Nada é mais urgente do que a garantia das regras do jogo

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Muito se tem dito que princípios já não importam mais, que o que se deve pôr em relevo é o mais pleno pragmatismo. Não corroboro a ideia de que princípios precisem ser ideias absolutas e abstratas, pairando sobre a concretude inescapável dos fatos. Os princípios liberais, tal como pensava o fundador do Instituto Liberal, Donald Stewart Jr., dialogam com o que a experiência histórica demonstra. Não são delírios: ensejam a defesa das instituições mais aptas a garantir o sucesso econômico e social.

A mais importante dessas instituições, como diria o professor Og Francisco Leme, também esteio do instituto em seus primeiros anos, é o Estado de Direito, onde vige a autoridade das regras e não a regra das autoridades. Ao Estado de Direito, como condicionantes de sua efetiva instauração, devem-se agregar o sistema representativo, a divisão de poderes, o constitucionalismo e a liberdade de expressão e associação.

Sem liberdade de expressão e associação, não se viabiliza a presença livre de diferentes partidos ou correntes de pensamento disputando a preferência das pessoas. Afunilando-se de acordo com as vontades dos cidadãos, expressas pelo voto, esses partidos ou correntes ocupam cargos dentro dos poderes eletivos, o Executivo e o Legislativo, perfazendo setores governistas e oposicionistas. A Constituição garante que haja regras fundamentais a que todos, independentemente dos partidos, famílias ou grupos a que pertençam, devem se curvar, e garante que aqueles que tenham a preferência majoritária em dado momento não eliminem os demais, que poderão, a seu turno, estar em prevalência em outro momento. Garante que os poderes estejam divididos, dado que a concentração de todas as atribuições de legislar, julgar e executar em apenas um deles eliminaria, na prática, todos os demais elementos desse arranjo institucional.

Qualquer liberal que se preze deve ter por prioridade máxima lutar pela garantia desse arranjo. É tudo que não temos no Brasil de hoje. Não obstante, tudo parece se reduzir a narrativas, a uma discussão sobre se o político de que eu não gosto vai se beneficiar ou prejudicar com a tomada de uma atitude. Rogo ao leitor que esqueça neste momento as suas simpatias ou antipatias por qualquer político – não que abdique delas, mas que entenda que há instâncias mais importantes. Não importa agora se o político Fulano de Tal – digamos, algum do clã Bolsonaro, hoje alvejado pelo nosso “sistema” – foi fraco, se ele mentiu, se ele disse algo que desagradou profundamente, se ele não fez o que deveria fazer quando teve a chance. Se ele ou seus apoiadores são vítimas de perseguições mediante a suspensão, pelas autoridades brasileiras, de um ou mais dos fundamentos institucionais acima elencados, não são apenas eles que são vítimas: é o Brasil inteiro. Você se sente totalmente seguro em expressar sua opinião? Você tem certeza de que não será enquadrado em um inquérito abusivo e sem transparência ou de que não terá sua conta em redes sociais ameaçada por um juiz da sua Suprema Corte? Se uma só pessoa é alvo do arbítrio, qualquer pessoa pode ser.

É por isso que não existe nenhuma discussão mais urgente do que a da garantia das regras do jogo institucionais, e o regime juristocrático brasileiro está violando todas elas. Não garante a liberdade de expressão e associação (porque censura), não garante o respeito devido à representação (cassando mandatos e surrupiando prerrogativas do Legislativo), não respeita a divisão de poderes, não respeita a Constituição. Portanto, não interessa neste momento se Bolsonaro é bonito ou feio, se Daniel Silveira é grosseiro ou cortês, se você ama ou odeia o Partido Novo, o MBL, o que for. Se esses fundamentos estiverem garantidos, você poderá, mesmo que demore, alterar aqueles que estão no poder; se hoje a maioria da população brasileira não concorda com você e acredita que os políticos que você reprova são os melhores para governar a nação, amanhã pode ser que a sua preferência prevaleça – e, de qualquer maneira, você pode eleger minorias para repercutirem a sua voz. Sem esses fundamentos, nada disso estará garantido.

A oposição parlamentar se uniu no Congresso para declarar que, na volta do “recesso branco”, se concentrará em três pautas: o impeachment de Alexandre de Moraes, a anistia e o fim do foro privilegiado. Esses instrumentos seriam um passo essencial para demonstrar ao poder desbalanceado que suas ações têm consequências, para anular as violações de direitos fundamentais já em curso e para retirar das mãos daquele poder um importante instrumento de pressão sobre o Legislativo, constitucionalmente investido da prerrogativa de questioná-lo. Todos deveríamos nos unir em torno dessas pautas. Nada está à frente disso em prioridade.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, conselheiro de diversas organizações liberais brasileiras, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 11 livros.

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