorar, visto que muito provavelmente o Centrão se afastará mais de Lula em 2026. Mas quem precisa do Congresso e do apoio popular quando se tem como aliado quem manda de verdade – o STF?”
O Professor Gianturco conclui: “O presidencialismo de coalizão deriva da necessidade de fazer acordos, mas, se essa necessidade cessar… se é possível governar de outra forma mais fácil… Afinal, foi Lula mesmo quem disse que ‘se não for à suprema corte, não governo mais o país’. Estamos diante de um novo sistema político: o presidencialismo de judicialização. Reclamaram por décadas do presidencialismo de coalizão, mas nada é tão ruim que não possa piorar! O que acontece quando a opressão se torna dona da justiça?” Respondo à pergunta do ilustre articulista: O Brasil virou uma ditadura mesmo, do STF e Lula contra a Nação! Uma ditadura que veio para ficar.
A história do “autoritarismo instrumental”, que governa ditatorialmente para “garantir a Democracia” é velha como o diabo, tendo percorrido, até hoje, as cinco etapas que menciono a seguir: 1ªEtapa, pombalina, que foi instaurada pelo Marquês de Pombal (1699-1782), o todo-poderoso Ministro de dom José I (1714-1777), em meados do século XVIII, quando, após o terremoto de Lisboa (1755) fechou o Santo Ofício e a Inquisição, substituindo-os por uma repartição controlada pelo governo, a “Real Mesa Censória”. Assim, quem fizesse oposição ao Monarca correria a sorte dos herejes: seria torturado e morto e os seus bens ficariam em mãos do governo. Foram milhares os assassinados ou desterrados por Pombal e os seus sequazes.
2ª Etapa, da “Política dos Governadores”, que teve vigência ao longo da República Velha, até 1930. Os resultados eleitorais eram checados pela Mesa Diretiva do Congresso controlado pelas oligarquias estaduais, sendo anulada a eleição daqueles que tivessem feito oposição. Era a famosa “degola” dos oposicionistas, contra a qual se insurgiram os gaúchos, com Getúlio Vargas (1882-1954) à testa.
3ª Etapa, do Estado Novo, que se tratou de uma ditadura de inspiração castilhista, que governou entre 1937 e 1945, sendo Getúlio o Presidente da República, tendo dado ensejo a um regime altamente centralizador que dissolveu os poderes estaduais.
4ª Etapa, do regime tecnocrático-militar que vigorou entre 1964 e 1985 e que estabeleceu o “autoritarismo instrumental”, uma ditadura para garantir a volta da democracia. Ficou famosa a frase do último presidente militar, o general João Batista de Figueiredo (1918-1999): “Juro fazer deste país uma democracia e prendo e arrebento quem se opuser”.
5ª Etapa, do Patrimonialismo judicializado, que se estabeleceu em 2022 e governa atualmente. Quem manda mesmo, como deixou claro o professor Gianturco no seu artigo, é o STF, em defesa dos interesses de Lula e do seu Partido.
Para terminar, lembro que Adriano Gianturco é professor e doutor em Ciência Política. Coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC. Autor dos livros A Ciência da Política e O empreendedorismo de Israel Kirzner.
*Artigo publicado originalmente no site do autor.