Condenação por “racismo recreativo” é a verdadeira piada
No último dia 16, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado pela terceira turma do TRF-4 a pagar a “bagatela” de R$ 1 milhão a título de danos morais coletivos por “racismo recreativo”. No caso em tela, comentários jocosos de Bolsonaro sobre o cabelo black power de um apoiador foram interpretados como tendo um caráter depreciativo pelos desembargadores.
Ao leitor curioso, que pode cogitar interromper a leitura para procurar no Google a tipificação penal intitulada racismo recreativo, poupe os esforços, pois será uma busca em vão, posto que isso inexiste na legislação brasileira. O termo racismo recreativo remete a um livro homônimo do jurista Adilson Moreira, publicado na coleção Feminismos Plurais, de iniciativa de Djamila Ribeiro e que congrega diversas publicações de caráter identitário. O livro pode ser objeto de uma análise à parte e futura, mas podemos dizer que, em sua essência, Moreira argumenta que o humor com temáticas raciais (subjetivamente reputado por ele como racista) seria uma ferramenta para perpetuação de estereótipos que visam a manter minorias raciais marginalizadas e incapazes de confrontar os privilégios da “branquitude”. Citando Richard Delgado, autor que é um dos principais nomes da teoria crítica da raça (mais conhecida no Brasil sob a roupagem “racismo estrutural”, dada por Silvio Almeida), Moreira argumenta que esse tipo de humor é uma forma de “discurso de ódio” e não está resguardado pela liberdade de expressão.
Aí temos: em mais uma demonstração da penetração institucional do identitarismo, magistrados decidiram o caso com base não no ordenamento jurídico brasileiro, mas em uma teoria social identitária, teoria essa que se impôs não por seus méritos, mas pelo apelo que enseja. Ao proceder de tal forma, a terceira turma do TRF-4 criou uma jurisprudência para aplicações futuras, relegando o cerceamento de discursos humorísticos não só à subjetividade das partes (o que já seria inadmissível), mas do próprio Estado.
A “vítima” da brincadeira de Bolsonaro não só era como segue sendo um apoiador do ex-presidente. O influenciador Maicon Sulivan é categórico ao dizer que Bolsonaro não cometeu racismo contra ele. Mesmo assim, a terceira turma do tribunal argumentou que as “ofensas” tiveram um efeito coletivo, pois somos uma “sociedade historicamente marcada pelo racismo”. Evidentemente, trata-se de uma baboseira sem tamanho, além de mais uma ilustração do ativismo judicial de nossos dias.
Primeiro, os identitários se bateram pela censura baseada na “ofensa”, um critério totalmente subjetivo, prescindindo da comprovação de que tenha havido uma intenção de ofender — não temos controle sobre o que terceiros vão pensar ou sentir com nossas palavras, somos senhores apenas de nossas intenções. A aprovação da lei antipiadas, ainda na legislatura passada, sancionada com pompa e circunstância por Lula, já estava embebida deste espírito. Agora, o ativismo identitário na forma judicial dá um passo além. Em uma interação descontraída entre A e B, na qual B não manifesta nenhuma queixa, chega C (Ministério Público), com ar prepotente e, assenhorando-se da subjetividade alheia, pede a condenação de A por supostas ofensas contra B, que as nega peremptoriamente; finalmente, D (TRF-4) aquiesce com C, tratando por espúria a legítima interação entre A e B, posto que ela teria sido ofensiva para o restante do alfabeto.
O caso atesta, de forma que nem a mais severa crítica seria capaz, as consequências da aplicação jurídica daquilo que Adilson Moreira defende em seu livro. O mal do identitarismo é, primeiramente, a redução das subjetividades a critérios de identidades e, por consequência, a aniquilação da existência individual em prol de um coletivismo identitário. De nada valeram a opinião e percepção do principal interessado. É como se Maicon Sulivan não importasse como indivíduo dotado de ideias próprias, mas apenas como homem negro portador de um cabelo black power. Sua aparência era conveniente à narrativa do Ministério Público, mas não sua personalidade. Paradoxalmente, não foi Bolsonaro com piadas feitas em um contexto de aparente intimidade (Sulivan se descreve como amigo do ex-presidente), mas o Estado brasileiro quem o reduziu à sua dita identidade, que o invalidou como pessoa, convertendo-o em um apanhado de traços fenotípicos. O Estado o viu, mas não o escutou. Eis a suprema contradição. A defesa de um “lugar de fala”, de acordo com Djamila Ribeiro, se justifica devido a um suposto silenciamento de grupos minoritários. O lugar de fala seria, portanto, a voz, o ponto de vista, a experiência dos membros dessa minoria. Mas, claro, quando a voz é de um homem negro de direita, então eles não estão interessados em ouvir. E por quê? Porque ele destoa do que eles, de forma fetichista, esperam que seja o coletivo de homens negros, isto é, de esquerda. O indivíduo se perde no coletivo, o qual ganha precedência, arvorando-se ao direito de reclamar coisas (danos morais, por exemplo) com base na experiência particular alheia.
Criou-se jurisprudência para a aplicação, como se tipo penal fosse, do “racismo recreativo”. Recordo que, também nesse ano, a sexta turma do STJ também tentou institucionalizar o raso e simplório conceito de racismo estrutural, negando a possibilidade de racismo contra pessoas brancas. Nosso trabalho não é apenas combater o identitarismo em termos dos danos que ele possa causar, mas consertar os que já está causando.
Fontes:
https://www.metropoles.com/colunas/grande-angular/julgamento-bolsonaro-trf4-racismo
Racismo Recreativo — Adilson Moreira
https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/influenciador-nega-ter-sofrido-racismo-e-defende-bolsonaro-apos-condenacao/
Lugar de Fala — Djamila Ribeiro