Iceberg verde e amarelo: escândalos, compadrio, promiscuidade entre poder político

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Nada começa com um escândalo. Começa com um silêncio longo demais para ser ingenuidade. No Brasil, o que causa desconforto não é o que vem à tona, mas a naturalidade com que se finge surpresa. A ponta do iceberg nunca foi mistério. O espanto é apenas um ritual.

Escândalos, compadrio, promiscuidade entre poder político, sistema financeiro e instituições de controle não são acidentes ocasionais. São manifestações visíveis de algo mais profundo, mais antigo e muito mais organizado. O erro persistente é tratar cada episódio como exceção, quando ele é apenas a superfície de um sistema que opera com a regularidade de um relógio suíço.

O que sustenta esse arranjo não é a crise, mas o que permanece submerso. Não os nomes especificamente, mas o método. Um pacto duradouro no qual a corrupção deixa de ser falha moral e passa a ser tecnologia de poder.

Rent-seeking como prática normalizada, captura institucional como rotina, blindagem cruzada como regra tácita. Não se trata de mau funcionamento. Trata-se de funcionamento pleno, ainda que as mesmas pseudo elites, sobretudo os políticos disfarçados de toga da Suprema Pequena Corte, insistam em repetir, com ar solene, que as instituições estão funcionando.

Talvez por isso o Brasil funcione como um exemplo quase didático daquilo que Thomas Hobbes intuiu séculos atrás. A ordem não elimina a natureza humana; apenas a organiza. O instinto de dominação, a busca por vantagem, a disposição para esmagar o outro quando possível não desaparecem sob instituições, leis ou ritos formais. Apenas ganham linguagem jurídica, aparência civilizada e discurso moral. A maldade não some. Ela transpira. Vaza. Extrapola pelos poros do sistema.

Essa estrutura não ficou congelada no tempo, nem aguardou passivamente o curso da história. Ela atravessou o Brasil se adaptando às formas, aos discursos e às conveniências de cada época. Desde que o Brasil é Brasil, como descreveu Raymundo Faoro, o estamento patrimonial aprendeu a sobreviver à troca de regimes, à queda de impérios, à proclamação de repúblicas, a golpes e redemocratizações sem jamais abrir mão do controle do essencial. Não reage aos acontecimentos; administra-os. A ponta do iceberg sempre emergiu. O pacto foi naturalizar o corpo.

O que se observa agora não é ruptura, mas fricção interna. O iceberg não começou a subir porque alguém descobriu, de repente, o óbvio “lulante”. Começou a se mover porque forças internas passaram a colidir. Quando vieram a público conversas impróprias, relações promíscuas e pressões envolvendo o caso Master — alcançando figuras centrais do Judiciário e do sistema financeiro — o problema deixou de ser periférico. A água começou a baixar por dentro.

O dado mais revelador não está na denúncia, mas na sua procedência. Quando setores da mídia tradicional, historicamente integrados à engrenagem, passam a divulgar o que durante anos ajudaram a silenciar, não se trata de súbito zelo republicano. Trata-se de disputa. Alguém concluiu que preservar o sistema exige sacrificar partes dele. Não por justiça, mas por cálculo.

É nesse ponto que Maquiavel entra sem ser chamado. O poder não se constrange em mudar de forma quando isso é necessário para conservar a substância. Resiste enquanto pode. Abafa enquanto funciona. Só muda quando o risco deixa de ser episódico e passa a ser estrutural. A mudança surge como técnica de conservação. São ajustes cirúrgicos, narrativas controladas, expurgos seletivos, reformas que tocam a superfície e blindam o núcleo.
No Brasil, tristemente, a mudança raramente aponta para ruptura. Aponta para continuidade administrada. Não quebra o iceberg. Apenas o empurra alguns metros para o lado, reorganiza o tráfego, rebatiza compartimentos e retoma a navegação.

É, lembram da frase do Temer? “Tem que manter isso aí, viu?”. Pois é.

E seguem chamando isso de democracia, de Estado de Direito, de amadurecimento institucional, de progresso, de preferência verde e amarelo.

E o silêncio retorna… Até que outra ponta emerja…

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Alex Pipkin

Alex Pipkin

Doutor em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS. Mestre em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS Pós-graduado em Comércio Internacional pela FGV/RJ; em Marketing pela ESPM/SP; e em Gestão Empresarial pela PUC/RS. Bacharel em Comércio Exterior e Adm. de Empresas pela Unisinos/RS. Professor em nível de Graduação e Pós-Graduação em diversas universidades. Foi Gerente de Supply Chain da Dana para América do Sul. Foi Diretor de Supply Chain do Grupo Vipal. Conselheiro do Concex, Conselho de Comércio Exterior da FIERGS. Foi Vice-Presidente da FEDERASUL/RS. É sócio da AP Consultores Associados e atua como consultor de empresas. Autor de livros e artigos na área de gestão e negócios.

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